Representatividade racial no Judiciário Brasileiro do Século XXI
Artigo de Cristiano Scorvo Conceição, Advogado formado pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo em 2001. Milita na área Tributária há 20 anos. Conselheiro Titular da AASP
- Data: 05/08/2022 16:08
- Alterado: 16/08/2023 23:08
- Autor: Redação
- Fonte: AASP
Cristiano Scorvo Conceição
Crédito:Divulgação
No último dia 30 de junho, a Juíza Ketanji Brown tomou posse como primeira Juíza negra da Suprema Corte dos EUA.
Trata-se de evento histórico daquele país, de enorme importância política e simbólica. Jackson é a 116.ª magistrada, a sexta mulher e a terceira pessoa negra a servir na Suprema Corte desde sua fundação, em 1789, há 233 anos.
O ingresso da nova Juíza marca também um recorde no número de mulheres na Suprema Corte dos EUA: de um total de nove integrantes, hoje, quatro são mulheres.
Se essa indicação tivesse ocorrido no Brasil, sua posse certamente também teria grande relevância social e política, podendo até mesmo ser louvada como mais um ato no combate a discriminação racial, cuja data foi “comemorada” no último dia 3 de julho.
Na História do nosso Supremo Tribunal Federal, porém, houve apenas três negros que integraram a Corte.
O primeiro foi o Ministro Pedro Lessa. Jurista, político e professor, membro da Academia Brasileira de Letras, foi nomeado ao STF pelo Presidente Afonso Pena em 26 de outubro de 1907, tomando posse em 20 de novembro do mesmo ano.
O segundo foi o Ministro Hermenegildo Rodrigues de Barros. Promotor Público e depois Juiz de Direito, alcançando a promoção a Desembargador, foi nomeado ao STF pelo Presidente Delfim Moreira em 23 de junho de 1919. Tomou posse no dia 26 de julho seguinte.
O terceiro, o Ministro Joaquim Barbosa, foi nomeado em 5 de junho de 2003 pelo Presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Advogado e Membro do Ministério Público Federal, tomou posse no dia 25 do mesmo mês, quase 84 anos depois do Ministro Hermenegildo Rodrigues de Barros.
Ou seja, desde a sua criação na Constituição de 1824, como Supremo Tribunal de Justiça e posteriormente denominado Supremo Tribunal Federal, nossa Corte Máxima teve, como já dito, apenas três negros exercendo o cargo de Ministro. A corte nunca contou com uma mulher negra como ministra em seus quadros.
A situação é similar nos demais Tribunais Superiores. No Superior Tribunal de Justiça, por exemplo, apenas um dos 33 Ministros é negro, o Ministro Benedito Gonçalves.
Considerando-se que, segundo dados do IBGE, 56% da população brasileira é composta por pretos e pardos, esses fatos podem impressionar em um primeiro momento. Mas não são novidade, infelizmente.
Levantamento conduzido pelo Conselho Nacional de Justiça em 2021, por meio de seu Departamento de Pesquisas Judiciárias, mostra que apenas 12,8% de todos os magistrados brasileiros são negros. O mesmo estudo aponta também que 74,2% dos Tribunais e das respectivas Escolas de Magistratura não possuem normativas internas que promovam os temas da questão racial e da diversidade racial e que 67,4% das Escolas de Magistratura não promoveu cursos envolvendo questões raciais nos 12 meses anteriores à pesquisa.
Os fatos e os dados oficiais apontam uma incômoda verdade: o Poder Judiciário Brasileiro está longe de representar a diversidade racial da população brasileira que se socorre da tutela jurisdicional para preservar sua liberdade, seus bens e resolver seus resolver seus conflitos de interesses.
De fato, ampliando-se o horizonte, negras e negros são pouco representados nos espaços de poder (econômico, político e acadêmico), reflexo da notória, embora muitas vezes subliminar, segregação existente na nossa sociedade.
Considerando-se que a maior parte dos 212 milhões de brasileiros são negros, é complicado, para dizer o mínimo, que esses brasileiros não tenham referências da mesma raça ocupando esses espaços. Isso fomenta a imagem de que os negros não podem ocupar cargos de relevância social.
Tratando-se de representatividade negra brasileira, embora esta exista em alguns esportes, em alguns setores da sociedade civil e, flagrantemente, na população carcerária, é muito baixa nos quadros de exercício do poder público, que tem por missão garantir o Estado Democrático de Direito: no Legislativo, no Executivo e no Judiciário, objeto deste artigo.
Esse quadro leva a crer que não está se dando atenção devida ao artigo 3.º da Constituição. Ora, como poderemos “construir uma sociedade livre, justa e solidária, promovendo o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação” se os fatos e os dados mostram que o exercício da Magistratura parece não estar disponível à população negra do Brasil?
Isto posto, surgem as questões: como alterar essa situação? Como tornar o Poder Judiciário Brasileiro mais democrático racialmente e mais sensível às questões raciais?
Deve-se, primeiramente, ter-se em mente que vivemos em um país de grandes desigualdades. Compreender essa realidade e sensibilizar-se é o primeiro passo.
Poderia haver, por exemplo, concessão de bolsas de estudos às negras e negros que desejam ingressar na carreira da Magistratura. Poderia haver, também, maior ingresso de pretos e pardos por meio do Quinto Constitucional.
Em ambos os casos, deve-se, repita-se, estar-se ciente das desigualdades que existem na formação dos bacharéis de Direito.
Não se está a defender, aqui, a flexibilização dos critérios técnicos, profissionais, acadêmicos, éticos e morais que norteiam a escolha dos futuros Magistrados. Apenas está-se apontando a necessidade de que esses critérios sejam, na respectiva seleção, aplicados de forma justa e proporcional.
Deve, também, haver, dentro dos Tribunais e das respectivas Escolas da Magistratura, uma atenção maior às questões que envolvem as disparidades raciais, seja por meio de ações de promoção social, seja por normativas e cursos técnicos específicos.