Rumo aos 500 anos, SP precisa reduzir desigualdades e se preparar para crise climática
Cidade completa hoje (25) 470 anos
- Data: 25/01/2024 08:01
- Alterado: 25/01/2024 08:01
- Autor: Redação
- Fonte: LUCAS LACERDA - FOLHAPRESS
SP
Crédito:Governo do Estado de São Paulo
Para chegar bem a meio milênio de existência, a cidade de São Paulo, que completa 470 anos nesta quinta (25), vai precisar escolher como quer crescer, morar, se movimentar e enfrentar eventos climáticos extremos, como as ondas de calor.
São Paulo cresceu sobre rios, o que costuma se refletir em alagamentos após chuvas fortes, e se espraiou, exigindo o transporte diário de cidades inteiras dentro da capital e dos vizinhos metropolitanos.
Mas além de adequar sua infraestrutura, a maior cidade da América Latina precisa decidir o que fazer com centenas de milhares de imóveis vazios, que são 18 vezes o número de pessoas em situação de rua.
As decisões da capital paulista para os próximos 30 anos precisam levar em conta, segundo especialistas ouvidos pela reportagem, impactos diferentes entre parcelas da população, modificados por racismo e desigualdades econômicas e de gênero.
Veja abaixo algumas propostas para que a cidade chegue bem aos 500 anos.
Crise climática
A construção civil deve abandonar os prédios selados com vidro e totalmente dependentes de ar condicionado, segundo a professora da FAU-USP Denise Duarte. Ela também sugere, por causa do aumento na intensidade e na frequência de ondas de calor, a criação de locais para que as pessoas se refresquem.
A iniciativa, que poderia ser instalada em unidades do CEU (Centro Educacional Unificado), é inspirada no projeto parisiense que cria espaços para alívio do calor em escolas, abertos para a comunidade local. Em resumo, os pátios das unidades escolares são incrementados com árvores, jardins, hortas, e o solo é adaptado para se tornar mais permeável e reter a água da chuva. Dessa forma, ameniza o efeito do calor –especialmente os de ilhas de calor.
Para enfrentar os alagamentos recorrentes, a cidade também poderia investir, de acordo com a arquiteta Jordana Zola, pós-doutoranda em engenharia ambiental na Universidade Federal do ABC (UFABC), em praças e parques –com solo mais permeável– em locais próximos de mananciais, para controlar a vazão em meio a temporais.
Transporte
O futuro possível para o transporte é sobre trilhos, segundo Marcus Quintella, diretor da FGV Transportes. “Enquanto não tiver isso, São Paulo vai penar.” Ele defende a ampliação da malha ferroviária para a região metropolitana e seus 21,9 milhões de habitantes, e considera paliativos as faixas exclusivas, o rodízio e o BRT (sigla em inglês para sistema de transporte rápido por ônibus), atualmente em estudo na prefeitura.
Hoje, a cidade conta com o Expresso Tiradentes, que liga o bairro do Sacomã ao parque Dom Pedro II, no centro.
De acordo com Sérgio Avelleda, coordenador do núcleo de mobilidade urbana do Laboratório ArqFuturo de Cidades do Insper, a distância de casa para o trabalho na cidade é questionável e deveria ser substituída pelo fomento a emprego perto das moradias, com a criação de núcleos regionais.
É o que também diz a professora de mudanças climáticas e transição energética da FGV, Marta Camila Carneiro, sobre o exemplo de Singapura. “Há núcleos de trabalho não tão distantes dos núcleos domiciliares, como microcidades.”
Por outro lado, seria preciso criar uma autoridade metropolitana de transportes, para coordenar integração de tarifas e o desenho dos trajetos, hoje pulverizadas entre o Governo de São Paulo e 39 prefeituras da região metropolitana da capital.
A tarifa zero em transporte público pode ser uma alavanca para segurança viária e descarbonização, por meio da troca de carro por ônibus, mas não pode depender de modelagens feitas às pressas ou pensando apenas nas eleições, afirma Avelleda.
Pessoas em situação de rua
Trinta anos depois da primeira contagem de pessoas em situação de rua em São Paulo, que hoje chegam a 32 mil, segundo censo municipal, e com desafios em regiões como a cracolândia, a cidade precisa elaborar propostas mais direcionadas, segundo Laura Salatino, coordenadora da Clínica de Direitos Humanos Luiz Gama da Faculdade de Direito da USP e pesquisadora da Fiocruz.
Para quem está numa situação crônica, o acesso a moradia no modelo housing first (expressão em inglês para moradia primeiro) é fundamental, junto com acompanhamento frequente de saúde e assistência social. Isso também se aplica a dependentes químicos, para evitar recaída, segundo a pesquisadora.
Para famílias que perderam renda, cujo número na rua aumentou rapidamente em meio à pandemia de coronavírus, a autonomia prevalece sobre o acompanhamento, que pode ser uma vez por semana ou de acordo com a procura da família, diz Salatino.
