Dia Mundial da Água: desmatamento e irrigação ameaçam rios do Cerrado
Avanço do desmatamento e da irrigação colocam em risco a produção de água no Cerrado, que abastece nascentes de outros quatro biomas, incluindo a Amazônia
- Data: 20/03/2025 15:03
- Alterado: 20/03/2025 15:03
- Autor: Redação
- Fonte: Assessoria
O Cerrado, segundo maior bioma do Brasil, como um coração no centro do país, bombeia água para todos os lados e para os biomas vizinhos: Amazônia, Pantanal, Mata Atlântica e Caatinga. Mas essa dinâmica natural vem sendo ameaçada pela substituição da vegetação nativa por culturas irrigadas.
Para alimentar os rios que formam oito das principais bacias hidrográficas da América do Sul, o Cerrado precisa da vegetação de pé: gramíneas, arbustos e árvores são receptáculos da água da chuva que infiltra pelas longas raízes, ajudando a abastecer os aquíferos e as nascentes dos rios que chegam a milhares de quilômetros de distância, mantendo a disponibilidade de água nos períodos secos.
Segundo estudo realizado pelo Instituto Cerrados, 3.427 mil rios nascem no Cerrado e chegam ao bioma Amazônia. Milhares de outros rios chegam ao Pantanal, formando a Bacia do Paraguai; outros descem para o Sul, compondo a bacia do Paraná; a Nordeste, formam a Bacia do Parnaíba e, a Leste, a do São Francisco.
Porém, 50% dessa água é captada para atividades agropecuárias, como irrigação de lavouras de soja, segundo análise de conjuntura dos recursos hídricos elaborada pela Agência Nacional de Águas, acessível aqui. No Cerrado, concentram-se 80% do total de pivôs centrais utilizados para irrigação no Brasil, conforme mostra estudo da Universidade Estadual Paulista (Unesp).
Como 40% das exportações brasileiras de soja provêm do Cerrado, o bioma carrega o título de “bioma de sacrifício”: a vegetação nativa é retirada em larga escala e substituída por lavouras de soja e pasto, alterando completamente o ciclo hidrológico. Essa mesma vegetação garantiria a provisão de água para parte do continente.
O bioma Cerrado é pouco protegido pela lei: apenas 8% está em Unidades de Conservação e o Código Florestal exige de 20 a 35% de preservação, em Reservas Legais, nas propriedades privadas.
Com o avanço das mudanças climáticas e as incertezas na estação chuvosa, a irrigação é cada vez mais requerida no modelo de produção agropecuária de larga escala. Para isso, são realizadas captações, com ou sem autorizações (outorgas), de águas superficiais ou subterrâneas que alimentam pivôs centrais de irrigação.
“Além de não haver fiscalização alguma acerca do volume utilizado versus o volume outorgado, muitas vezes, os pivôs funcionam nas horas mais quentes do dia, o que reduz muito a eficiência da irrigação com a perda dessa água para a atmosfera”, destaca a ecóloga e coordenadora do Programa Cerrado do Instituto Sociedade, População e Natureza (ISPN), Isabel Figueiredo.
Isabel explica que os poços artesianos estão sendo perfurados cada vez mais em profundidade, para acompanhar o rebaixamento do nível dos corpos d’água subterrâneos. “Além disso, grandes piscinões de armazenamento de água, que ficam expostos à radiação solar e evaporação, têm sido cada vez mais comuns nas fazendas de monocultura, aumentando ainda mais a pressão sobre os cursos de água”, completa a coordenadora do Programa Cerrado do ISPN.
Essa água, recolhida nos “piscinões”, vem de rios como o Arrojado, no município de Correntina, no Oeste da Bahia. Ali, comunidades tradicionais de fundo e fecho de pasto, que mantêm um modo de vida baseado na criação de gado solto e no cultivo de roçados, são constantemente ameaçadas pelas monoculturas.
