“O IVA vai fazer crescer a informalidade”, diz Flávio Rocha
Em entrevista, presidente da Riachuelo e membro do Instituto Brasil 200, afirma que setores mais frágeis, como varejo e restaurantes, não suportam alíquota única de tributo sobre consumo
- Data: 24/07/2019 09:07
- Alterado: 24/07/2019 09:07
- Autor: Redação ABCdoABC
- Fonte: Estadão Conteúdo
Crédito:Reprodução
Figura central do Instituto Brasil 200, grupo que reúne empresários bolsonaristas, o presidente do conselho da Riachuelo, Flávio Rocha, afirma que as propostas de reforma tributária encampadas pelo governo federal e pelo Congresso Nacional – que envolvem a criação de diferentes versões de um IVA (Imposto sobre Valor Agregado) sobre o consumo – vão “empurrar setores maciçamente para a informalidade”.
Para o empresário, as demais propostas de reforma tributária têm fragilidades. Uma delas, segundo ele, seria a noção de que o IVA simplificaria o sistema. “Uma coisa é você fiscalizar a Ambev, outra é fiscalizar milhares de botequins espalhados pelo Brasil.”
Em relação à proposta de Imposto Único de 2,5% do Instituto Brasil 200 – porcentual que, segundo críticos como o economista Bernard Appy, seria insuficiente para compensar a arrecadação atual –, Rocha diz que o grupo está disposto a elevar a cobrança sobre movimentações financeiras aos poucos. “Podemos testar para ver até que medida esse imposto será eficiente.”
Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista:
As demais propostas de reforma tributária incluem uma IVA sobre o consumo. Por que o Brasil 200 diverge dessa posição?
O IVA é um imposto que caminha para obsolescência, pois mira uma economia cada vez menos representativa, linear. A economia da matéria está sendo substituída por uma estratificada, de relação C2C (de consumidor para consumidor), colaborativa. É uma tendência irrefreável. A síntese mais perfeita da economia atual são os débitos e créditos feitos nos computadores de bancos.
Qual é a fonte da proposta do Imposto Único do Brasil 200?
São os estudos acadêmicos de Marcos Cintra (professor da FGV e atual secretário especial da Receita Federal). Essa é a fonte desde que apresentei, em 1993, a proposta de Imposto Único (no Congresso). Naquela época, 1% de alíquota única dava conta de compensar a arrecadação e também os gastos com a Previdência. Estamos, agora, em outro momento.
A proposta é de uma alíquota de 2,5%, mas há quem acredite que o número é subestimado. Como saber se a conta fecha?
A ideia é fazer a implementação gradual, pois não sabemos qual é o ponto de inflexão desse imposto no cenário brasileiro atual. Ele já foi testado com alíquota de 0,38%, chegando a arrecadar 1,6% do PIB. Com essa implementação gradual, se aparecerem sinais apontados pelos nossos críticos – como as pessoas usarem malas de dinheiro ou as cadeias produtivas integrarem seus fornecedores –, poderemos ao menos substituir os impostos que geram mais distorções, como a contribuição social sobre folha de pagamento e PIS/Cofins. Segundo o professor Marcos Cintra, com uma alíquota de 1% já seria possível ter quase um Imposto Único na esfera federal.
O sr. diz que o Imposto Único chega a 100% da economia, mas ele afeta da mesma maneira quem ganha R$ 1.000 e quem ganha R$ 100 mil por mês…
Pelo menos saímos do sistema fortemente regressivo de hoje, que esconde os impostos nos preços dos produtos e é particularmente perverso com os mais pobres. Um trabalhador que ganha um salário mínimo provavelmente gasta 100% da renda em consumo. Como 40% dos preços dos produtos são impostos, esse trabalhador está gastando 40% do seu salário em impostos. Alguém muito rico, que poupa boa parte da renda, paga os 40% só sobre uma parte do seu dinheiro. Um sistema neutro já seria uma evolução.
Outra crítica é que, com a tributação sobre operação financeira, uma empresa vai pagar mais imposto do que juros ao pedir empréstimo. Não seria um peso para o setor produtivo?
É por isso que vamos testar as alíquotas de forma gradual. Hoje, por exemplo, um pequeno lojista aceita pagar uma taxa de 3% ou 4% para ter acesso a um sistema moderno de pagamentos. No caso do imposto, é a mesma coisa: ele fica protegido da sonegação se o custo de fugir dele é maior do que o de pagá-lo. Imagine o custo que seria monetizar a economia como ela é hoje.
Tanto o governo federal quanto o Congresso já abraçaram propostas que divergem do texto do Brasil 200. O que o grupo fará para mudar isso?
É a nossa oportunidade para mostrar as fragilidades das outras propostas. A ideia de um IVA que cobra a mesma alíquota de um restaurante e da indústria automobilística não faz sentido – isso porque a primeira é mais vulnerável e a segunda, mais blindada. Pegue a cadeia têxtil: muitos Estados reduziram a carga tributária de ICMS para 12%. O Rio de Janeiro acabou de cortar o tributo para restaurantes para 4%. É irreal a mesma carga tributária para automóvel e restaurante.
Por quê?
Porque vamos empurrar parte dos setores maciçamente para a informalidade. O sistema tributário brasileiro foi um lento aprendizado para descobrir onde estava o ponto máximo de eficiência (e a alíquota máxima de imposto) de cada cadeia. Mesmo dentro de setores há diferença. Em bebidas, uma gigante como a Ambev aguenta uma carga grande. Já o elo vizinho, o do varejo, é absolutamente vulnerável. Tivemos grande formalização da economia entre 2003 e 2013. Isso foi puxado pela substituição tributária, que desobrigou as autoridades de fiscalizarem milhões de botequins e trouxe isso para um contribuinte substituto. Imagine reverter isso.
Isso, na sua visão, complicaria a arrecadação?
Em vez de obrigar o Estado a fiscalizar a Nestlé, a BRF ou a Ambev, teremos de fiscalizar um mercado em Santana do Seridó, no Rio Grande do Norte, que vende produtos dessas empresas. A reforma que está no Congresso fala em simplificação. Mas não há simplificação. Isso é uma aventura, coisa de gente que está a anos-luz do balcão. Dói nos ouvidos de um varejista essa proposta de um IVA com uma alíquota única.