Semana 8/1: Crônicas de Um Brasileiro
A segunda de uma série de duas crônicas sob dois pontos de vista acerca dos ataques do dia 8/1
- Data: 13/01/2024 08:01
- Alterado: 13/01/2024 08:01
- Autor: João Pedro Mello
- Fonte: ABCdoABC
8 de janeiro
Crédito:Marcelo Camargo/Agência Brasil
Naquele domingo atípico do dia 8 de janeiro de 2023, o brasileiro médio acordava tarde como de costume para os períodos de recesso pós festividades e ressaca eleitoral. Havia boatos aos montes pelos grupelhos de “zap-zap” da vida alheia, que se misturavam com algo sobre ordem e progresso. Estava tudo estranho, e insistentemente algo pairava no ar, todavia, ninguém fazia ideia do que se tratava ao certo. Havia uma desconfiança temerosa que suspirava no ranger de dentes em sentimentos, que não caminhavam, pelo contrário, marchavam e vestiam coturnos travestidos de sapatos, que mais tarde virariam uma espécie de “medalha” (pelos “serviços prestados”), com luzinhas piscante nos tornozelos, e da maneira mais atabalhoada possível, às avessas. Com o peito inflado e uma bandeira em riste, se vestiam de ódio misturado com verde e amarelo, e no âmago, havia manchado uma clara infiltração de mágoas das mais distorcidas, algumas legítimas, porém, se contrapunham a toda fala que se podia chamar de “patriota”.
Após uma disputa acirrada, em meio a toda a sorte de truques nas estradas, houve tentativas de parar os votantes do candidato petista, fakes news rolavam soltas por aí, mas desta vez não apenas nos grupos de família, agora elas estavam por toda a parte, inclusive em veículos de credibilidade e prestígio (questionável), tais como a gigante Jovem Pan. Portanto, a semana que abriu o ano, soava como um alívio para meia parcela de um Brasil que sorria aos novos horizontes que iniciavam 2023.
Para o mais que perceptível abismo existente no mundo (ou multiverso), paralelo em que “o patriota” parece navegar, existe um universo, além das incontáveis conspirações, seja por conta de uma vacina (chinesa ou com chip) em que o “governo” colocou veneno para eliminar a população, ou mesmo, constrangimentos que como um termômetro de calor com intuito de roubar o DNA da população. Mas o que não sabíamos, as patifarias do ultraconservadorismo ainda iriam muito além do que a nossa vã filosofia poderia esperar.
Para o trabalhador brasileiro que levantou na tarde naquele dia 8, ligar o televisor e ser pego de surpresa, foi um baque quase esperado, mas de maneira nenhuma pouco sentido. Havia uma quantidade incalculável de televisores ligados ao mesmo tempo, em sua maioria por “osmose”, seja porque antigamente era o que se fazia, seja para simplesmente deixar no mudo. Um hábito que foi se perdendo junto ao desaparecimento dos programas de auditório, vislumbrando todo o tipo de bizarrice que prendia a audiência da época. Mas, até crianças e adolescentes vividas nos anos 80 e 90, não estariam preparadas para tamanha desfaçatez vista naquela tarde. Nem mesmo a “melhor” grade televisiva nos podia defender do soco na boca do estomago, ou melhor no coração do país, tudo transmitido por aquela caixa mágica de puro suco de entretenimento amargo.
No dia 8 de janeiro de 2023, todos os veículos de televisão deram seu jeito de noticiar (o que até então), se tratava de uma “manifestação” já programada, que “aparentemente” saiu do controle. Mas, no bom português, era o mesmo que dizer “ato terrorista”. Assistir aquela barbárie enquanto comia o tal do churrasco de picanha cara (e mal passada), prometida pelo governo Lula, engolia de maneira seca o que restou no prato daquela tarde cinza.
