Crítica: Nosferatu (2024)

O novo longa do diretor Robert Eggers estreia dia 02 de janeiro nos cinemas brasileiros

  • Data: 19/12/2024 16:12
  • Alterado: 19/12/2024 17:12
  • Autor: João Pedro Mello
  • Fonte: ABCdoABC
Crítica: Nosferatu (2024)

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Na instigante e promissora carreira de apenas quatro filmes, vivenciamos o horror e estilo sombrio nas mãos do hábil e jovem diretor desde o terror folclórico de A Bruxa em 2015, passando em 2019 pelo thriller marítimo do conto lovecraftiano de O Farol, e o até então, mais recente, o longa O Homem do Norte, tendo sido seu próprio Hamlet de vingança épica em 2022. Agora, finalmente, o diretor Robert Eggers nos brinda com seu filho mais desejado na personalíssima versão de Nosferatu, uma interpretação única do clássico de 1922 de FW Murnau, Nosferatu, que será lançado dia 02 de janeiro, nos cinemas brasileiros.

Baseado em uma adaptação não autorizada do romance clássico Drácula, de Bram Stoker (1897), finalmente o diretor de A Bruxa, traz o seu ambicioso Nosferatu, em carnes e vísceras e pouquíssimo osso. Assim, chega aos cinemas a antiga obsessão do realizador e roteirista, aqui emulada no desejo desde o ‘garoto Eggers’ para tela grande. Na trama Thomas Hutter (vivido por Nicholas Hoult), é um corretor imobiliário na Alemanha que viaja até uma remota Transilvânia para fechar negócio com o Conde Orlok (interpretado pelo ator Bill Skarsgård), interessado em adquirir uma propriedade em Wisborg. Desta forma, Hutter embarca deixando em casa a esposa (na pela da atriz Lily-Rose Depp), que na ausência do marido, passa a ser assombra por estranhas visões.

Pra quem não sabe, não é de hoje que o realizador Robert Eggers demonstra interesse na obra de F.W. Murnau. Na juventude, ainda estudante, o diretor comandou duas versões teatrais da obra, sendo a primeira para a escola e anos depois, profissionalmente, com apenas 17 anos. Desta vez, o jovem pôde finalmente adaptar aquele que sempre fora seu filme favorito, predileção pujante desde os 9 anos, ao descobrir o fascínio pelo filme através da imagem da sombra de Nosferatu na capa do VHS. Assim, com sua mãe tendo que encomendar a raridade em uma videolocadora, assistiu dentro de um acordo pré-estabelecido que vigia um principal termo: só seriam permitidos filmes desta natureza, se os dois pudessem conversar após a exibição. Desse modo, surgia os primeiros traços embrionários do longa do diretor Robert Eggers.

A direção de Eggers começa antes mesmo de qualquer filmagem, tendo um desses grandes méritos a decisão e cuidado híbrido, seja na escolha de trabalhar com a amplificação de sensações presentes no original, quanto no feliz “atrevimento” ao não se furtar apenas em buscar os sentimentos provocados pelo clássico expressionista dirigido por F. W. Murnau. Ou seja, optando por expandi-lo no roteiro, com pitadas de liberdade criativa, identidade própria e substância peculiar de Eggers, reforçando uma presença ousada de mudanças corajosas. E assim o fez, embalado em sua estética, percebida desde um design de som soturno, que mais parece um “ranger de unhas” presas em um caixão de madeira, evocando uma espécie de comunhão com o satânico, que se reforça tanto no som da voz do vampiro, quanto em um mero respirar ameaçador.

Dessa forma somos apresentados ao imponente Conde Orlok no filme, tornando impossível para qualquer espectador permanecer incólume diante da interpretação intensa de Bill Skarsgård. O ator — mergulhado a uma pesada maquiagem, está irreconhecível —, carrega um certo magnetismo em tela, ao passo que você a todo momento se pega torcendo para ele apareça novamente.

Deste modo, o longa encontra a dose certa de sombras sem perder uma gota de sensibilidade delicada em sua execução primorosa. Em recente entrevista o diretor revelou que encontrou o seu Orlok (o Conde e vampiro da Transilvânia), após ver o ator Bill Skarsgård em ‘It: A Coisa’ na pele do palhaço Pennywise. O que nos transporta, diretamente para a caracterização do personagem de Nosferatu. O trabalho de maquiagem de David White é assustadoramente perfeito. O ator está diabólico sob as inúmeras camadas de maquiagem em seu rosto, mãos e corpo, sendo necessárias 9 horas para se chegar no resultado do personagem por inteiro.

Dentre as mais diversas decisões de roteiro (polêmicas ou não), o filme apresenta mudanças que muito provavelmente irão causar certa controvérsia, e acredite, isso é uma ótima notícia. Como por exemplo, o local onde o vampiro morde, que segue novamente a linha das tradições folclóricas, onde a região em que a criatura finca suas presas é na verdade o peito, por esta razão ao invés do pescoço, os dentes famintos buscam pelo sangue bombeado nas proximidades do coração da vítima. Outro ponto está na presença mais ativa da personagem Ellen. A obra é repleta de referências e menções como a homenagem para a atriz alemã Greta Schröder (primeira Ellen do clássico de 1922), aqui lembrada ao receber o nome da gatinha e companheira de sua sucessora, agora interpretada por Lily-Rose Depp.

