Moro anuncia demissão e acusa Bolsonaro de interferir na PF_x000D_

Ministro da Justiça e Segurança Pública Sérgio Moro chega para coletiva de imprensa onde deve anunciar sua saída do governo de Jair Bolsonaro

  • Data: 24/04/2020 12:04
  • Alterado: 22/08/2023 21:08
  • Autor: Redação ABCdoABC
  • Fonte: Estadão Conteúdo
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Moro faz discuso sobre saída do governo

Crédito:Reprodução/TV Globo

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Moro diz que lamenta a realização da coletiva. “Estamos passando por uma pandemia. Busquei evitar que isso acontecesse. Foi inevitável. Peço a compreensão pela circunstância” e lembra que antes de assumir o cargo, foi juiz federal. “Tive diversos casos relevantes, em particular a operação Lava Jato, que mudou o patamar de combate à corrupção no País.”

“Desde 2014, na Lava Jato, sempre tive preocupação com a interferência do Executivo na investigação, como na troca de diretor-geral e troca de superintendente. Foi garantida a autonomia da Polícia Federal durante as investigações. O governo da época (Dilma Rousseff, PT) tinha inúmeros defeitos, crimes de corrupção, mas foi fundamental a manutenção da autonomia da PF para que fosse realizado o trabalho. Num domingo qualquer, lembro que Valeixo recebeu uma ordem de soltura ilegal do ex-presidente Lula, condenado por corrupção e preso, emitida por um juiz incompetente. Foi graças a autonomia de Valeixo que ele comunicou as autoridades e foi possível rever a ordem.

“No fim de 2018, recebi convite de Bolsonaro, recém-eleito. Fui convidado a ser ministro da Justiça e Segurança Pública. Foi conversado que teríamos o compromisso com o combate à corrupção, crime organizado e criminalidade violenta. Foi-me prometido carta branca para nomear todos os assessores como a PRF e a PF.”

“Na ocasião, foi divulgado equivocadamente que eu teria estabelecido como condição uma indicação ao STF. Isso nunca aconteceu. Minha ideia era buscar no Executivo um aprofundamento do combate à corrupção e levar efetividade contra o crime organizado. A única condição que coloquei, que revelo agora, foi que como eu estava abandonando minha carreira de 22 anos da magistratura e de contribuição, pedi que se algo me acontecesse, que minha família não ficasse desamparada sem pensão. Foi a única condição que coloquei para assumir a posição no Ministério. O presidente concordou com todas as condições. Falou que me daria carta branca. Aceitei com o intento de fazer com que as coisas evoluíssem. Na época, minha avaliação é que o aceite tinha sido bem aceito pela sociedade.”

“Dentro do ministério, a palavra norte tem sido integração. Atuamos próximos das forças de segurança estaduais e até municipais. Trabalhamos duro contra a criminalidade organizada. Não houve um combate tão efetivo como nesta gestão. Trabalhamos com os governos estaduais, não contra. Tivemos recordes de apreensão de drogas, destruição de maconha, números expressivos de apreensão de produtos do crime. No momento, o ministério está voltado ao enfrentamento da pandemia”.

“Tivemos o projeto de lei anticrime que poderia ter avanços maiores, mas não foi aprovado na totalidade. Ainda assim, foi um grande passo

Enquanto o Coaf esteve na Justiça – e eu não pedi que viesse -, nós o fortalecemos. Isso é positivo. Fizemos uma campanha motivacional sobre fazer a coisa certa sempre. Conseguimos resultados expressivos. Tivemos uma redução expressiva da criminalidade. Já tinha uma queda, mas em 2019 foi uma queda sem precedentes. Menos 19% de assassinatos. Em todo este período, tive apoio do presidente em vários desses projetos, outros nem tanto. Mas a partir do segundo semestre do ano passado, passou a haver uma insistência na troca do comando da PF.”

