Mortes de ciclistas sobem 64% em um ano na cidade de São Paulo
Óbitos passaram de 22 para 36 em um ano na capital. Alta pode estar ligada a comportamento de risco e a serviços de entrega. Já no ABC o número de vítimas fatais triplicou
- Data: 22/01/2020 07:01
- Alterado: 22/01/2020 07:01
- Autor: Redação ABCdoABC
- Fonte: Estadão Conteúdo
Crédito:Reprodução
O número de ciclistas mortos no trânsito da cidade de São Paulo subiu 63,6% em 2019, segundo dados do Sistema de Informações Gerenciais de Acidentes de Trânsito de São Paulo (Infosiga). Para especialistas, a alta pode estar ligada a comportamento de risco de usuários de bicicleta e também ao aumento de serviços de entrega por bike.
O Infosiga, plataforma virtual do governo do Estado de São Paulo, aponta que 36 ciclistas morreram na capital paulista no ano passado. Em 2018, foram 22. O aumento expressivo contrasta com o quadro geral da cidade, que registrou ligeiro recuo de 1,5% nas mortes no trânsito. Ao todo, foram 874 óbitos – ou uma ocorrência a cada dez horas -, ante 888 vítimas no ano anterior.
Especialistas de trânsito afirmam que o aumento do uso de bicicletas e o comportamento de parte dos ciclistas podem ajudar a explicar a alta.
“Uma hipótese é que eles estejam se colocando mais em risco, talvez em função de aplicativos”, diz o engenheiro de tráfego e consultor Horácio Augusto Figueira. “Para ter certeza, é preciso ter acesso a dados mais qualificados.”
Para Figueira, a cidade deveria oferecer mais ações educativas voltadas para o grupo, além de fiscalização.
“Não há carta de habilitação para bicicleta, então muitos não têm noção de risco e não respeitam as regras de trânsito”, afirma. “Tem de espalhar uma série de placas educativas, uma em cada esquina.”
Diretor-presidente do Observatório Nacional de Segurança Viária, José Aurélio Ramalho também diz ser necessário investir em educação de trânsito. “Há muita ciclovia e ciclofaixa na cidade, ou seja, foi oferecida infraestrutura”, diz. “Mas em nenhum momento alguém chegou e falou: ‘Tem de respeitar a lei de trânsito’.”
“O cidadão não sabe as regras. Muitas vezes, tem medo de andar na rua e vai pedalar em cima da calçada ou na contramão. Isso é mais perigoso para ele e para os demais”, acrescenta ele.
Na visão de Ramalho, falta desenvolver “percepção de risco” no trânsito de São Paulo – e não só para bicicletas. “Enquanto ele não perceber que corre perigo, não vai mudar.”
No ABC paulista o número de vítimas fatais no modal bicicleta quase triplicou, passando de quatro em 2018 para onze em 2019 de acordo com o Infosiga. Já no modal motocicleta, o crescimento no mesmo período foi de perto de 56%, passando de 59 para 92 o número de vítimas fatais. Houve uma redução de quase 5% no número de vítimas de atropelamento, passando de 85 para 80 no mesmo período.
MODAIS
Entre as categorias de vítimas, houve queda de 13,8% no índice de óbitos de motociclistas. Foram registradas 311 ocorrências em 2019, ante 361 no ano anterior.
Já os dados relacionados a pedestres, o principal grupo de vítimas, e pessoas em automóveis praticamente ficaram estáveis. No primeiro, houve 1,8% de registros a mais em São Paulo (de 374 para 381). No outro, o comportamento se inverteu: 1,8% a menos (de 108 para 106).
Por sua vez, os óbitos em caminhão subiram de 2 para 15.
“Não há nada a comemorar nos índices da cidade”, diz Ramalho. “São Paulo precisa de uma política pública clara, não de governo ou de partido, que indique qual vai ser a redução em determinado período e o que vai ser feito para isso.”
MUDANÇAS
Questionada sobre os números do trânsito, a Prefeitura destacou o lançamento, em dezembro, do novo Plano Cicloviário da cidade, que prevê a criação de 173 quilômetros de ciclovia e 310 quilômetros de reformas e melhorias na malha já existente.