O diretor Robert Eggers, que também assina o roteiro do longa, preferiu arriscar ao fugir do terror folk que vinha fazendo, o que não significa uma ausência de estilo, muito pelo contrário. Aqui Eggers entrega para esse que é, no melhor sentido do termo, um “melodrama gótico”, destacando uma visão deturpada e tóxica, que liga irremediavelmente os personagens de Ellen e o Conde Orlok, na vontade irrestrita de um vampiro possuir de todas as maneiras a sua presa. Para isso, Eggers diminui o tempo de tela em certos personagens para destacar outros em favor da construção de seu universo — assim ampliando as motivações na trama —, e mesmo que não agrade a todos, funciona.

Nesta versão há uma espécie de conexão mais aprofundada, tendo na figura de Ellen, uma “prometida amaldiçoada” de Nosferatu, além de uma sugestão de lesbianismo platônico com uma personagem criada pelo diretor, o que alimenta ainda mais a ideia de sentimentos reprimidos e uma persistente solidão. Além de um desfecho bastante intenso no arco final. E assim recebemos a entrega de Eggers, um longa sobre desejo, obsessão e sacrifício, todo amarrado ao universo macabro proposto por Eggers.

As escolhas estéticas passam pelo mesmo quilate que o espectador de Eggers já está acostumado, assim vemos um trabalho de luz irretocável ao acompanharmos o vampiro se misturar habilmente as sombras, onde ora parece estar ao fundo de cenários ermos de um castelo úmido e inabitado, ora trata-se apenas de mais um vulto na imensidão do escuro absoluto que se derrama em luzes bruxuleantes de velas escorrendo —, um primor.

Muito além de sua releitura do clássico alemão de 1922, Eggers buscou se aprofundar nos elementos folclóricos presentes na construção do mito do vampiro que açoita a esposa do homem em uma negociação de imóvel. Desta forma, o diretor de A Bruxa, buscou referências nas lendas e tradições que circundam o imaginário de superstições do vampiro. O trabalho de pesquisa e concepção do longa durou cerca de 10 anos, desta forma sua trama pode ser de fato o mais fiel, tendo elementos galgados na mitologia verdadeira do que seria essa criatura folclórica. Assim, com uma equipe afiada do filme, professores e especialistas por meio de documentos e depoimentos históricos de pessoas da região da Transilvânia, Eggers pode dar vida a seu Nosferatu.

É curioso pensar que até no design de produção, houve tamanho cuidado por cada pequeno elemento cênico visto em tela. De acordo com o diretor, muito do visto em tela, é também inspirado em seus sonhos de criança mesclado as sensações de quando fora apresentado ao clássico de 1922. Desta forma, temos no trabalho de direção de arte de Craig Lathrop, um balde de delicadeza nas minucias ao emular esse misto de referências góticas que criam uma atmosfera opressora e ao mesmo tempo gera fascínio pelo ambiente diabólico. Além do mais, o filme contou com a utilização de 2 mil ratos de verdade para simbolizar as pragas, dentre as estranhas da trama. O elenco ainda traz novamente (a dobradinha com Egger ao participar de O Farol), mais que oportuna participação do ator Willem Dafoe, aqui no papel do Professor Albin Eberhart Von Franz, uma espécie de caçador de vampiros, que está hipnótico em tela.

Considerações

A longa é um presente a tela grande, potente e muito feliz ao conseguir evocar com fidelidade a força do expressionismo alemão aqui abraçando não somente as sombras, mas por meio da decisão de trazer as temáticas do medo e insanidade misturados aos ambientes estreitos e sentimento que vão desde o estranhamento ao grotesco, do esquisito a uma “beleza assustadora”. O texto reforça a todo momento a ideia de desejo reprimido e obsessão descontrolada, além de sentimentos de nojo que se sobrepõem em amálgamas as sombras, como pontos centrais na obra deste que, certamente é uma experiência desconcertante.

Em meio a muito mistério e misticismo, o diretor Robert Eggers dá vida com tremenda visceralidade nesta bela atualização de uma obra que já se tentou apagar da história do cinema. Muito além de preencher lacunas, a adaptação entrega profundidade ao clássico, mesmo preterindo personagens, e mesmo assim, vai adiante, ao colorir com sangue, suor e vísceras de desejo reprimido o preto e branco mudo do clássico. Assim, o jovem diretor fortalece a fábula macabra com uma trama envolvente, sendo quase o seu “A Bela e A Fera”, mas aqui sufocante como se estivéssemos presos no mesmo caixão de pavor. Então, tendo tudo isso em mente, a experiência proposta por Eggers, traz-nos um brinde a primazia estética, quase didática nessa analogia em arquétipo da obsessão de uma relação tóxica entre a personagem, aqui na pele de Ellen Hutter e seu predador, o Conde Orlok, que mesmo com a semelhança em termos de escopo, Eggers escolhe seguir o visceral e sombrio, mas em momento algum perde o sublime dentro do perturbador.

SERVIÇO:
Título: Nosferatu (2024)
Gênero: Terror, Gótico
Diretor:  Robert Eggers
Roteirista(s): Robert Eggers
Elenco: Bill Skarsgård, Lily-Rose Depp, Nicholas Hoult, Willem Dafoe
Distribuidor: Universal
Duração: 133 min

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  • Data: 19/12/2024 04:12
  • Alterado:19/12/2024 17:12
  • Autor: João Pedro Mello
  • Fonte: ABCdoABC









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