Tensões em Israel à Beira de um Cessar-Fogo na Faixa de Gaza
Cessar-fogo na Gaza provoca crise política em Israel: Netanyahu enfrenta pressão da extrema direita e protestos populares intensificam divisão interna.
- Data: 14/01/2025 21:01
- Alterado: 14/01/2025 21:01
- Autor: redação
- Fonte: Folhapress
Crédito:Reprodução
O recente acordo para um cessar-fogo na Faixa de Gaza, que está em fase de finalização no Qatar, gerou reações intensas entre os membros da extrema direita que sustentam o governo do primeiro-ministro Binyamin Netanyahu em Israel. O ministro Itamar Ben-Gvir, figura proeminente do grupo e responsável pela Segurança Nacional, expressou sua insatisfação ao ameaçar renunciar, instando também seu colega Bezalel Smotrich, ministro das Finanças, a fazer o mesmo.
Ambos fazem parte do gabinete de segurança, órgão que deverá aprovar o plano em questão após pressões do novo governo dos Estados Unidos, que terá Donald Trump de volta à Casa Branca na próxima segunda-feira (20). O colegiado é composto por 11 membros, o que favorece a aprovação do acordo, sendo que apenas Ben-Gvir havia se oposto ao entendimento firmado anteriormente com o Hezbollah libanês. Em declarações recentes, Smotrich classificou o arranjo atual como “um desastre para a segurança nacional”.
O plano atualmente discutido inclui a troca inicial de 33 dos 98 reféns ainda detidos desde o ataque do Hamas em 7 de outubro, com uma meta final de liberar mil dos 11 mil palestinos encarcerados em Israel. Estima-se que aproximadamente 60 desses reféns estejam vivos. O Hamas capturou 255 indivíduos durante seu ataque inicial.
Adicionalmente, prevê-se uma retirada gradual das forças israelenses para as fronteiras da Faixa de Gaza e a possibilidade de retorno dos moradores à região norte do território. O cessar-fogo está projetado para durar 42 dias, com a segunda fase da troca de prisioneiros prevista para ocorrer duas semanas após seu início.
Informações da agência Associated Press indicam que o Hamas já concordou com os termos propostos. Contudo, após mais de sete horas de negociações em Doha, representantes do grupo afirmaram que Israel ainda não havia detalhado sua estratégia para a retirada das tropas, o que poderia ter causado um impasse temporário nas conversas.
Após 12 horas de discussões, houve uma intervenção conjunta do presidente Biden e do presidente egípcio Abdul Fattah al-Sisi via videoconferência. Autoridades israelenses relataram avanços nas tratativas, embora reconheçam a complexidade da situação. A chancelaria do Qatar declarou que o acordo está “mais próximo do que nunca”, ecoando afirmações feitas por Biden e Trump.
No cenário interno, milhares de israelenses saíram às ruas para protestar. Em Tel Aviv, cidade símbolo da secularização no país, manifestantes clamavam pelo fim da guerra. Em Jerusalém, capital disputada e centro religioso da nação, as manifestações eram majoritariamente contrárias ao cessar-fogo.
A resistência à proposta foi interpretada como um teste crucial para Netanyahu justificar a inviabilidade do acordo. O premiê busca convencer seu eleitorado mais conservador de que essa solução era inevitável desde que Trump designou o empresário judeu Steve Witkoff como negociador no Oriente Médio.
Em uma manobra surpreendente, a equipe de Biden permitiu que Witkoff participasse das etapas finais das negociações. Sua presença foi decisiva para forçar Netanyahu a aceitar termos anteriormente considerados inaceitáveis, como a retirada das tropas israelenses de todo o território da Gaza.
A estrutura desse acordo foi definida em uma conversa entre Netanyahu e o enviado de Trump no último sábado (11), durante um período tradicionalmente reservado ao descanso semanal judaico. Witkoff partiu rapidamente para Doha e, na madrugada de segunda-feira, os contornos do arranjo começaram a se delinear claramente.
Bandeiras com dizeres como “Acordo = Rendição” são visíveis em bairros ortodoxos em Jerusalém; tal oposição pode deixar Netanyahu numa posição politicamente vulnerável até as eleições previstas para o ano seguinte.
Parece que Netanyahu optou pelo acordo mesmo diante da resistência de seus aliados mais radicais. No gabinete de segurança há espaço para contornar a ultradireita; no entanto, a dinâmica no Parlamento é mais complicada. O governo conta com 68 dos 120 deputados; entre eles, apenas 32 pertencem ao partido Likud de Netanyahu.
A tentativa do premiê é navegar por esse cenário enquanto observa as mudanças na opinião pública israelense após mais de um ano de guerra iniciada pelo ataque do Hamas em outubro passado. A quase total destruição operacional do Hamas e as ações contra o Hezbollah resultaram em um aumento das intenções de voto ao Likud, alcançando quase 30% se uma eleição fosse realizada neste momento – com expectativa das próximas eleições agendadas para 2026 caso seu governo permaneça estável até lá.
Todavia, esse cenário não garante triunfo algum. Netanyahu dirige um país dividido profundamente antes do início da guerra, onde protestos semanais questionam suas medidas autoritárias e sua permanência no cargo devido ao julgamento por corrupção em andamento. A lentidão nas negociações com o Hamas é vista como uma estratégia para manter seu poder e tem gerado considerável desgaste político.
Por outro lado, a ambição do premiê em ser lembrado como aquele que proporcionou uma solução definitiva nas relações com os vizinhos é clara; porém agora sua base exige mais ações concretas. Ben-Gvir já sinalizou sua intenção de reocupar áreas habitáveis da Gaza com assentamentos judaicos – algo não contemplado no acordo atual.
Esse desejo se soma à pressão sobre a Autoridade Nacional Palestina na Cisjordânia e ao impulso renovado para expandir territórios na Síria após a queda do regime de Bashar al-Assad – ações que podem assegurar temporariamente o apoio dos defensores do conceito “Grande Israel”.