Saúde mental de trabalhadores vira preocupação e governo cria selo para empresas
Nova lei prevê 'Certificado de Empresa Promotora de Saúde Mental', mas nomeação de comissão está parada
- Data: 04/11/2024 10:11
- Alterado: 04/11/2024 10:11
- Autor: Redação
- Fonte: Júlia Galvão e Cristiane Gercina/Folhapress
Crédito:Divulgação/Freepik
A saúde mental de profissionais se tornou um dos temas centrais das discussões sobre bem-estar no trabalho, fazendo com que as preocupações de empresas e governo, antes concentradas nos riscos físicos, se voltem para o tema.
Dados da Previdência Social mostram que os afastamentos por transtornos mentais cresceram 38% entre 2022 e 2023. No ano passado, foram concedidos pelo INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) 288,9 mil benefícios por incapacidade envolvendo questões psíquicas foram concedidos pelo INSS (Instituto Nacional do Seguro Social). Em 2022, o total ficou em 209,1 mil.
A alta acende um alerta. Levantamento da empresa Mercer Marsh Benefícios, que gerencia riscos no trabalho e administra benefícios, destaca o burnout como preocupação crescente. O estudo ouviu 208 empresas de 29 setores.
Entre os gatilhos centrais para o desenvolvimento da síndrome encontram-se o excesso de demandas, os conflitos com lideranças e a falta de autonomia do profissional em relação à sua rotina.
Em novembro de 2023, o Ministério da Saúde atualizou a lista de doenças ocupacionais, com a inclusão de transtornos como burnout, depressão e até uso de drogas no rol de afastamentos.
Em março deste ano, o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) sancionou a lei 14.831, que cria o Certificado Empresa Promotora da Saúde Mental. O programa, no entanto, está parado, sem a nomeação da comissão que determinará as regras e poderá conceder a certificação.
Procurado, o Ministério da Saúde informou que “as articulações interministeriais são coordenadas pela Casa Civil”. Já a Casa Civil disse que a responsabilidade de indicar os membros da comissão compete aos ministros. Assinam a lei Nísia Trindade, da Saúde, e o ex-ministro de Direitos Humanos Silvio de Almeida, que deixou o cargo após denúncias de assédio sexual.
Helder Valério, superintendente de gestão de saúde da Mercer Marsh Benefícios, afirma que, apesar dos avanços, as empresas ainda precisam percorrer um longo caminho para a promoção da saúde mental.
“Descobrimos alguns avanços importantes, mas as empresas têm uma longa jornada pela frente. A partir de 2025, por exemplo, o burnout será oficialmente reconhecido como doença ocupacional no Brasil e isso vai impactar no FAP (Fator Acidentário de Prevenção) das empregadoras”, afirma.
Ana Carolina Rangel, especialista em felicidade corporativa, avalia que, apesar de não ser obrigatório, o certificado é um passo importante para as empresas investirem em saúde mental de forma preventiva.
A especialista lembra que, em 2020, ano marcado pela pandemia de Covid-19, houve uma explosão de casos de afastamento ligados à ansiedade, burnout e depressão; mas o cenário já não era novidade. “Foram pegas de surpresa as empresas que nunca trataram da questão de modo preventivo, pois a pandemia revelou algo que já estava acontecendo há muito tempo, mas os colaboradores tinham vergonha de falar, e há também o próprio preconceito em relação aos tratamentos mentais”, diz.
A advogada Priscila Arraes Reino, especialista em direitos trabalhistas e previdenciários, explica que os casos de profissionais que adoeceram no trabalho e precisam de afastamento da Previdência envolvem uma série de situações, como assédio, pressão excessiva, alto incentivo para competitividade e pouco ou nenhum reconhecimento pelos resultados.
“A precarização dos direitos do trabalho desde a reforma trabalhista acabou contribuindo para que as pessoas se sujeitem por mais tempo, às vezes até quando não suportam mais, a condições de trabalho que as levam ao adoecimento”, afirma.