Bolsopetismo e o Multiverso da Loucura
Muita embora um seja o nêmesis do outro, e em alguns aspectos, a direita é constrangedoramente semelhante ao seu maior rival (da vez), o chamado progressismo dá ao bolsonarismo, todas as armas necessárias (não foi uma piada, e nem precisaria…), ou seja, elementos para que ela se autoincrimine. É triste e cafona, tal como a esquerda que também caminha de olhos baixos em seu teto de vidro, esquecendo suas infinitas hipérboles quando se propõe a definir seus opositores. Enquanto isso, o progressista, é piada recorrente com suas defesas, (por vezes exageradas, mesmo que em outras absolutamente corretas), ao defender pontos e discussões, como termos tão inóculos feito o “Tomara que Caia”, que se diz objetificar a mulher por conta da nomenclatura ou por ter sido pensado por um homem, portanto, deveria ser alterado em prol da pauta da equiparação de gênero (alguns dizem). Até mesmo quando confunde o debate, ao não querer se indispor nem com um lado (ciência), ou com o outro (minoria), sobre o assunto “obesidade” (saúde) x “autoaceitação” (body positive).
Ambos são terrenos espinhosos, e que a esquerda costuma se esquivar e causando confusão em sua militância, quando na verdade esse tipo de discussão sempre serviu de lenha para as labaredas da direita, igualmente cafona. Entretanto, seu campo de constrangimento é outro, fica do lado religioso da casta. E aqui, não foram poucas as ocasiões que vemos a hipocrisia solta, de rachar o olho no espelho fino, que se reflete em figuras que se dizem “crentes” (em sua maioria), pegos em casos de infidelidade, estupro, agressão (na Lei Maria da Penha), ou mesmo usando o nome Deus em vão para angariar mais e mais fiéis para as urnas.
Existe um ponto em comum aqui, no tanto de tempo que ambos perdem, seja na dificuldade de admitir que seus líderes “bastiões da perfeição” (sem erros ou crimes), quando na realidade não apenas falham, como erram muito feio, o tempo todo.
Em meio a tanto hábitos perdidos em rusgas e discussões que se “grenalizavam”, sempre houve um porto seguro que ia além do poder de dividir famílias, entretanto, nada resistiam ao tradicional almoço de domingo em família. Infortunadamente, com o passar dos tempos, o que costumava ser preservado como algo ainda ilibado, quase santificado, perdeu todo o sacro condão, foi se esvaindo feito hóstia dissolvida na boca de menino pecador. Eventos como este, caíram em desgraça desde as últimas eleições de 2018, quando, encontros antes doces, se tornaram tarefas hercúleas, cada vez mais difíceis de se digerir. Tios, tias, pais, primos, pais e avós, opinando sobre aborto e racismo, e emitiam juízo de valor sobre temas tão delicados de maneira rasa, falando sobre intervenção militar, se baseando em informações tirados de fontes qualquer. Assim famílias eram devastadas por conta de um ódio gratuito, e por vezes guardado por anos em armários com teias de aranhas, junto com esqueletos secretos que se misturavam a rusgas antigas.
É importante que se diga, os atos do dia 8 de janeiro passam pelos mesmos sujeitos da mesa do almoço em família. Os tais “patriotas”, são estes, que curiosamente, falam tanto em Deus, pátria e família (tradicional brasileira), os mesmos que quando se descobrem histórias extraconjugais, e fica-se exposto que existe uma família em cada cidade, (de tanto que gostam de família). Isso que é gostar de família, hein? A bem da verdade, é muito triste perceber e associar termos como “terrorismo” a pessoas tão próximas, mas a verdade é a mesma se quaisquer pessoas que conhecemos ao cometer um ato ilícito. Portanto, errado está o sujeito que fez o que fez, e não em que utiliza uma mera palavra, que inclusive, está correta. Deve-se ter cuidado com este tipo de movimento, de “inconformados” — só a utilização do termo “inconformado”, com o resultado do pleito eleitoral —, já mais do que evidencia em todas as letras, um teor antidemocrático e golpista por si só. Trata-se de uma semelhante tristeza que abateu os eleitores da esquerda em 18, quando um sentimento de abatimento os acometeu, foi assim com os correligionários da direita em 23, quando tudo explodiu de vez na cabeça do dito “patriota”, foi justamente quando ele não suportou a derrota, e resolveu agir.
