Verticalização atrai moradores e comércio e dá nova vida a bairros industriais de SP

Com os novos prédios residenciais chegaram mercadinhos, pet shops e outros estabelecimentos comuns em áreas residenciais, diversificando o comércio nas ruas

  • Data: 26/08/2023 09:08
  • Alterado: 26/08/2023 09:08
  • Autor: Redação
  • Fonte: Clayton Castelani/FOLHAPRESS
Verticalização atrai moradores e comércio e dá nova vida a bairros industriais de SP

Crédito:Divulgação

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“Ganhei três horas a mais de vida por dia”, diz o líder de recursos humanos Lucas Benatti, 29, sobre a mudança ocorrida na rotina dele há dois anos, quando trocou a residência em São Miguel Paulista, no extremo leste da cidade de São Paulo, pelo apartamento novo no Brás, na região central.

Com isso, o tempo da viagem de trem até o trabalho, na Barra Funda, caiu de 1h30 para 10 minutos.

Quase em frente ao edifício onde vive Benatti, a moradora de um antigo conjunto habitacional relata satisfação com a chegada de mais vizinhos. “Melhorou, muito. Está mais seguro”, conta a funcionária pública Sandra Costa, 52. Ela reside no bairro há 17 anos.

Com os novos prédios residenciais chegaram mercadinhos, pet shops e outros estabelecimentos comuns em áreas residenciais, diversificando o comércio nas ruas ainda repletas de galpões, alguns ociosos.

Criticada por parte dos urbanistas e por moradores de alguns bairros da cidade, a verticalização é celebrada por habitantes de áreas que passaram por décadas de degradação durante a desindustrialização da cidade.

Assim como ocorre no Brás, o mercado imobiliário vem transformando antigos bairros industriais da orla ferroviária paulistana. Um processo acelerado pelo Plano Diretor de 2014 (que foi alterado este ano) e pela Lei de Zoneamento de 2016, atualmente em revisão, e que poderá ganhar força com projetos e operações urbanas que aguardam aprovação da Câmara Municipal.

“Se você observar os distritos centrais da cidade, no entorno da orla ferroviária, perceberá que é nesses locais que a transformação precisa ocorrer”, diz Eduardo Della Manna, assessor de assuntos legislativos e urbanismo do Secovi-SP, sindicato patronal que representa construtores e incorporadores paulistas.

No recorte do mapa da capital paulista mencionado por ele, de oeste a sudeste, estão distritos como Barra Funda, Bom Retiro, Brás, Mooca e Ipiranga, eixo que concentra o berço da industrialização paulistana.

Apesar do efeito revitalizador, especialistas em urbanismo destacam que essa transformação repete problemas que atingem outros cantos da cidade, como ausência de habitação para a baixa renda, apagamento do patrimônio histórico e descuido com o meio ambiente.

Zoneamento e projetos urbanísticos propostos pelo Plano Diretor têm um mecanismo comum: a permissão para que a área construída dos edifícios seja algumas vezes superior ao tamanho do terreno. Além disso, há redução da taxa cobrada pela prefeitura para se edificar na cidade, a outorga onerosa.

Autora de um estudo sobre a transformação da orla ferroviária paulistana, a professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP Regina Prosperi Meyer questiona a liberação de potencial construtivo ao mercado imobiliário em áreas que, segundo ela, poderiam ser reocupadas por uma combinação equilibrada de áreas verdes e moradias.

“No trecho mais próximo à ferrovia poderia ter um espaço verde enorme que iria beneficiar a Barra Funda, a Água Branca, o Brás e a Mooca”, diz Meyer.

Sem desconsiderar que a cidade deveria ter mais áreas verdes, o coordenador da FGV Cidades, Ciro Biderman, aponta a transformação nos eixos das ferrovias como benéfica e, além disso, mais exequível do que a de áreas onde há resistência de moradores.

“As áreas centrais das grandes cidades precisam de verticalização para frear o seu espalhamento, mas muitos moradores [de bairros residenciais consolidados] não querem mais prédios no seu quintal. É muito mais fácil [o adensamento da orla ferroviária] porque não é preciso enfrentar essa reação”, diz.

“Se você olhar para a Barra Funda, é um lugar central com uma ociosidade sem o menor sentido. No Brás, [a verticalização para moradias] é maravilhosa porque é um lugar que passou a ter uma concentração extrema de comércios com o fim da industrialização e, sem moradores, o bairro morre à noite”, afirma o pesquisador.

Símbolo da classe operária paulistana, a Mooca ganhou em média 710 novas unidades habitacionais por ano desde 2017, ano seguinte à aprovação da atual lei de zoneamento. De 2014 a 2016, a média anual de lançamentos residenciais no bairro era de 140 unidades, segundo dados do Secovi-SP.

Além de próximo a eixos de transporte onde há incentivos à produção imobiliária, o bairro está no perímetro da futura Operação Urbana Consorciada Bairros do Tamanduateí.

Laudelino Roberto Schweigert, urbanista e professor da Universidade Anhembi Morumbi, cujo campus localizado no bairro ocupa um prédio industrial desativado, diz que há um risco de novos edifícios padronizados banalizarem o bairro histórico.

“As construções registram a história da população, como se fosse a biografia da cidade”, comenta.

Professora de arquitetura e urbanismo da Universidade São Judas, também na Mooca, Eneida de Almeida viu de perto as transformações no território onde trabalha há 32 anos.

Ela ressalta que os novos usos “têm papel de renovar a dinâmica e dar qualidade ao tecido urbano”, mas também é crítica a legislação urbanística centrada no estímulo a uma produção imobiliária, muitas vezes, desconectada com a necessidade de enfrentamento do déficit habitacional, composto principalmente por famílias pobres.

“As transformações ocorrem de modo acelerado e nem sempre de forma seletiva, obedecendo interesses predominantemente imobiliários”, diz Almeida.

Se por um lado especialistas questionam os estímulos ao mercado, por outro, representantes do setor cobram mais incentivos. No caso específico da Mooca, Della Manna, do Secovi-SP, diz que a operação Bairros do Tamanduateí erra ao propor permissão para que se construa apenas duas vezes a área do terreno.

Ele reclama que o coeficiente de aproveitamento deveria ser maior para, desta forma, despertar o interesse do mercado para esses terrenos.

A SP Urbanismo, braço responsável por projetos urbanos da gestão do prefeito Ricardo Nunes (MDB), respondeu que o coeficiente de aproveitamento mais baixo, mencionado por Della Manna, está restrito a áreas de várzea e junto à ferrovia, onde também tem a finalidade de preservação da paisagem. Em outros trechos da operação o aproveitamento será de quatro vezes a área do terreno ou maior.

Ainda sobre a operação urbana no entorno do rio Tamanduateí, a prefeitura diz que o propósito é equilibrar a oferta de empregos e de moradias.

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  • Data: 26/08/2023 09:08
  • Alterado:26/08/2023 09:08
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  • Fonte: Clayton Castelani/FOLHAPRESS









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