Motoristas de apps rechaçam sindicatos, criticam hora mínima e pedem transparência
Projeto de lei de regulamentação da categoria prevê piso de remuneração, contribuição ao INSS e sindicalização
- Data: 01/05/2024 11:05
- Alterado: 01/05/2024 11:05
- Autor: Redação
- Fonte: Cristiane Gercina e Paulo Ricardo Martins/Folhapress
Crédito:Rovena Rosa/Agência Brasil
Motoristas de aplicativos que transportam passageiros são contra a possibilidade de sindicalização que consta no projeto de regulamentação da categoria. A proposta foi enviada à Câmara no início de março.
Os profissionais também discordam do valor mínimo, de R$ 32,10 a cada hora de trabalho. Cobram ainda maior transparência das empresas quanto aos valores arrecadados e pagos a eles.
O debate em torno de regras para os aplicativos esteve entre os pontos da campanha de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em 2022. O tema apareceu no discurso do presidente no 1º de Maio de 2023.
No entanto, há resistências ao projeto de lei elaborado após dez meses de tratativas entre motoristas, empesas e representantes do Palácio do Planalto.
Não houve consenso com as empresas e os trabalhadores das chamadas duas rodas. Os motoboys ficaram fora da regulamentação.
Além disso, a urgência para o projeto do setor chamado quatro rodas, que transporta passageiros, foi retirada pelo ministro Luiz Marinho (Trabalho), após críticas na Câmara.
Agora, a relatoria é do deputado Augusto Coutinho (Republicamos-PE), e o texto deverá ser apresentado até 20 de maio.
Na terça-feira (6), ele deve se reunir com líderes dos motoristas e representantes das empresas. Depois, Coutinho seguirá em agendas com o governo.
O deputado diz que tenta entender questões ligadas à contribuição previdenciária, quer buscar uma forma de ampliar a transparência de informações das empresas e afirma que deve debater com profundidade a questão sindical.
Segundo ele, outro ponto que não agrada a categoria é o valor a ser pago. Os motoristas defendem o pagamento ao menos do dobro do que está proposto.
O medo é que o chamado piso mínimo, que garantiria remuneração mensal de ao menos o salário mínimo de R$ 1.412, torne-se o máximo.
Sobre os sindicatos, Coutinho diz ser contra qualquer obrigatoriedade.
“Não acho que obrigatoriedade não seja bom, mas espero que os sindicatos de fato sejam representativos para a classe. No projeto, está obrigando, mas é um assunto que preciso entender tecnicamente, ouvindo, para preparar o relatório”, afirma.
O texto, porém, não contém dispositivo que exija a sindicalização. Há a previsão de que a categoria seja representada por sindicato para negociações após a regulamentação, o que parte dos profissionais rejeita.
Daniel Piccinato, dono do canal Uber 24 Horas, diz que os sindicatos negociam em benefício próprio e não escutam os trabalhadores da categoria.
Além disso, segundo ele, com a previsão de contribuição pelas empresas para a aposentadoria dos motoristas, o custo pode ser repassado ao passageiro.
“O governo só está pensando em recolher imposto. Eles enchem o bolso de dinheiro, o sindicato ganha a parte dele, o motorista vai ganhar a mesma coisa ou menos, e o passageiro paga mais caro”, afirma.
O projeto prevê que o trabalhador contribua para o INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) com uma alíquota de 7,5% sobre a renda bruta. As empresas terão de pagar 20% sobre a renda.
Motorista de aplicativo ouvido pela reportagem, Rosemar Pereira diz que a presença de sindicatos nas discussões da categoria é recente e não contempla negociações e manifestações mais antigas dos profissionais.
“Nós estamos na rua já desde 2014, nunca houve sindicato fazendo algo por mim nem pela minha categoria. Os caras caíram de paraquedas”, diz ele, que reclama de qualquer possibilidade de pagamento de taxas para entidades.
Os profissionais se queixam ainda de questões relacionadas à segurança e de falsas denúncias de passageiros, que podem bloqueá-los nos aplicativos. São temas que ficaram fora do projeto de lei.
