Professores e alunos do ICMC transformam-se em Youtubers na pandemia
Eles levam conhecimentos sobre computação, matemática e estatística para os 105 milhões de brasileiros que acessam o Youtube mensalmente
- Data: 23/12/2020 15:12
- Alterado: 23/12/2020 15:12
- Autor: Redação
- Fonte: ICMC/USP
Malu - assuntos sobre robótica
Crédito:ICMC - USP
A pandemia ensinou que uma sala de aula pode caber em uma tela. Pode ser a tela do celular, do computador ou da televisão. Mas, para caber, é preciso adaptar vários elementos do ambiente presencial e recriar a sala de aula, um desafio que marcou o ano de 2020.
Para alguns professores e alunos, esse era o empurrãozinho que faltava para que assumissem o papel de Youtubers.
O coronavírus também foi responsável por mudar a forma como os brasileiros buscam novos conhecimentos na internet. Durante a pandemia, 91% dos dois mil brasileiros entrevistados em uma pesquisa solicitada pelo Google disseram que o Youtube ajudou a aperfeiçoar uma habilidade de interesse e 52% revelaram que aprenderam algo novo na plataforma.
Alcançar um dos 105 milhões de brasileiros que acessam o Youtube mensalmente é a meta de quem resolveu criar seu próprio canal para divulgar conhecimentos em áreas como ciência de dados, aprendizado de máquina, matemática aplicada, estatística e robótica, por exemplo.
A seguir, confira alguns exemplos de professores e alunos do ICMC que decidiram virar Youtubers na pandemia.
Um curso de deep learning arretado – Na tela completamente escura surge o ícone de uma lousa e, abaixo, em letras brancas, está escrito “Como vai funcionar o curso”. Depois de um segundo, uma voz com um sotaque do Ceará começa a dizer: “Então, gente, aqui é um vídeo para apresentar esse curso, esse curso de aprendizado profundo, e como ele vai funcionar. Oi, eu sou o João, eu sou a pessoa que está criando esse curso.” Na tela, que continua escura, surge agora o ícone de uma pessoa e mais letras brancas anunciam: “Oi, eu sou o João”.
A voz continua a narrativa: “Não sei muito o quanto que tem que apresentar, mas, basicamente, eu sou um aluno de Ciências de Comunicação na USP, em São Carlos, no ICMC. Eu estou fazendo pesquisa em deep learning e mexendo também com coisas como uma empresa e tals há dois anos mais ou menos. Então, vamos focar aqui: o que vai ter no curso? Vão ser aulas no Youtube…” E a tela escura volta a se encher com mais letras brancas.
O espectador que quiser ver o rosto do cearense João Guilherme Madeira Araújo não terá sua curiosidade aplacada em nenhum dos 24 vídeos disponíveis atualmente no canal do estudante. Os vídeos correspondem às cinco primeiras aulas do curso que ele criou para falar sobre aprendizado profundo, ou deep learning.
Natural de Fortaleza, João conta que adora ensinar e já dava aulas quando estudava no ensino fundamental: “Eu sempre gostei de ensinar coisas aleatórias para amigos, geralmente, na área de matemática. No segundo ano do ensino médio, eu e um amigo fomos ensinar programação competitiva numa escola pública de Fortaleza e, no ano seguinte, meu colégio me contratou para dar aulas preparatórias para a seletiva da Olimpíada de Informática”.
A estreita relação de João com as olimpíadas de conhecimento começou quando ele conquistou a primeira medalha na Olimpíada Brasileira de Matemática. Depois, chegou até a criar um site para divulgar esse tipo de competição a outros estudantes. Afinal, as olimpíadas abriram uma série de oportunidades para João que, com os bons resultados obtidos nas competições, conquistou até uma bolsa integral para estudar em um colégio particular no ensino médio.
A escolha por cursar Ciências de Computação no ICMC aconteceu depois que o estudante pesquisou informações sobre várias universidades e conversou com alunos dessas instituições. Como ele já tinha interesse em inteligência artificial, descobriu que a área é bastante forte no Instituto e que o custo de vida para viver em São Carlos é menor do que em São Paulo.
No ICMC, João tornou-se membro do grupo de extensão DATA, que busca acelerar a cultura de ciência de dados e aprendizado de máquina dentro e fora da Universidade por meio de aulas, eventos, grupos de estudo e palestras. Com a chegada da pandemia, ele aproveitou o tempo livre disponível para colocar em prática o plano de criar um curso no Youtube.
Voltado especialmente para alunos de ensino técnico e superior, o curso demanda conhecimentos de programação em Python e alguma familiaridade com conceitos de cálculo.
“Apesar disso, acredito que alguns alunos do ensino fundamental II e do ensino médio conseguem acompanhar as aulas, principalmente quem participa de olimpíadas”, explica João. As aulas teóricas do curso são divididas em três vídeos de cerca de 25 minutos cada. Há, ainda, a cada aula, um vídeo prático que propõe exercícios para fixar e expandir o conhecimento do aluno.