A água, que há pouco tempo era abundante, limpa e servia para banho, cozinhar e lavar roupa, agora está escassa, poluída pelos agrotóxicos utilizados nas plantações do agronegócio, ou barrenta, como consequência do rompimento de alguma barragem utilizada para alimentar os pivôs centrais de irrigação.
Vazão da água dos rios
De acordo com o estudo “Os efeitos das mudanças do uso do solo e das mudanças climáticas nas vazões dos rios do bioma Cerrado e estimativas futuras”, do geógrafo e diretor-executivo do Instituto Cerrados, Yuri Salmona, os municípios do Oeste baiano apresentam diminuição de 24,2% na vazão dos rios.
O rio Arrojado, que passa pelo município de Correntina (BA), perdeu 18,2% de sua vazão média, segundo o estudo. “Cerca de 56% dessa perda deveu-se à ocupação agrícola e 44% às mudanças climáticas”, destaca Yuri. As tendências futuras indicam uma perda acumulada de 36,2% de vazão do Rio Arrojado, até 2050.
Na mesma região, o Rio de Ondas perdeu 25% de sua vazão média, também em função, principalmente, da expansão do uso agrícola das terras situadas em sua bacia hidrográfica. A estimativa de redução da vazão do Ondas para 2050 é de 56%.
“Estes são apenas alguns dos casos. A tendência é clara nos rios do bioma Cerrado, em todos os estados analisados, e isso acontece como reflexo da expansão agropecuária e das mudanças climáticas”, avalia Yuri.
Além dessa ameaça à vida, as comunidades sofrem violência direta, com armas de fogo e represálias no contexto da disputa por água. Em 2017, Correntina esteve em todos os jornais do Brasil, devido ao conflito pela água entre fazendeiros e as comunidades locais.
Estudos
O livro “Desmatamento e apropriação da água autorizados no Oeste da Bahia: uma política do Estado” revela irregularidades nas emissões de Autorização de Supressão de Vegetação Nativa (ASVs) e outorgas de uso de recursos hídricos nas bacias dos rios Grande, Corrente e Carinhanha, e como isso têm favorecido a concentração de riqueza e ampliado desigualdades sociais.
O estudo analisou 5.126 portarias de ASVs e 835 portarias de outorga de uso de água emitidas pelo Instituto de Meio Ambiente e Recursos Naturais (Inema) para todo o estado, entre 2007 e 2021.
Esse modelo de gestão tem potencializado conflitos no campo e reduzido a capacidade de mitigação e adaptação às mudanças climáticas. Veja aqui o livro, lançado em outubro de 2024 pelo Instituto Mãos da Terra (Imaterra), em parceria com a Universidade Federal da Bahia (UFBA).
Outro estudo, publicado na revista Nature, com o título “Potencial generalizado de vazamento do fluxo dos rios pelo Brasil” (“Widespread potential for streamflow leakage across Brazil”, no original em inglês) indica que há uma tendência de perda de disponibilidade hídrica superficial em várias áreas do país. Confira aqui.
A Agência Nacional de Águas (ANA) registra que o Cerrado tem apresentado elevação nas temperaturas médias e diminuição das chuvas, intensificando períodos de seca, o que afeta o agronegócio e pressiona a oferta de água superficial e subterrânea. As informações estão em estudo publicado pela Agência e disponível aqui.
Cerrado, Coração das Águas
No mês de comemoração do Dia Mundial da Água (22 de março), o ISPN, o Instituto Cerrados e a Rede Cerrado destacam a importância de sensibilizar a opinião pública para o bioma mais rapidamente desmatado do Brasil. Localizado no centro do país e ocupando cerca de um quarto do território nacional, o bioma já perdeu 50% de sua vegetação nativa.
Em 2024, em parceira com o Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM) e WWF-Brasil, o ISPN, o IC e a Rede Cerrado lançaram a campanha Cerrado, Coração das Águas, que continua este ano e culmina na Conferência das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima em Belém, COP30. O objetivo é apresentar o Cerrado aos representantes de 193 países partes que estarão no Brasil e a conexão, pelas águas, entre ele e os demais biomas vizinhos, incluindo a Amazônia.

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