Crítica: Babygirl (2024)
No início de janeiro estreia o polêmico thriller erótico estrelado por Nicole Kidman
- Data: 31/12/2024 09:12
- Alterado: 31/12/2024 10:12
- Autor: João Pedro Mello
- Fonte: ABCdoABC
Crédito:Divulgação
Com estreia prevista para 09 janeiro de 2025, chega a mais nova aposta da A24 (para o Oscar de Melhor Atriz), diretamente da distribuidora conhecida por trazer filmes tido como “fora da caixa”, assim pousa o thriller erótico Babygirl. Com uma sinopse centrada em Romy Mathis (Nicole Kidman), a bem-sucedida CEO de uma grande empresa de tecnologia que se vê sexualmente infeliz em seu casamento com Jacob (Antonio Banderas) um diretor de teatro. Pouco a pouco, ela acaba se envolvendo com Samuel (Harris Dickinson), um de seus estagiários para viver uma tórrida relação em que limites são constantemente testados.
A trama autoral passa diretamente pelo argumento de Halina Reijn, que retoma o um semelhante escopo visto no longa Instinto (2019), seu filme de estreia como diretora e roteirista. No comando de seu quarto longa-metragem em uma carreira relativamente curta, mas promissora, a diretora já teve participações em diversas produções como atriz até migrar sua atenção para o ofício de realizadora. Aqui, Reijn volta a abordar temas que exigem delicadeza e sensibilidade, tais como: liberdade sexual, relação de jogos de poder e sexo originados de traumas do passado.
Apesar do filme ser dotadas de expressivas camadas de profundidade, para o espectador mais desatento, o longa pode parecer caminhar por linhas estreitas entre a construção de um thriller erótico e tramas estereotipadas como as de Cinquenta Tons de Cinza. Assim, por carregar tórridas cenas de sexo, é fácil ser confundido com um tipo genérico de obra soft porn, mas que invariavelmente repousam a um passo do limiar desfiladeiro de se tornar o que se chamava em tempos machistas de “romance de donas de casa”, como ficou marcado nas obras protagonizadas pela atriz Dakota Johnson, baseada nas páginas da trilogia de Tons de Cinza da autora E.L. James.
No livro parte-se de uma visão impreterivelmente masculina, em que um homem rico domina uma mulher ingênua, ao menos à primeira vista. Na trama de Babygirl, há sim um misto de Christian Grey que experimenta uma espécie de troca de papéis, visto que a poderosa aqui é ou deveria ser a figura da personagem de Nicole Kidman. Assim, com os postos invertidos, vemos um estagiário que faz da leitura de sua presa, um constante joguete que ora mantem-se no poder, ora outras peças são constantemente depostas nesse xadrez de sedução e desmandos.
Apesar da repetição de trama como em seu debut na direção, aqui Reijn consegue um trabalho mais maduro e consistente, ao passo em que segue aprofundando as mais diversas camadas de sua protagonista que passa por uma avaliação existencial, acerca de seu papel como mulher. Dessa forma, são discutidos os perigos deste sufocar de sentimentos da figura feminina, constantemente assombrada por seus próprios preconceitos, aqui tomados de assalto para além de uma sociedade que ainda vive de olhos (bem) fechados para o prazer feminino.
Dessa forma, se descortina o papel de Romy, que parece conversar com os anseios de maneira honesta em meio as rachaduras e imperfeições contidas no “perfeito aparente” de uma grande parcela de mulheres. Assim, escolhe abordar um tema que ainda é tabu, ao ir além da necessidade e desdobramentos advindos da falta de um diálogo franco. É neste limiar que Kidman se arrisca em uma produção independente, que a despe literal e emocionalmente de quaisquer inseguranças ao escolher protagonizar uma mulher que precisa libertar-se de suas próprias amarras.
Em recente rumor de veículos especializados em salários no mundo do showbiz, estima-se que a estrela tenha recebido algo em torno de US$ 10 milhões para protagonizar Romy. Um alto valor, ainda mais considerando que o filme custou o US$ 20 milhões, ou seja, um filme de orçamento mais “modesto”, tendo em vista os altos padrões de Hollywood — assim, pelo menos a metade do custo total do filme teria sido custeado para pagar o cache de Nicole Kidman.
