Spam eleitoral sobrevive mesmo com operação judicial do WhatsApp contra disparos em massa

Big tech mobilizou grandes escritórios para interditar serviços de disparos em massa antes das eleições

  • Data: 27/10/2024 09:10
  • Alterado: 27/10/2024 09:10
  • Autor: Redação
  • Fonte: Pedro S. Teixeira/Folhapress
Spam eleitoral sobrevive mesmo com operação judicial do WhatsApp contra disparos em massa

Crédito:Marcello Casal Jr./Agência Brasil

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O WhatsApp realizou uma operação judicial com ao menos oito ações contra 12 empresas para tirar do ar softwares que permitiam disparo em massa. Ainda assim, a disseminação de spam eleitoral com ataques a candidatos ainda esteve presente nas eleições deste ano.

A plataforma de monitoramento Palver mostra, nos últimos três meses, 13.180 mensagens classificadas como spam no aplicativo, citando postulantes a prefeituras que disputam o segundo turno em 15 capitais brasileiras.

Os dados indicam que as campanhas encontraram alternativas às mais conhecidas ferramentas de automação no WhatsApp. Relatos de marqueteiros, sob condição de anonimato, confirmam o cenário.

A plataforma Palver classifica como movimento coordenado qualquer mensagem que tenha possibilidade de ser inautêntica. É o caso de várias mensagens disparadas pelo mesmo usuário em um curto espaço de tempo, conteúdos repetidos por várias contas ou de uma pessoa que só envia links, diz o fundador da Palver Luis Fakhouri.

A Palver extrai dados de 75 mil grupos públicos, cujos links de acesso foram encontrados na internet.

“Existiram movimentos coordenados, mas não dá para saber se a frequência se reduziu ou não, porque em 2020 não fazíamos esse levantamento”, afirma Fakhouri.

O WhatsApp afirma que mantém “um sistema de integridade que é constantemente aperfeiçoado e bane automaticamente cerca de 8 milhões de contas por mês em todo mundo por comportamento não autêntico no aplicativo, sendo que 75% dessas contas são banidas antes mesmo de uma denúncia de usuário.”

Os advogados da big tech, do escritório Mattos Filho, se recusaram a comentar.

A prática, intermediada por softwares integrados ao aplicativo, ficou conhecida como “disparo em massa”. Em 2018, a Folha revelou o uso da tecnologia por empresários para impulsionar mensagens contra o PT –depois, investigações apontaram amplo uso dessas ferramentas em um fogo cruzado entre os partidos. O WhatsApp também adotou o termo em proibição descrita em seus termos de uso.

Na definição empregada pelos advogados do Mattos Filho, nos autos dos processos, o disparo em massa consiste no envio de um mesmo conteúdo, ou variações dele, para uma grande quantidade de usuários do aplicativo sem a autorização prévia dos destinatários.

A autorização expressa do usuário é uma diferença fundamental dos serviços das agências de marketing digital processadas para os serviços comerciais do WhatsApp, como a interface de automação do WhatsApp Business, segundo a tese da big tech. “Essa ferramenta exige permissão prévia do usuário para recebimento de mensagens da empresa”, escrevem os advogados em petição juntada ao processo.

Advogados das empresas rés repetiram os argumentos de que os desenvolvedores de aplicações integradas ao WhatsApp não teriam controle sobre o uso do software de automação, da mesma forma que o WhatsApp diz, em audiências públicas, ser incapaz de moderar todas as mensagens.

O advogado José Diniz, que representou a Yacows, conhecida pelos disparos na campanha de 2018, e os cinco CNPJs ligados à marca, apelou ao Superior Tribunal de Justiça para tentar anular a sentença, em função da indenização fixada em R$ 20 mil para cada empresa, totalizando R$ 100 mil, na medida em que o WhatsApp havia pedido apenas R$ 50 mil de indenização. A apelação, entretanto, foi negada.

Diniz diz que a Meta vende serviços que permitem o envio de até 100 mil mensagens simultaneamente.

“A linha tênue entre a livre concorrência e a concorrência desleal parece o tema presente no caso concreto”, diz o advogado.

As decisões finais ocorreram neste ano, em alguns casos, a dias do início do período eleitoral, em agosto.

O diretor-executivo do ITS-Rio (Instituto Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro) Fabro Steibel diz, porém, que muitos dos aplicativos que faziam disparo em massa utilizavam técnicas para quebrar as barreiras de segurança impostas pelo WhatsApp, em um processo chamado de engenharia reversa.

“Vamos imaginar que exista uma trava para enviar mais de mil mensagens sem pedir autorização; com engenharia reversa, eu tiro essa trava”, exemplifica Steibel.

O WhatsApp solicitou que os réus se abstivessem de “desenvolver, distribuir, promover, operar, vender e ofertar softwares ou serviços de mensagens em massa pelo WhatsApp” e deixassem de “usar todas as marcas e símbolos associados ao aplicativo”.

A empresa citou, além da violação aos termos do uso ao promover disparos em massa (uma prática explicitamente vetada no contrato) e de violação das regras eleitorais, uso indevido da marca do app em conteúdos publicitários e violação da Lei de Software, uma vez que seria prerrogativa da big tech explorar a tecnologia.

Todos os pedidos do WhatsApp foram aceitos em primeira e segunda instâncias, além de mantidos nos casos em que os processos foram aos tribunais superiores. Algumas das empresas ainda pedem revisão dos valores de indenização fixados pelas 1ª e 2ª Vara empresariais de São Paulo, onde os casos foram julgados.

O único ponto não acatado em parte dos processos foi a vedação ao desenvolvimento de novas tecnologias integradas ao WhatsApp, por questões de direito autoral no desenvolvimento do programa.

Após as decisões favoráveis ao aplicativo de mensagens na Justiça, funcionários de agências de marketing político relataram, sob condição de anonimato, que ficou mais difícil encontrar aplicativos de terceiros para manter o envio automatizado de mensagens. Segundo eles, as funções do WhatsApp não furam a bolha e chegam a pessoas desconhecidas pela equipe do candidato.

Contudo, ainda haveria agências que ofereceriam serviços de dissparo em massa, usando aplicativos de empresas no exterior, métodos de automação mais rudimentares numa prática chamada de “queima de chip” e disparo manual. A característica de ataques velados a adversários de campanha por meio das mensagens no WhatsApp também se mantém.

Ainda assim, as alternativas apresentam limitações. A “queima de chip” tem capacidade mais precária de engenharia reversa e é detectada com frequência pelos algoritmos de moderação –o nome faz referência aos bloqueios impostos pela big tech.

“Embora não tenha acesso aos dados da conversa, que passam por criptografia de ponta a ponta, o WhatsApp consegue saber de qual IP saíram, qual a quantidade e velocidade –tudo isso permite que o aplicativo identifique comportamentos suspeitos–”, diz o diretor-executivo do ITS-Rio.

O disparo manual, por outro lado, ganha eficiência na engenharia reversa, mas custa mais dinheiro. Exige contratação de mão de obra intensiva e tem um efeito limitado em comparação à tecnologia de automação.

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  • Data: 27/10/2024 09:10
  • Alterado:27/10/2024 09:10
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  • Fonte: Pedro S. Teixeira/Folhapress









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