Dona Sônia e o Divino Preço Pela Democracia
Lembro de escutar a fala de uma velha professora, ela possuía expressões severas e um olhar magnético, era mestre do ensino fundamental e costumava ter um clássico bordão entre os alunos que eu jamais irei me esquecer: “o povo é massa e a massa engorda”. Assim, estava a carne daquele churrasco, massudo por fora, mas por dentro sem sabor ou conteúdo algum. Desta forma, eu tentava morder aquilo feito goma de mascar. Então, pensativo por alguns minutos que mais pareciam anos, refletia sobre o que a dona Sônia queria ter dito com aquela sentença. Talvez ela se referisse sobre “necessidades”, mas imagino que a profundidade do contexto era imensamente maior que até se sobrepunha ao que ela mesma poderia imaginar.
Uma população sem comer, que se isola e vive em desunião, não poderá subsistir — ou seja, quando o povo é privado de seus principais “alimentos”, sejam do campo social ou de nutrientes, não terá como prosperar ou “engordar” em seus sentimentos. O povo que não recebe informação (correta), carece de alimento, e ainda pior, recebe comida “envenenada”, diariamente, seja pela televisão ou rádio, e pode sim ser capaz de qualquer coisa pelos seus ideais.
Por décadas escutei termos como “massa de manobra”, por mando de lideranças, e isso realmente existe, entretanto, foi por meio de uma professora que essa reflexão passou a ser muito mais profunda. O poder da informação e a responsabilidade de quem comunica é tremenda, também por isso. Então sentado sozinho, enquanto os restos daquele arroz e pedaços magros de carnes esfriavam, eu pensava: “Será mesmo que toda aquela gente sabe o que está fazendo na praça dos Três Poderes”? Todos aqueles sujeitos, demolindo os alicerces petrificados na fundação que a democracia tanto sangrou para construir, estava ali, vista de joelhos, a mesma pátria que estes tipos diziam tanto zelar. Mas que pátria essa gente diz guardar? Neste dia, enquanto uma senhora de verde-amarelo (após ser identificada pela Polícia Federal como criminosa), foi fichada, na imagem aparece com as calças arriadas, defecava por cima de mesas de autoridades, em obras de altíssimo valor de patrimônio histórico-cultural, (que tiveram de passar por um processo de restauração por conta do prejuízo estimado em milhões de reais) então isso me fez pensar, meus Deus, aonde foi que nós chegamos?
Isso tudo por não aceitar o resultado democrático das mesmas urnas eletrônicas que elegeram por décadas Jair Bolsonaro (PL), e toda a sua família? E assim, aquelas pessoas que mais pareciam coturnos cansados (indiretamente mandadas por gente no ar-condicionado), depois foram presas e humilhadas, e um ano após tudo viveram toda essa lição, ainda estão certas de que fizeram foi para o “bem” do país. Hoje, revendo tudo que aconteceu, me recordo daquele dia em frente da televisão e lembrando, me parece um universo realmente muito esquisito se visto, assim de longe. Naquele oito, olhava para todas aquelas imagens que mais parecem botas apertadas e desconfortáveis baratas, mas que hoje só deram lugares, a tornozeleiras eletrônicas (com as cores da bandeira usando com orgulho, sim uma tornozeleira e personalizada). Que tipo de mensagem se quer passar com isso, e tudo isso porque diabos foi toda essa destruição de um símbolo da capital do país que eles chamam de patriotismo?
Eu sinceramente não sei em que multiverso divino-mágico essa gente pensa habitar. Essa tal crença religiosa desvairada, de patriotismo cego, onde em pessoas dizem acreditar no mesmo Deus que eu, e na mesma democracia patriótica que eu, é assustadora. Então, me pergunto, quanto custa o arrependimento desse povo, ou se algum deles se desculparia pelo que fez, se rezam buscando algum tipo redenção em algum confessionário da igreja por seus próprios atos?
É nesse momento que meus pensamentos navegam pela frase do presidente Luís Inácio Lula da Silva (PT), que durante a semana do ato simbólico de aniversário de um ano dos ataques terroristas em Brasília do 8/1, afirmou: “Não há perdão para quem atenta contra a democracia”.