Há também um lado curioso de se ver uma atriz de calibre mundial em uma produção deste porte, o que realmente pode fazer sentido no mundo do cinema. É bastante comum algumas estrelas aceitarem participar de filmes de menor expressão, ou por vezes baixar o salário em razão da arte propriamente dita, tendo como contrapartida, um papel que pode possibilitar boas chances de premiações e reconhecimento, entretanto, cabe ressaltar que sempre há um prestígio posto à prova. No mundo do cinema é sempre um risco, mas aqui, Kidman resolveu apostar.
No plot, o estagiário serve não somente como ferramenta de insight para a personagem principal, mas como eixo de libertação não apenas sexual, mas como instrumento de alerta e autocuidado, além das maneiras e eixos onde determinadas omissões e falta de voz no “ser ouvida”, podem impactar na vida de uma mulher. As analogias com o brabo vira-lata —, acalmado é um espelho de rima narrativa para a protagonista que precisa se sentir de alguma forma “domada” — não havendo muita sutileza, que por sinal é o percurso de todo a sinopse com tom de fábula de drama familiar visto nas escolhas da diretora e roteirista de Babygirl.
Em uma fala recente, Reijn revelou como mulher feminista, a importância e os impactos do movimento #MeToo, para ajudá-la compreender (in)diretamente seu papel e profissão enquanto mulher, o que se reflete não apenas na figura desta trama, mas em um âmbito geral, representativamente falando. Assim, é (re)construída uma mulher, tanto no sentir-se mais integrada e liberta, quanto na ideia de que não sejam apagadas as “imperfeições” de sua fera adormecida, além de reforçar o conceito de sua participação em todos os papéis que puder desempenhar, destacando sua multidiversidade feminina (como dama-mãe-esposa, CEO ou quaisquer que sejam sua perversidade lasciva), tanto no discurso, quanto em sua recente obra.
Assim, o longa revela questionamentos retóricos morais sobre se sabemos responder como animais ou seres civilizados, ao passo em que, com todo o conhecimento humano que detemos, de que forma ainda somos capazes de fazer ou optar pelas piores decisões. Assim — reagem os sentimentos que ainda não parecem aceitar sua própria escuridão, aqui visitados —, na personagem de Nicole Kidman, mas sobretudo acerca do questionamento que mais importa: aquilo que motiva suas escolhas. Assim, em seu entendimento, o “empoderar-se” passa pela possibilidade de poder ser todas os papéis que puder e quiser (ser), e assim, se entregar.
Sem spoilers, na cena final existe um lindo convite a participação do outro que pode assim finalmente mergulha no lençol de dentro para fora, de um leito de jogos para ambos. Assim fica a lição de um quase cautionary tale (conto de advertência, em livre tradução) sobre os perigos do silêncio em uma relação a dois. Talvez o grande pecado do filme da diretora holandesa, esteja justamente no fato de se tratar de uma produção norte-americana, que muito embora tenha o selo da A24, pareceu-me caminhar de maneira politicamente conservadora. Assim, há uma ponta de indulgencia que carece de implicações que enfraquecem o desfecho da trama, trazendo assim em si a própria contradição metalinguística.
Senão vejamos, fosse este o caso de uma produção puramente europeia, talvez pudesse haver certos cuidados — seja pela presa de uma resolução da trama no terceiro ato, onde todos podem viver felizes para sempre —, seja pelo medo das consequências de uma lição aprendida. Assim, entre um choque que assusta matrimônio, e outro que o esmaga, eu fico com a substância avassaladora de Stanley Kubrick vista em De Olhos Bem Fechados (1999), de quem não teve medo do irremediável. Entretanto, aqui a diretora Reijn parece ter conseguido atingir mais se arriscando menos, para uns um acerto, a mim uma pena, mas dentro do escopo proposto de aparente liberdade restrita, a trama ainda assim encontra a quem precisava achar.
Por fim, o que assisti foi um talvez pecado quase original, desmembrado na ânsia por uma pontinha a mais de coragem. Assim, poderia tê-la feito com igual ousadia de sua protagonista ao final, que sem medo de um último corte, ou mesmo despida, não correu o mesmo risco de perda de um Tom Cruise da vida real, ficando mais para o Antonio Banderas de conto forte, mas que na ausência de consequências, carnaliza o banal com receito da sorte.
SERVIÇO:
Título: Babygirl (2024)
Gênero: Thriller, Erótico
Diretor: Halina Reijn
Roteirista(s): Halina Reijn
Elenco: Nicole Kidman, Harris Dickinson, Antonio Banderas, Sophie Wilde
Distribuidor: Diamond Films
Duração: 114 min