O Brasil é o segundo país no mundo com maior número de trabalhadores com Síndrome de Burnout, atrás somente do Japão, segundo o Isma (International Stress Management Association). Além da síndrome, vem se tornando comum observar trabalhadores que sofrem com outros transtornos, como depressão ocupacional, ansiedade e estresse pós-traumático.
AFASTAMENTOS
Além de afetar diretamente os trabalhadores, os problemas associados aos transtornos mentais têm efeito nas empresas.
Embora os afastamentos por problemas osteomusculares -dor nas costas, lesões por esforço repetitivo, entre outros- liderem, os dados mostram que o total de dias perdidos por ano por funcionários com transtornos mentais é 81% superior com relação aos funcionários que não têm nenhum tipo de transtorno.
“A saúde mental deve ser encarada como um problema real e importante no cenário empresarial e ignorar essa realidade é um erro estratégico que pode custar muito caro, afetando a competitividade e a sustentabilidade das empresas”, diz Priscila.
Em 2022, a OMS (Organização Mundial da Saúde) e a OIT (Organização Internacional do Trabalho) divulgaram diretrizes globais para práticas relacionadas à saúde mental no trabalho, entre elas estão programas voltados ao tema e mudanças no ambiente, caso seja necessário.
A pressão do ambiente de trabalho, as demandas crescentes, a incerteza econômica e os desafios pessoais podem contribuir para o surgimento de problemas como estresse, ansiedade e depressão, levando a um absenteísmo maior nas companhias, o que preocupa.
Valério destaca a importância da capacitação de líderes para a criação de um ambiente psicologicamente seguro. “O funcionário não tem medo de sugerir mudanças, de cometer erro e de se comunicar quando tem uma liderança bem capacitada”, diz.
Vitor Carvalho, professor de psicologia e ética na FGV Eaesp (Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas), afirma que, apesar do importante avanço nas discussões sobre gestão de pessoas, o número de relatos envolvendo os transtornos parecem ser cada vez mais frequentes, e está ligado também ao uso da tecnologia.
“Parece que conforme as formas de tecnologia vão evoluindo, a saúde dos trabalhadores tem piorado. Em vez de termos conquistado mais liberdade, o que nós vemos é o aumento do monitoramento e da fiscalização”, diz.
Carvalho diz que os recursos tecnológicos fazem com que os indivíduos fiquem ligados ao trabalho mesmo quando estão fora dele, mantendo o sentimento de vigilância de forma contínua. “É como se nós estivéssemos participando de uma corrida e a linha de chegada estivesse sempre um passo à frente”.
Além dos problemas associados à saúde mental, as situações de estresse no trabalho também afetam os indivíduos fisicamente, fazendo com outros tipos de doenças sejam desenvolvidas.
“Minha leitura é de que as pessoas estão adoecendo fisicamente no mundo no trabalho não apenas por conta do estresse, mas porque, dentro dessa lógica de performance contínua, elas param de se enxergar como pessoas.”
O QUE AS EMPRESAS DEVEM FAZER PELA SAÚDE MENTAL DOS TRABALHADORES?
Promoção de um ambiente de trabalho saudável:
O respeito e a inclusão devem ser as bases fundamentais do local de trabalho. Esses elementos colaboram com a promoção de um espaço seguro e, consequentemente, saudável.
Gerenciamento de estresse no trabalho:
O reconhecimento dos estressores e a implementação de medidas para a sua redução devem ser buscados constantemente pelas empresas.
Redução de carga de trabalho excessiva:
É também importante que os gestores tomem conhecimento do tempo de trabalho de seus colaboradores, respeitando a carga de trabalho que, muitas vezes, é a fonte do desenvolvimentos de doenças físicas e mentais.
Criar ambientes em que os trabalhadores sejam ouvidos:
Para a garantia da saúde mental, é necessário que o empregado se sinta confortável para conversar com seus gestores. É essencial assim, que o estigma associado a questões mentais seja reduzido.
Acesso a cuidados de saúde mental:
Apenas garantir que o ambiente de trabalho seja saudável não é suficiente. É também indicado que as empresas busquem aumentar o acesso à saúde mental com o apoio de psicólogos.