Pré-candidatos fazem esquetes em vídeo e transformam campanha em show de encenações
Estratégia para fisgar interesse do usuário em redes como TikTok e Instagram passa por aceitar pagar mico
- Data: 28/04/2024 09:04
- Alterado: 28/04/2024 09:04
- Autor: Redação
- Fonte: Fábio Zanini/Folhapress
Vídeo no perfil de Rodrigo Manga (de camisa clara) no TikTok, gravado para anunciar bebedouros
Crédito:Reprodução/TikTok
O fortão andando na rua ouve uma provocação: “Vai tomar a injeção, cadelinha?”. Irritado, parte para cima do autor da ofensa, que se apressa em desfazer o mal-entendido. Ele se referia a um animal ali ao lado, que agora pode se vacinar numa clínica veterinária recém-inaugurada.
O curto vídeo tem como protagonista o prefeito de Sorocaba (SP), Rodrigo Manga (Republicanos), candidato à reeleição em outubro. Como ele, diversos gestores e candidatos estão investindo numa comunicação em formato de esquetes escrachados postados em redes como TikTok e Instagram, com pitadas de “Os Trapalhões” e “Casseta e Planeta Urgente”.
Pagar mico, assumir o lado tiozão e entrar no modo “sem superego” são parte do script. O objetivo é prender a atenção do usuário em poucos segundos, antes que ele passe o dedo na tela do celular e vá embora. Vencida essa etapa, o político vende seu peixe sobre temas administrativos da cidade.
Manga, 43, é exemplar nessa estratégia. Em um vídeo recente, um balde de água chega a ser jogado nele. Tudo para dizer que a cidade do interior de São Paulo tem 100% de encanamento.
“Ninguém aguenta mais ver um político falando que está asfaltando tantos quilômetros, construindo novo viaduto, creche”, afirma o prefeito. “Sorocaba teve o PIB que mais cresceu no Brasil, geração de empregos aumentou 170%, saneamento atingiu níveis históricos. Tivemos que achar uma forma de comunicar isso.”
Ele diz que sempre usou muito as redes sociais desde que se tornou vereador, em 2012. Quando começou a gravar vídeos, em 2020, tinha 16 mil seguidores no Instagram. Hoje, são quase 300 mil.
O sucesso é inegável. O vídeo da “cadelinha” chegou a 5 milhões de visualizações. Muitas delas por jovens, que vêm falar com ele nas ruas.
A gravação é feita com celular, e as ideias vêm do próprio prefeito, no máximo após uma conversa com alguns assessores. “Faço na hora, sem altas produções”, diz Manga, que é autodidata: nunca teve experiência prévia com humor ou atuação.
“É importante chamar a atenção, mas não apenas fazer por fazer, tem que mostrar o resultado do trabalho.”
Em Florianópolis (SC), o prefeito Topázio Neto (PSD), 62, outro que disputará novo mandato em outubro, apareceu recentemente com a imagem multiplicada em diversos “clones” na praia de Jurerê, para mostrar que a obra de alargamento da faixa de areia, criticada por ambientalistas, fará o local acomodar mais pessoas.
Também já simulou sair da pista dirigindo um carro, para mostrar os perigos da desatenção ao volante. Em outro vídeo, aparece ao lado de um frasco de corote, bebida popular em botequins, ao falar que ela não pode ser culpada pelo alcoolismo de moradores de rua.
Topázio diz que começou a usar os vídeos inusitados como uma estratégia para ser mais conhecido, após assumir o cargo, em março de 2022. Ele era vice de Gean Loureiro (União Brasil), que renunciou para disputar o governo de Santa Catarina, e não foi eleito.
“A gente, quando assumiu, sentou e pensou: temos um prefeito novo, que as pessoas conhecem pouco”, afirma. Assim como o colega de Sorocaba, ele diz que o mais importante é segurar o internauta logo de cara.
“A comunicação vem mudando muito. Construímos um trabalho com vídeos muito curtos, com conteúdo, narrativa bem estruturada. A comunicação do prefeito não precisa ser chata, embora seja séria e responsável”, afirma.
Ele grava cinco vídeos aos sábados de manhã para ir soltando diariamente na semana seguinte. Costuma ainda fazer outros sobre temas mais quentes que apareçam.
“Tem muita gente que fica esperando o meu vídeo. Às vezes me encontram na rua e dizem: ‘prefeito, o de hoje está atrasado’.”
Para isso, conta com uma pequena equipe com roteirista, captador de imagens (com celular) e editor. “É uma forma barata de prestar contas”, diz.
Somando Instagram e TikTok, as duas redes que utiliza, Topázio tem cerca de 650 mil seguidores. Nunca fez nada que se assemelhasse a teatro ou coisa parecida. “Sou apenas um cara de pau.”
Vereadores de oposição o acusam de ser um “prefeito tiktoker“, termo que ele não recusa.
“O tiktoker de sucesso é o que tem conteúdo. Não vão me ver fazendo dancinha, cozinhando”, diz. “Quando eu me comunico, a minha tia Marlene, de 85 anos, tem que entender, saber do que eu estou falando”.
Aos 30 anos, o prefeito do Recife (PE), João Campos (PSB), é talvez quem melhor personifique o uso das redes sociais pelas novas gerações. Seus 2,4 milhões de seguidores no Instagram o transformaram em referência no tema.
No último Carnaval, seu engajamento explodiu com a decisão de platinar o cabelo. No dia a dia, usa os vídeos para promover ações de sua administração.
No começo de abril, gravou um vídeo correndo de roupa social debaixo de chuva para inaugurar obras de pavimentação de ruas e mostrar que a drenagem do local estava funcionando. No caso de Campos, uma agência da cidade, a Hermanos, paga pelo PSB, o ajuda em estratégias para as redes.
O sucesso dos prefeitos tiktokers tem inspirado candidatos que ainda almejam chegar ao cargo. Em São Paulo, a pré-campanha de Guilherme Boulos (PSOL) passou a adotar a estratégia de fisgar o eleitor com cenas inusitadas.
Num vídeo, uma mulher espirra, dando o gancho para Boulos dizer “saúde” e começar a falar sobre o tema.
Em outro, o deputado ameaça jogar um bolo na cara de um homem que não sabe dizer quantos projetos ele aprovou no Congresso. A cena lembra o programa “Passa ou Repassa”, do SBT, em que tortas eram atiradas nos participantes que errassem perguntas.
Isso dá o mote para que ele diga que foram três projetos seus aprovados (e esclarecer que jamais desperdiçaria comida jogando-a em outra pessoa).
Marqueteiro do psolista, Lula Guimarães afirma que o tempo estimado para conseguir segurar a atenção do internauta é exíguo: para ser mais preciso, quatro segundos.
“A dinâmica das redes sociais tem sido pautada na busca da atenção do usuário nos primeiros quatro segundos, para que ele não pule para o conteúdo posterior e possa assistir os vídeos até o final”, afirma.
“A diferença do Guilherme Boulos é que é, além desse primeiro momento, ele tem conteúdos muito atrativos para oferecer, apoiados pela sua reconhecida capacidade de comunicação”, acrescenta.