Argumentam também que os motoristas de aplicativos já costumam ganhar, por hora, mais do que a quantia proposta.
O projeto considera, para o cálculo, o período entre a aceitação da viagem pelo motorista e a chegada do usuário ao destino. Do total, R$ 8,03 serão como remuneração pelos serviços prestados e R$ 24,07 serão para ressarcir custos com combustível, celular e o próprio veículo.
“Com R$ 8,03, se você for tomar uma água na rua, você volta para casa duro”, diz Pereira.
Procurada, a Amobitec (Associação Brasileira de Mobilidade e Tecnologia), que representa empresas como Uber e 99, mantém posicionamento anterior, de que é a favor do projeto, da proteção previdenciária dos motoristas e de que as empresas aceitam pagar sua parte referente ao INSS.
O QUE DIZ O PROJETO
CONTRIBUIÇÃO AO INSS
– Os motoristas de aplicativo cadastrados em empresas como Uber e 99 terão de contribuir com 7,5% sobre a renda bruta, que corresponderá a 25% dos ganhos. As empresas também terão de pagar contribuição, que será de 20% sobre a renda
– O governo calcula que a regulamentação poderá ter um impacto de R$ 280 milhões por mês na arrecadação; a estimativa é que empresas contribuam com R$ 203 milhões e trabalhadores, com R$ 79 milhões
– Para o INSS, a categoria será considerada contribuinte individual, com alíquota diferente das que existem hoje para os demais autônomos, em 11% no plano simplificado e 20% no plano normal
QUAIS DIREITOS GANHAM OS MOTORISTAS
– Aposentadoria Auxílio-doença Pensão por morte
O QUE RECEBEM SEM O PROJETO
– Na informalidade, a categoria não tem acesso a esses benefícios
– Há direito apenas ao BPC (Benefício de Proteção Continuada), pago pelo INSS para idosos e pessoas com deficiência considerados de baixa renda
PROFISSIONAL AUTÔNOMO
– O artigo 3º do projeto de lei estabelece que o trabalhador que presta o serviço de transporte remunerado privado individual de passageiros em veículo de quatro rodas será considerado “trabalhador autônomo por plataforma”
– Seus direitos serão regidos pela lei aprovada no Congresso
– A plataforma de tecnologia será considerada uma intermediadora entre o profissional e o passageiro
– Essa era uma reivindicação das empresas e de parte da categoria, em contraponto ao governo, que entendia haver, em alguns casos, o enquadramento na CLT (Consolidação das Leis do Trabalho)
– A lei, no entanto, deixa claro que o profissional precisa ter liberdade de trabalho: “Será regido por esta lei complementar sempre que prestar o serviço, desde que com plena liberdade para decidir sobre dias, horários e períodos em que se conectará ao aplicativo”
REMUNERAÇÃO MÍNIMA
– Remuneração mínima proporcional e equivalente ao salário mínimo, hoje em R$ 1.412
– Não significa, no entanto, que o profissional irá receber, ao final do mês, um salário mínimo; eles podem receber mais. Hoje, o valor médio é de R$ 5.000 mensais
– O valor mínimo da hora será de R$ 32,10; desse total, R$ 8,03 serão como remuneração pelos serviços prestados e R$ 24,07 serão para ressarcir custos com combustível, celular e o próprio veículo
JORNADA DE TRABALHO
12 horas diárias. Será considerada a hora trabalhada, ou seja, o período entre o aceite de uma viagem e o final dela
SINDICATOS
– Direito à associação sindical
– Empresas operadoras das plataformas também terão direito à associação
– Garantida a negociação salarial e de demais benefícios
– Não poderá ser feito acordo individual por trabalhador.
Dentre as atribuições dos sindicatos estão
– Negociação coletiva
– Celebração de acordo ou convenção coletiva
– Representação coletiva dos trabalhadores ou das empresas nas demandas judiciais e extrajudiciais de interesse da categoria
FISCALIZAÇÃO TRABALHISTA E TRANSPARÊNCIA
As empresas de aplicativo poderão ser fiscalizadas por:
– Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil
– Secretaria de Inspeção do Trabalho