Quais os sinais do vício de crianças em aparelhos eletrônicos?
Pesquisa TIC Kids Online Brasil 2023, aponta que 25 milhões de jovens entre 9 e 17 anos usam a internet
- Data: 07/02/2025 14:02
- Alterado: 07/02/2025 14:02
- Autor: Redação
- Fonte: Marcos Torati
Os impactos da tecnologia na saúde mental das crianças têm se tornado cada vez mais relevantes. Recentemente, o presidente Lula sancionou a Lei 15.100/25 que proíbe o uso de celulares em escolas desde a educação infantil até o ensino médio, tanto na rede pública como na particular. Com isso, para além da proibição em escolas, é importante compreender que o cuidado para com a saúde mental das crianças e adolescentes precisa estar presente dentro de casa também.
De acordo com a pesquisa TIC Kids Online Brasil 2023, realizada pelo Comitê Gestor da Internet no Brasil, cerca de 25 milhões de crianças e adolescentes entre 9 e 17 anos eram usuários de internet em 2023 no país. Na relação entre jovens e internet, há o uso de redes sociais e com isso, os feeds infinitos causam um impacto considerável na saúde desse público.
“Os feeds infinitos são projetados para estimular a hiperconectividade e, no caso de jovens, portanto, devemos observar se a relação com o meio virtual dilui a experiência de privacidade e solitude, necessárias na formação da identidade. Então, quando a busca do adolescente por se conhecer e ser reconhecido se resume a postar e compartilhar, a dependência do mundo digital não é a raiz do problema e sim um sintoma de uma busca emocional para pertencer”, explica Marcos Torati, psicólogo e mestre em Psicologia Clínica pela PUC-SP.
Segundo o especialista, a ausência de pausas nos feeds infinitos pode reforçar a tendência à instantaneidade, dificultando o manejo da capacidade de espera, o que se conecta com o conceito de FOMO (“Fear of Missing Out”), o medo de não conseguir acompanhar as atualizações dos eventos. Além disso, o excesso de estímulos e conteúdos apresentados em alta velocidade pode banalizar as experiências, reduzindo a capacidade de atenção e a qualidade do tempo na plataforma.
“Redes sociais assim combinam conteúdos personalizados, autoplay e recompensas imprevisíveis para manter a atenção dos usuários. A combinação de repetição automática e busca obsessiva pode provocar no indivíduo um estado alterado de consciência, comparável à hipnose, pois o foco intenso, aliado ao relaxamento psicológico, favorece a alienação do mundo exterior. Essa desconexão resulta em procrastinação e perda de noção corporal e do tempo social”, comenta ele.
Como pais e responsáveis podem saber se há algo errado com os filhos?
É preciso estar atento ao comportamento dos jovens e buscar orientá-los sobre os riscos do uso excessivo de redes sociais e das interações com desconhecidos. Mas, para que a proibição e o diálogo sejam significados como expressões de cuidado, os pais devem avaliar se eles próprios são presentes e se representam figuras de confiança.
“Os pais devem observar se o uso das redes agravou ou produziu mudanças nos padrões comportamentais dos filhos, como novos vocabulários, respostas agressivas diante das frustrações, perturbações na concentração ou hiperfoco, distúrbios no processo de aprendizagem, procrastinação, obesidade, insônia; tendinites, dores posturais, isolamento social, etc. Por vezes, a intoxicação eletrônica apresenta sintomas semelhantes aos do Transtorno do Espectro Autista (TEA), o que pode levar pais e profissionais a erros de diagnóstico e prejudicar o tratamento apropriado.”, exemplifica Torati.
O psicólogo ainda aponta que as crianças se sentem seguras emocionalmente com a previsibilidade e estabilidade do ambiente, por isso a rotina é algo importante, como vemos no ato de assistir o mesmo programa, ouvir as mesmas músicas e realizar as mesmas brincadeiras. No mais, é preciso avaliar se a hiperestimulação inerente ao mundo digital produz desconexões em relação ao prazer de brincar, de interagir com as pessoas físicas e de existir no mundo real.
Segundo ele, desse modo, quando ele encontra um aparelho eletrônico que repete infinitamente o que ela deseja, a criança pode entrar em estado anestesiamento mental por alguns períodos, o que a longo prazo traz prejuízos.
“Quando toda essa hiperestimulação se torna habitual no contexto da criança e do adolescente eles se distanciam de três experiências importantes no processo de desenvolvimento: o contato com a sensação de vazio, o tédio e surgimento do ócio criativo. Pois, é na ausência do outro e dos estímulos externos que a criança e o jovem podem descobrir a importância da capacidade de estar só e o valor da solitude, explorando a capacidade de se entreter consigo e com a companhia dos próprios pensamentos“, reforça ele.
A hiperconectividade não deve ser encarada como uma característica exclusiva da juventude moderna, mas também um sintoma contemporâneo que pode denunciar como as famílias modernas adotaram os aparelhos eletrônicos como um novo membro familiar, um elemento forjado para aliviar tensões e substituir as funções dos cuidados parentais. De acordo com Torati, as “chupetas” eletrônicas ou digitais podem servir tanto para os filhos quanto para os pais.
“Ao evidenciarmos as figuras parentais como possíveis agentes dos vícios infantis, certos detalhes aparecem. Por exemplo, um smartphone pode ser entregue nas mãos de uma criança pela dificuldade dos pais em lidar com choros e frustrações. Em outros casos, esses pais têm medo de dizer ‘não’, enquanto em alguns lares, é construído um pacto inconsciente em torno do gozo, de modo que os pais não pensam em proibir o acesso dos dispositivos porque eles próprios são vítimas das intoxicações eletrônicas e não desejam perder e nem exigir esse direito”, finaliza o psicólogo.