Pesquisa da USP analisa desigualdade salarial entre homens e mulheres
Pesquisadora constatou que, apesar da escolaridade ajudar a reduzir a desigualdade salarial, o gênero ainda é um fator determinante para a remuneração no Brasil
- Data: 25/03/2025 11:03
- Alterado: 25/03/2025 11:03
- Autor: Redação
- Fonte: Assessoria
“Não aceito mais as coisas que não posso mudar, estou mudando as coisas que não posso aceitar”. A frase estampada como epígrafe na dissertação de Luisa Coelho Bolsoni não está ali por acaso.
Por muito tempo, a pesquisadora observou as dificuldades enfrentadas por mulheres a sua volta, e até mesmo as dela própria, que ao entrar no mercado de trabalho sofreu discriminação e falta de reconhecimento apenas por ser mulher: “Sempre percebi que, muitas vezes, quando uma mulher faz algo, a atenção e o reconhecimento vão para um homem. Vivi isso na época do curso técnico, quando eu era a única mulher na turma, na graduação de engenharia, quando éramos apenas três, e depois no mercado de trabalho, quando mesmo executando 80% de um projeto, a promoção foi dada a um colega homem”.
Cientista de dados, ela passou a se chocar com essas injustiças e decidiu que precisava entendê-la com rigor. No Mestrado Profissional em Matemática, Estatística e Computação Aplicadas à Indústria (MECAI), Luisa encontrou as ferramentas para isso.
Oferecido pelo Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação (ICMC) da USP, em São Carlos, o mestrado levou Luisa a elaborar a dissertação Análise da Disparidade Salarial entre Gêneros no Brasil: Uma Abordagem Estatística, que transforma números em evidências concretas sobre uma desigualdade persistente. Se, como postulava a filósofa francesa Simone de Beauvoir em 1949, o trabalho é um caminho para a autonomia feminina, Luisa se dedicou a investigar como esse caminho é atravessado por barreiras invisíveis: “Precisamos lembrar que chegamos até aqui porque outras mulheres lutaram antes de nós. Se continuarmos nos posicionando, talvez um dia alcancemos uma verdadeira igualdade”.
Como a pesquisa foi feita – De acordo com Luisa, os estudos sobre desigualdade salarial entre homens e mulheres costumam adotar uma abordagem predominantemente econômica. Por isso, ela decidiu utilizar modelos estatísticos preditivos para interpretar as diferenças salariais entre os gêneros e identificar os principais fatores que determinam os rendimentos.
Para isso, trabalhou com dados da Relação Anual de Informações Sociais (RAIS), base governamental que detalha vínculos empregatícios formais no Brasil. A análise abrangeu registros de 2006 a 2021, permitindo observar padrões e tendências ao longo do tempo. No entanto, ela conta que teve dificuldades para extrair todos os dados que precisava de uma vez, já que a plataforma não permite baixar todas as variáveis simultaneamente.
Diante dessa limitação, Luisa desenvolveu sua própria ferramenta de extração de dados, programada em Python, para automatizar o processo. O código permite selecionar os anos desejados e extrair as informações diretamente do site da RAIS, organizando os dados em arquivos CSV para análise posterior. “Acredito que a ferramenta possa ser aprimorada, mas ela funciona de forma que o usuário, ao acessar o site da RAIS, escolha as variáveis desejadas e verifique se a plataforma consegue disponibilizar os dados selecionados”, comenta Luisa, que disponibilizou a ferramenta neste link: https://github.com/luisabolsonisousa/ingestao_rais_gov_br.
A partir dessa base de dados, a mestranda analisou cinco conjuntos principais de informações, categorizados de acordo com as variáveis disponíveis na RAIS:
- Escolaridade: Nível de instrução dos trabalhadores (Fundamental, Médio, Superior, Mestrado, Doutorado).
- Idade: Faixas etárias dos trabalhadores (ex: 18-24 anos, 25-29 anos, etc.).
- CNAE (Classificação Nacional das Atividades Econômicas): Identifica o setor econômico em que cada trabalhador está empregado (ex: Indústria, Comércio, Agricultura, Serviços).
- IBGE: Setores econômicos conforme a categorização do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (ex: Construção Civil, Administração Pública, Educação).
- Vínculo empregatício: Tipo de contrato de trabalho (ex: CLT, estatutário, temporário, aprendiz, diretor).
