Peça mostra como Spinoza criou teorias racionalistas em meio a solidão e exílio
O figurino, muito semelhante às vestes do século 17, intensifica a ambientação em uma Holanda pós-medieval - mais especificamente Haia
- Data: 12/07/2023 15:07
- Alterado: 12/07/2023 15:07
- Autor: Redação
- Fonte: Alessandra Monterastelli/Folhapress
Crédito:Divulgação
Um conselho de três rabinos está reunido diante de Baruch Spinoza para condená-lo ao Herem, exclusão total da comunidade judaica, mas ainda esperam que, diante do público, ele recuse as ideias que negam o Deus da Torá.
Seguem-se alguns minutos de tensão, em que Spinoza é obrigado a escolher entre a liberdade de pensamento e seus afetos. Ele opta pela primeira opção.
“Amaldiçoamos o réu e praguejamos diante de todos e que seja Baruch maldito de dia e de noite”, recai a sentença sobre o filósofo iluminista.
Solitário e trancafiado em um quarto, ele passa a dedicar os dias e as noites aos seus escritos, divididos com uma única visita esporádica.
É nesse cômodo que se passa a maior parte de “O Deus de Spinoza”, em cartaz no Teatro Itália Bandeirantes, em que, entre devaneios e conversas com Jan Rieuwertsz, interpretado por Juliano Dip, seu único amigo, o público é levado a mergulhar no pensamento spinoziano.
O figurino, muito semelhante às vestes do século 17, intensifica a ambientação em uma Holanda pós-medieval -mais especificamente Haia, cidade que abriga o filósofo após sua fuga de Amsterdã.
Baruch, interpretado por Bruno Perillo, muda seu nome para Benedictus e nega a existência de um Deus personalizado. Para ele, o ser racional deve entender a natureza das coisas -e não acreditar em milagres.
Contrariando as expectativas de sua comunidade, que esperava vê-lo tornar-se rabino, Spinoza argumenta que “a superstição planta ignorância no coração das pessoas”.
O amor a Deus e o medo do castigo seriam caminhos traçados pelo homem que subestima a razão, visto que Deus não deveria ameaçar e aterrorizar -até porque está em tudo, desde as coisas consideradas ruins até as boas.
Com o passar dos atos, a solidão a qual foi condenado parece enlouquecer Benedictus. Totalmente absorvido pelos seus pensamentos, ele se torna impulsivo e verborrágico, enquanto se dedica ao tabagismo e ao polimento de lentes -profissão que permite sua sobrevivência.
É nesse contexto que termina seu primeiro livro, “Ética”. Nele, reitera que a vida nada mais é que o encontro aleatório entre corpos, fato que afeta e molda os indivíduos.
Diferente de René Descartes, seu contemporâneo, Benedictus acredita que corpo e mente estão ligados e que a perfeição da natureza já era prova da existência de Deus.
“Somos proibidos de pensar porque alguém pensou algo em primeiro lugar e tornou seu pensamento um dogma!”, brada, em certo momento, ao amigo Jan.
Apesar de atordoado pela sua sentença, esta parece empurrá-lo a escrever “Tratado Político”. Nele, defende que os poderosos se aproveitam da credulidade das massas e que deuses são inventados para aliviar o peso que é saber da morte.
Durante todo o espetáculo, os altos e baixos de Spinoza são acompanhados de acordes e percussões sefarditas, música medieval judaica popular na Península Ibérica -visto que a família do filósofo era de origem portuguesa.
O desejo, por fim, é eleito como essência e impulso do homem, incontrolável pela razão.
“Vivemos uma eterna guerra de paixões, entre elas estão aquelas que diminuem nossa potência, como a vergonha e medo. Os sentimentos são acontecimentos naturais que nos atingem”, conclui.
O consumo excessivo de tabaco, somado a inalação do pó de vidro durante seu ofício, levaram Spinoza à morte por tuberculose em 1677.
O fato que é tragicamente representado após um último pedido ao amigo -o de ter suas obras, enfim, publicadas.