São Paulo tem um leque de vários programas para acolhimento, mas a assistência social deve ser apenas parte de um conjunto que envolve emprego, transporte e moradia.
Moradia
A cidade precisa enfrentar a falta de uso em 590 mil imóveis vazios, que não cumprem função social de moradia e superam com folga o déficit de moradia, estimado em 400 mil unidades pela prefeitura.
Para Bianca Tavolari, professora de direito na FGV, pesquisadora do Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento) e do Mecila (centro internacional de estudos avançados em humanidades e ciências sociais Maria Sibylla Merian, em tradução livre), outra escolha para os próximos 30 anos é mudar o modelo de programas municipais como o de habitação de interesse social (HIS), perfilando melhor quem pode acessá-lo.
Ainda faltam critérios que definam quem são as famílias prioritárias para o programa, que concede benefícios para construtoras que incluam imóveis populares em seus empreendimentos, como a possibilidade de construir várias vezes acima do permitido por lei sem o pagamento de taxa extra, além de isenção de impostos.
Um problema, segundo a pesquisadora, é a mera classificação por renda para entrada no programa, que permite a concorrência de outras classes sociais e não garante o acesso de famílias de baixa renda a esses imóveis. “Pode ser a renda de uma família inteira ou de uma pessoa. E quem ganha o teto, de seis salários mínimos, está longe de ser vulnerável”, diz Tavolari.
“Um projeto para os próximos 30 anos precisa colocar no centro da discussão como quebrar padrões de desigualdade, fazendo com que a pessoa a três horas do emprego passe a morar mais perto.”
Crescimento da cidade
As informações oficiais da cidade precisam considerar o componente racial, segundo Gisele Brito, coordenadora da área de direito às cidades antirracistas do Instituto de Referência Negra Peregum, e propor soluções na mesma medida. Hoje, o território, segundo levantamento da organização, mantém a população negra fora de áreas mais ricas e urbanizadas, como Higienópolis ou Perdizes.
O Plano Diretor, por outro lado, partiu de uma aposta no adensamento em eixos de transporte –na versão de 2014– e hoje não parece ter um caminho definido, segundo Bianca Tavolari, da FGV, após a revisão.
Se o objetivo é promover moradia fora de áreas de risco, próxima a serviços, transporte, emprego e escolas para as famílias, a cidade precisa escolher um rumo diferente do que tem produzido apartamentos menores e caros nas áreas adensadas.
Além do fomento a núcleos de emprego próximos de áreas residenciais, como citado por especialistas, o consenso é que aproveitar imóveis existentes é muito mais barato do que construir novas habitações.
Esse caminho seria viável com a desapropriação de imóveis ociosos e seu direcionamento a populações vulneráveis.
Envelhecimento da população
Com a tendência de aumento na quantidade de idosos na população, São Paulo precisa reforçar redes de saúde comunitária, segundo Natalia Negretti, professora de pós-graduação em estudos brasileiros da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (Fespsp). Esse apoio deve ser para quem vive em instituições de longa permanência ou não.
Ela também sugere a ampliação do número de centros públicos de convivência, para integração do público. “Ideal é que aumentem as atividades, porque são espaços fundamentais para quem mora em instituições ou residências particulares.”
Por outro lado, é preciso qualificar a atividade de cuidadores. É um mercado potencial, ainda pouco valorizado socialmente e mal remunerado, vinculado a trabalhos domésticos.
Saneamento
Para universalizar o acesso a água, esgotamento sanitário, manejo de resíduos sólidos e de águas pluviais, quem presta o serviço de saneamento deve priorizar populações em ocupações informais e favelas, dizem especialistas. Reportagem da Folha de S.Paulo mostrou que ao menos 660 mil pessoas não têm coleta de esgoto.
Apontada pelo governo como caminho para ampliar os serviços de saneamento, a privatização da Sabesp vai exigir mais controle social e preparação do poder público para acompanhar o atendimento ao longo dos anos, afirma Caroline Brisola, advogada especialista em saneamento básico na Manesco, Ramires, Perez, Azevedo Marques Sociedade de Advogados.
Pressionar por melhorias e fiscalizar como o serviço está sendo prestado, lembra Tathiana Chicarino, coordenadora do curso de Sociologia e Política da Fespsp, foi motivo para a reestatização de serviços em cidades como Berlim e Paris.
Inteligência artificial
Evitar o uso de inteligência artificial não é possível, mas a discussão precisa ser menos tecnicista e mais transparente. Um exemplo é o uso na segurança pública, que precisa ser tratado em São Paulo com a participação de quem potencialmente será afetado, como minorias negra e LGBTQIA+.
“Defendo que seja como bula de remédio: indicação, contra-indicação e efeitos adversos”, afirma o coordenador do centro de Ciência de Dados do Insper, André Filipe Batista. “Quando fazemos isso, criamos mecanismos para evitar os problemas.”
Para ele, o uso de inteligência artificial vai agilizar o processamento de informações e oferecer serviços de qualidade na escala individual, sejam de saúde, transporte ou educação.