Todas essas bases continham duas variáveis centrais: faixa salarial e sexo. As demais traziam filtros adicionais, como setor econômico ou tipo de vínculo empregatício. Com os dados organizados, Luisa aplicou técnicas estatísticas avançadas, incluindo análise descritiva e regressão logística, para classificar a probabilidade de um salário ser alto ou baixo com base no gênero e em outros fatores.
“Logo no início da análise, a tendência ficou evidente: nas faixas salariais mais baixas, há uma predominância de mulheres; conforme os salários aumentam, a presença feminina diminui, enquanto a masculina cresce. O gráfico resultante formava um ‘X’: nos salários mais baixos, havia menos homens; nos mais altos, a presença masculina era muito maior, e as curvas se cruzavam no meio dessa distribuição”, explica Luisa.
Resultados – A pesquisa evidenciou que o gênero é um fator preditivo dos salários. Um exemplo claro dessa desigualdade é o que ocorre na faixa de remuneração superior a 20 salários mínimos, quando apenas 31,4% dos trabalhadores são mulheres, enquanto 68,6% são homens. “Ao perguntar quais variáveis mais influenciam a predição do gênero do indivíduo, o salário sempre se destacou. Isso significa que, no Brasil, o simples fato de ganhar mais dinheiro já é, estatisticamente, um indício de que a pessoa provavelmente é um homem”, ressalta.
O setor financeiro, onde Luisa trabalhava quando iniciou o mestrado, apresentou uma das maiores disparidades. Áreas como administração pública e comunicação também registraram desigualdades significativas. Por outro lado, setores com forte presença feminina, como educação e assistência social, apresentam remuneração inferior. “Precisamos questionar por que determinadas profissões são menos valorizadas financeiramente quando majoritariamente ocupadas por mulheres. O discurso de que ‘é uma escolha’ não se sustenta porque há barreiras estruturais para as mulheres”, argumenta a pesquisadora. De acordo com Luisa, a desigualdade não começa no momento da escolha profissional — ela vem de muito antes, desde a infância, moldando os caminhos que homens e mulheres podem ou não seguir.
Por outro lado, a pesquisa apontou que a educação é um possível caminho para que mulheres alcancem melhores condições de salário. Na faixa salarial mais alta, 2,4% dos trabalhadores com doutorado são mulheres, enquanto 2% são homens. De acordo com Luisa, embora pequena, a diferença deve ser analisada em seu contexto, que mostra que há quase o dobro de homens na faixa salarial mais alta em comparação com mulheres. Isso indica que, para atingir salários elevados, as mulheres precisam de um nível de qualificação superior ao dos homens.
Além disso, nas faixas salariais intermediárias (de 2 a 7 salários mínimos), a proporção de mulheres com ensino superior completo é significativamente maior (47,5%) em comparação aos homens (17,8%). “Essa tendência de maior qualificação feminina pode estar associada a uma necessidade de compensar outros fatores de discriminação no mercado de trabalho”, expõe a cientista de dados.
A análise temporal revelou que, entre 2006 e 2022, a participação feminina nos salários mais altos caiu de 2,10% para 1,91%. Entre os homens, também houve redução, sugerindo uma mudança no mercado. Já nas faixas salariais mais baixas, o percentual de mulheres subiu de 45% para 52%, enquanto o de homens passou de 40% para 47%, sugerindo uma flutuação na distribuição dos rendimentos.
Quando questionada sobre os resultados que mais a impactaram, Luisa afirmou que já esperava encontrar desigualdades expressivas: “Acho que nada realmente me chocou, porque já fui para a pesquisa com um olhar bastante pessimista. Mas, dentro desse cenário, perceber que a escolaridade traz um pouco mais de equilíbrio foi um ponto interessante”.
A visão do orientador – Luisa contou com a orientação do professor Alexandre Cláudio Botazzo Delbem, do ICMC, que destacou a clareza dos resultados obtidos. “A Luisa está de parabéns; os resultados evidenciam não apenas as desigualdades salariais, mas também os setores mais críticos da economia e a morosidade na evolução dessa questão”, afirma Delbem.
A dissertação também salienta que, apesar da promulgação da Lei 14.611/2023, que exige igualdade salarial entre gêneros, os desafios para sua implementação ainda são significativos. “Muitas empresas estão recorrendo para não aderir”, observa Luisa.
Agora, trabalhando como cientista de dados no exterior, Luisa afirma que essa resistência das empresas reforça que ainda há um longo caminho para a igualdade no mercado de trabalho. “Quando conseguimos transformar números em argumentos sólidos, ajudamos a construir um mercado de trabalho mais justo e igualitário”, conclui.

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