“Eu adoro aprender e dividir com as pessoas o que eu sei. Com o tempo, a ideia de ensinar também ganhou o viés de ajudar quem não teve as oportunidades que eu tive. Isso engloba contribuir com pessoas que têm maior dificuldade financeira, mas também abrange ajudar quem não teve acesso a ótimos professores de olimpíada no ensino fundamental e médio”, finaliza João, com seu sotaque arretado.
Uma plataforma com muitos sotaques – Outra aluna do ICMC que criou um canal no Youtube durante a pandemia é Marina Machado, que também cursa Ciências de Computação. No final do primeiro vídeo que postou no canal, Marina revela de onde vem o sotaque arretado: de Aracaju, no estado de Sergipe. “Meu sonho sempre foi ser blogueirinha, desde mais nova eu sempre acompanhei muitas blogueiras”, revela.
Diferentemente de João, Marina não criou um curso para explicar conceitos da área que estuda. A proposta é contar as experiências que ela já viveu e desmistificar a ideia de que, para cursar computação, é preciso ser uma aficionada por programação.
No segundo vídeo do canal, ela explica porque decidiu seguir carreira em computação e como escolheu o curso de Ciências de Computação. Em outro vídeo, revela os motivos que a levaram a optar por estudar na USP.
Outra meta é ajudar a atrair mais garotas para a área, que é dominada predominantemente pelo gênero masculino. Em um dos vídeos, Marina explica que nem sempre a computação foi assim e que, nos primórdios da área, havia igualdade de gênero.
A proposta de Marina se soma a diversas outras iniciativas que têm surgido nos últimos anos voltadas a estimular mais meninas a ingressarem nas ciências exatas.
Esse também é o caso de Malu Telles: “Com a situação da pandemia e isolamento, precisei recorrer a outras formas de continuar com meu trabalho de ensino e divulgação. Por isso comecei um canal no Youtube para divulgar e ensinar assuntos sobre robótica”.
Foi assim que nasceu o Robótica em Casa, um canal que busca estimular estudantes e professores da educação básica a desenvolverem novas habilidades por meio da robótica.
A ideia nasceu depois que Malu vivenciou várias experiências de dar aulas presenciais sobre o assunto na USP em São Carlos, sob orientação da professora Roseli Romero, do ICMC.
Aluna do curso de Engenharia Elétrica, que é oferecido pela Escola de Engenharia de São Carlos (EESC) também na USP, Malu explica, nos vídeos do canal, como construir e programar robôs que seguem luz e que desviam de obstáculos, usando kits de robótica.
Descomplicando a ciência de dados – “Conhecimento que não é divulgado não serve para nada”, diz o professor Francisco Rodrigues, do ICMC. Para ele, a pandemia trouxe uma excelente oportunidade para que os pesquisadores das universidades públicas compreendessem a relevância de mostrar o que fazem à sociedade.
Diante da paralisação das aulas presenciais e da urgência de gravar aulas de ciência de dados, probabilidade e estatística para os alunos de graduação e pós-graduação, Francisco identificou uma oportunidade: disponibilizar o material a um público mais amplo.
Criou, então, um canal no Youtube. Em pouco tempo, alcançou mil inscritos e, desde então, os números não param de crescer. Atualmente, contabiliza mais de 4 mil seguidores: “Descobri que as pessoas têm muito interesse nesse tipo de material e que há uma carência por conteúdos de qualidade na área”.
É fato que os especialistas em ciências de dados, matemática aplicada e estatística estão sempre muito ocupados. Há, ainda, diversas outras barreiras a serem enfrentadas pelos pesquisadores que desejam disponibilizar conteúdos em uma plataforma como o Youtube.
As muitas novas habilidades trouxeram vantagens adicionais: “Aprendi a deixar minhas aulas mais didáticas e a explicar com mais clareza”. O professor não usa slides para apresentar o conteúdo, prefere fazer anotações e escrever direto na tela.
Depois de apresentar o conteúdo teórico de um tópico, adicionando informações saborosas de contexto, Francisco propõe atividades práticas. “A gente só aprende quando experimenta”, diz o professor, que estimula os estudantes a realizarem simulações.
“Se não fosse a urgência imposta pela pandemia, eu não teria criado o canal”, admite o professor. Para cada hora de aula que coloca no ar, ele estima que são necessárias, no mínimo, cinco horas de preparação.
Mas o esforço está trazendo bons resultados. Francisco tem recebido inúmeras mensagens de professores de instituições federais solicitando autorização para usarem o material. E estudantes de todo o país têm enviado manifestações ao professor, que também inspirou outros professores do ICMC a disponibilizarem suas aulas no Youtube.
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