Sepultura entrega performance memorável em show adiado pela pandemia

Quadra demorou dois anos para ser tocado ao vivo, mas sua estreia em São Paulo fez valer a espera

  • Data: 27/02/2022 16:02
  • Alterado: 27/02/2022 16:02
  • Autor: Rodilei Morais
  • Fonte: Agência ISO/ABCdoABC
Sepultura entrega performance memorável em show adiado pela pandemia

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A banda Sepultura realizou no último domingo, 20 de fevereiro, o show de estreia de seu álbum Quadra na Audio, zona oeste de São Paulo. A apresentação ao público do décimo-quinto disco de estúdio do quarteto havia sido adiada por quase dois anos por conta das restrições decorrentes da pandemia de COVID-19.

Um público ávido por metal ao vivo se dirigiu à casa de shows na Barra Funda para ver um lançamento há muito aguardado. Quadra foi bem recebido tanto pela crítica nacional quanto internacional, mas isso quando os primeiros lockdowns não haviam nem sido decretados no Brasil. Finalmente o guitarrista e líder do grupo Andreas Kisser, o veterano baixista Paulo Xisto, o vocalista Derrick Green e o baterista Eloy Casagrande puderam apresentá-lo. E não era somente o público que estava ansioso por este momento: o próprio Kisser mencionou o quanto estas performances eram aguardadas pela banda.

O álbum já fora executado ao vivo uma semana antes, no icônico palco carioca do Circo Voador, passando ainda por Vitória antes de desembarcar na capital paulista. Contudo, o destino reservou uma data interessante para esta apresentação do Sepultura na Pauliceia Desvairada. Não apenas o domingo marcava o aniversário de 26 anos de Roots, mas o dia se encontrava no final de semana posterior ao centenário de um momento histórico na cultura brasileira, um momento que muito dialoga com a obra do quarteto. A Semana de Arte Moderna de 1922 fincou as raízes do movimento modernista brasileiro e, de 13 a 17 de fevereiro daquele ano, escritores, artistas plásticos, pintores e músicos levaram ao Teatro Municipal de São Paulo uma arte que buscava uma identidade nacional ao mesmo tempo em que assimilava e se apropriava do que vinha de fora.

É impossível não associar o que fizeram Mario e Oswald de Andrade, Anita Malfatti, Victor Brecheret ao que Sepultura fez. Engolir um gênero de origens europeias e devolvê-lo ao mundo incorporando suas raízes nacionais é uma frase que cabe tanto ao descrever o Abaporu quanto o álbum de 1996 do quarteto. Relembrar este histórico no momento em que a banda pisou em um palco em São Paulo pela primeira vez desde 2019 e notar esta interessante coincidência de datas torna este show ainda mais especial.

Mas ainda não valeria a pena se estender desta forma sobre o passado se Quadra não conversasse tanto com ele. O trabalho de 2020 é um álbum conceitual que gira em torno do número 4 e são quatro os álbuns clássicos a que todos comparam qualquer novo lançamento do Sepultura: Beneath the Remains, Arise, Chaos A.D. e Roots. As doze músicas de Quadra são dividas em quatro blocos de três e foi o primeiro destes, o que mais remete ao thrash metal mais marcante do início da carreira do grupo, que dominou o início da apresentação de domingo. Isolation abriu o show com força total e logo foi seguida de Capital Enslavement, Means To An End e Last Time. A única “intrusa” nesta fase foi Territory, para a alegria dos fãs mais saudosos. E não foi neste mesmo álbum quando o Sepultura voltou os olhos para seu próprio território, e escreveu canções sobre o massacre do Carandiru, dialogando com a crítica ao encarceramento em massa também presente em Isolation? Além desta, outras letras do disco (todas assinadas pelo vocalista Derrick Green) demonstram uma grande atenção às questões políticas do presente, especialmente no Brasil e nos Estados Unidos.

Derrick, por sinal, se sente em casa no palco. O estadunidense havia sofrido um acidente nas semanas que antecederam o show, mas mesmo isso não o impediu de apresentar-se de forma enérgica nas três noites da turnê em solo brasileiro. A perna mecânica utilizada foi mero detalhe, pois Green entregou uma performance notável, com seus seus gritos de alta técnica e arriscando vez ou outra o português nativo da banda que o adotou. Mas se Derrick já está no grupo há mais de duas décadas o que dizer do membro caçula do quarteto, o baterista Eloy Casagrande? Completando 11 anos de Sepultura, Eloy está se aprimorando cada vez mais. Se desde a turnê de Kairos ele já surpreendia, o que o percussionista entrega por trás de seu enorme kit de pratos e tons é avassalador. Uma avalanche sonora de notas executadas com precisão cirúrgica se faz presente em faixas como a instrumental The Pentagram, Sworn Oath, Phantom Self, ou Machine Messiah.

Este último trio citado é todo de faixas do álbum de 2017, que leva o nome da última. Machine Messiah pode ter recebido críticas divididas mas, após meia década nos ouvidos do público, ele parece ter amadurecido bem: todas suas faixas foram cantadas a plenos pulmões pela plateia e a banda mostrou uma performance inspirada. As influências do metal progressivo presentes no disco também se fazem valer em um dos blocos do Quadra, mais evidentemente em Guardians of Earth. Um dos singles mais recentes do grupo, a canção foi aberta com o impressionante dedilhado no violão feito por Kisser sob luzes verdes, indicando sua temática ambientalista: na letra, Derrick denuncia a destruição do bioma amazônico e milita pela causa indígena. Vê-se aí outra convergência com o passado: o olhar para o povo que colaborou com o paradigmático Roots.

As novidades dominaram o setlist, como era de se esperar, mas mesmo os fãs de longa data puderam se surpreender com raridades que surgiram ao longo do show: Infected Voice não fazia parte de um show desde 2011, enquanto já Convicted in Life não aparecia há cinco anos. O maior resgate, porém, foi de Slaves of Pain: a faixa do álbum Beneath the Remains (1989) não era tocada ao vivo desde 1993. Kisser ressaltou o legado da banda e seus clássicos, dizendo que muitos ali não haviam nem nascido quando alguns destes sucessos foram compostos.

O final do setlist prinicipal retomou alguns temas mais habituais nos shows. Refuse/Resist e Arise embalaram muito bate-cabeça na pista até a banda deixar o palco ovacionada. Para o aniversariante Roots, restou o bis. Ratamahatta e Roots Bloody Roots, as mais lembradas e que mais sintetizam o conceito por trás da obra em que residem, foram as escolhidas para fechar o show. O Sepultura segue agora para a seção norte-americana da turnê de Quadra e ainda vai passar por boa parte da Europa antes da próxima data já marcada no Brasil. O fato é que, se todos estes gringos pudessem, como diz a canção, watch us freak ao som do quarteto em sua terra natal, veriam que nenhum show da banda se compara a um no Brasil.

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  • Data: 27/02/2022 04:02
  • Alterado:27/02/2022 16:02
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