Golpes frustrados no Brasil: episódios que moldaram a democracia
Desde o Estado Novo até as recentes investigações contra Bolsonaro, relembre as tentativas de ruptura democrática que falharam, mas deixaram marcas profundas na história do país
- Data: 18/12/2024 09:12
- Alterado: 18/12/2024 09:12
- Autor: Redação
- Fonte: Terra
O último ano do governo Jair Bolsonaro e os eventos que marcaram o início de 2023, culminando no ataque de seus apoiadores a Brasília em 8 de janeiro, estão sendo analisados pela Polícia Federal e por diversos especialistas como uma potencial tentativa de golpe de Estado no Brasil.
A crise começou a se intensificar em julho de 2022, quando o então presidente Bolsonaro começou a questionar a integridade das eleições, convocando seus ministros para “fazer algo” antes da divulgação dos resultados, que, segundo ele, já estariam “pintados”. Nos meses seguintes, especialmente após sua derrota nas eleições para Luiz Inácio Lula da Silva, manifestantes acamparam em frente a quartéis exigindo intervenção militar, ocorreram bloqueios em estradas e até tentativas de atentado no Aeroporto de Brasília.
Investigações da Polícia Federal, reveladas em novembro do mesmo ano, indicaram que alguns membros das Forças Armadas estavam envolvidos em um plano para assassinar Lula e outros altos funcionários do governo. Em um desdobramento significativo das investigações, o general Walter Souza Braga Netto, que foi ministro da Casa Civil e candidato a vice-presidente na chapa de Bolsonaro em 2022, foi preso preventivamente sob a acusação de tentar interferir nas apurações sobre a suposta conspiração.
Ainda em novembro, a PF apontou Bolsonaro como líder de uma “organização criminosa” que estaria arquitetando o golpe para permanecer no poder após a derrota eleitoral. O ex-presidente refutou qualquer envolvimento em planos golpistas, afirmando que era “absurdo” pensar que poderia haver um golpe orquestrado por “um general da reserva e mais meia dúzia de oficiais”.
Outras Tentativas de Golpe
A história do Brasil possui exemplos de tentativas de golpe fracassadas, muitas vezes marcadas pela falta de apoio das Forças Armadas e pela resistência institucional. As recentes investigações ressaltam paralelos com esses episódios históricos, onde fatores como desorganização e incompetência frequentemente resultaram em falhas. David Maciel, professor da Universidade Federal de Goiás (UFG), sugere que as evidências atuais revelam aspectos inéditos na tentativa golpista atual, destacando a singularidade do autogolpe — um fenômeno onde o próprio governo busca perpetuar-se ao desrespeitar a legalidade.
Maciel menciona o autogolpe mais famoso do Brasil: o Estado Novo proclamado por Getúlio Vargas em 1937. Vargas chegou ao poder pela Revolução de 1930 e foi eleito em 1934; três anos depois, ele rompeu com a ordem democrática para instaurar uma ditadura. Segundo Rodrigo Patto Sá Motta, coordenador do Laboratório de História do Tempo Presente da UFMG, as manifestações recentes evocam momentos da história brasileira marcados por intervenções militares e mobilizações populares com características semelhantes à Marcha sobre Roma, evento que levou os fascistas ao poder na Itália em 1922.
Sá Motta ressalta que mais importante do que traçar comparações históricas é reconhecer a gravidade dos eventos atuais e a necessidade urgente de responsabilização dos envolvidos. Ele observa que os militares têm buscado uma posição central na política brasileira por 135 anos, justificando isso com uma suposta superioridade técnica e profissional — uma narrativa que agora se mostra falha diante dos erros cometidos durante o governo Bolsonaro.
Historiadores destacam que diversas tentativas de golpe ocorreram ao longo da história do Brasil. Exemplos incluem o apoio da Ação Integralista Brasileira ao golpe do Estado Novo em 1937 e as conspirações contra João Goulart nos anos 1950. A Revolta de Aragarças em 1959 também exemplifica tentativas frustradas de derrubar governos democráticos. Tais episódios reforçam como as tentativas golpistas frequentemente falham devido à falta de adesão popular ou desorganização interna.
A complexidade em definir o que caracteriza um golpe é reconhecida por especialistas. Para David Maciel, apenas rupturas que mantêm as classes dominantes no poder são consideradas golpes; enquanto Sá Motta diferencia golpes como ações internas contra instituições estabelecidas e revoluções como movimentos externos motivados por descontentamento social.
Essas reflexões sobre os eventos recentes no Brasil não apenas sublinham os riscos à democracia nacional mas também convidam à reflexão sobre o papel das instituições e dos militares na política brasileira contemporânea.