A gestão do prefeito Bruno Covas (PSDB) disse que os dados do Infosiga contribuem para a análise dos registros de acidentes na capital. Os dados levam a medidas para redução de ocorrências graves e mortes no trânsito, completou a administração municipal.
“A mudança de comportamento e o respeito às leis de trânsito salvam vidas e reduzem acidentes. Por isso, no fim de novembro, a Prefeitura lançou o Movimento pela Vida Segura no Trânsito – Hoje Não! Trata-se de uma extensa campanha sobre segurança viária”, informou, em nota.
A Rappi disse que a segurança dos entregadores parceiros é “primordial” para a empresa.
“A Rappi orienta que seus parceiros observem as regras de trânsito e usem materiais de proteção pessoal, além de enviar constantemente dicas de segurança a eles”, disse, em nota.
A empresa afirmou ter desenvolvido o botão de emergência que pode ser acionado em caso de acidentes, por exemplo.
O iFood afirmou que é preciso evitar conclusões precipitadas sobre a relação de acidentes com a atividade de entregadores.
“Levando em conta que segundo o relatório cerca de 70% dos óbitos de ciclistas estão concentrados em pessoas com mais de 30 anos e a média de idade dos entregadores cadastrados na plataforma é de 21 anos, fica evidente que os dados devem ser aprofundados para evitar conclusões precipitadas.”
O iFood disse ainda desenvolver ações sobre a importância dos equipamentos de segurança e o respeito às leis de trânsito.
A Uber Eats não comentou os dados.
ENTREGADORES RECLAMAM DE MOTORISTAS E DE APPS
A calçada do McDonald’s da Avenida Ipiranga, no centro de São Paulo, fica frequentemente cheia de bicicletas de entregadores que aguardam pedidos vindos da região ao longo do dia. É uma base informal para eles, que reclamam da falta de apoio.
Nas ruas, nenhum respeito vem dos motoristas ou motociclistas, que não mantêm uma distância mínima de segurança e colocam a vida de todos em risco, segundo relatam. Nas calçadas, onde passam a andar como alternativa, tampouco são bem recebidos pelos pedestres. E, em acidentes, afirmam não receber apoio das empresas de aplicativo.
O grupo de Ítalo Thiago Costa, de 26 anos, esperava na tarde desta terça-feira, 21, o início do horário de pico, quando os pedidos chegam com mais frequência. A insegurança ao andar pelas ruas, diz, é comum. Ao subir a Rua Augusta recentemente, ele se envolveu em uma briga com um taxista que parou abruptamente na sua frente e abriu a porta.
“E ele falou que eu estava errado em andar na rua. Não tem ciclovia lá. O que vou fazer?”
Os motoristas dividem com os aplicativos o foco das reclamações de Costa. Para ele, as empresas também poderiam fornecer aos entregadores equipamentos de segurança como capacete e luzes de alerta para as bicicletas.
“Eles só nos fornecem a bag (mochila usada nas entregas) e um carregador portátil para o celular. Ou seja, nos querem na rua trabalhando o dia todo, mas não estão dispostos a nos oferecer o mínimo de apoio”, conta ele.
O entregador Rafael Tavares Silva, de 27 anos, sentiu na pele na semana passada a falta de apoio e a insegurança no trânsito. Fazendo uma entrega na Rua Japurá, na Bela Vista (região central), sofreu um acidente que deixou ferimentos em seu rosto e no ombro, além de um dente quebrado. Ele diz não se lembrar exatamente das circunstâncias da queda que o levou ao hospital por causa da pancada na cabeça. Apesar do trauma, Silva quer voltar o quanto antes a trabalhar.
“Tenho contas para pagar”, resume.
A bicicleta que usava para trabalhar era emprestada depois que a dele foi roubada durante uma entrega. Foi o primo, Willian Rodrigues, de 24 anos, quem pegou para ajeitá-la. Rodrigues, que também é entregador de aplicativo, cobra mais educação no trânsito.
“Às vezes, nem na ciclovia há respeito”, diz Rodrigues.