“Houve primeiro um desejo de trocar um superintendente no Rio. Não havia motivo. Conversando com ele, ele queria sair do cargo por questões pessoais. Acabamos concordando, eu e o diretor-geral, em fazer esta troca. Eu não indico superintendentes da PF. A única pessoa que indiquei foi Valeixo. Não é meu papel indicar superintendentes. Assim tem sido no Ministério. Tenho dado autonomia ao pessoal que trabalha comigo para que eles façam as melhores escolhas. Eu escolhi o diretor-geral da PRF tecnicamente. O que não é aceitável são indicações políticas. Quando se começa a preencher cargos técnicos por questões políticas, o resultado não é bom.”

Presidente passou a insistir na troca do diretor-geral (Valeixo). Eu falei para ele que precisava de uma causa, como erro grave, insuficiência de desempenho. Mas o que eu via era um trabalho bem feito. Ano passado ficamos quatro meses sem poder movimentar inquéritos envolvendo lavagem de dinheiro. Mas o trabalho vinha sendo feito.

“Não é uma questão do nome. Tem outros bons nomes para assumir o cargo de diretor-feral da PF. O grande problema da troca é uma violação de promessa que foi feita a mim, de carta branca. Não teria causa e seria uma interferência política na PF. Isso geraria um abalo de credibilidade. Não minha, mas minha também, e do governo. Geraria desorganização. Não aconteceu durante a Lava Jato, a despeito dos problemas de corrupção dos governos anteriores. “

“O problema é que nas conversas com o presidente, havia intenção de trocar também superintendentes. Não só o diretor-geral. No Rio, em Pernambuco, sem que me fosse apresentado uma razão ou uma causa para essas substituições. Dialoguei muito com o presidente. Busquei postergar as decisões. Pensei que poderia ser alterado, mas percebi que seria um grande equívoco. Ontem (quinta), conversei e houve insistência do presidente. Falei que seria interferência política e ele disse que seria mesmo. Dialoguei muito com o presidente. Busquei postergar as decisões. Pensei que poderia ser alterado, mas percebi que seria um grande equívoco. Ontem (quinta), conversei e houve insistência do presidente. Falei que seria interferência política e ele disse que seria mesmo”.

Foi ventilado um delegado que passou mais tempo no Congresso do que na PF. Foi sugerido o atual diretor da Abin. O grande problema é que não é tanto quem colocar, mas por que trocar e permitir a interferência política na PF

Para evitar crise durante a pandemia, eu sinalizei que vamos substituir Valeixo por alguém com perfil técnico e que fosse uma sugestão minha. Nem minha, da própria, PF. Mas não obtive resposta. Ele tem a preferência por alguns nomes da indicação dele. Não sei qual vai ser a escolha. O presidente disse que queria alguém do contato pessoal dele, para ligar, colher informações, colher relatórios de inteligência. Não é o papel da PF prestar esse tipo de investigação. Imagine se na Lava Jato ministros e presidentes ficassem ligando para o superintendente em Curitiba para colher informações. A autonomia é um valor fundamental dentro do Estado de Direito. O presidente me disse isso expressamente. Mas é algo que realmente eu não entendi como apropriado”.

“Há uma possibilidade que se afirma que o Valeixo gostaria de sair, mas isso não é totalmente verdadeiro. O ápice da carreira de um delegado da PF é a direção-geral. Ele entrou com uma missão. Claro que depois de tantas pressões para que ele saísse, até ele achou que talvez fosse melhor ele sair, nunca voluntariamente. O presidente também me informou que tinha preocupação com inquéritos em curso no STF e que a troca também seria oportuna por este motivo. Também não é razão que justifique a troca. Gera uma grande preocupação”.

“Fui surpreendido. Achei que foi ofensivo. Não houve exoneração a pedido”.

Eu tive outras divergências com o presidente, tive convergências. Como ministro, tenho que preservar a questão da hierarquia. Meu entendimento foi que eu não tinha como aceitar a substituição. Há uma questão envolvida na minha biografia. Eu respeito a lei, a impessoalidade no trato das coisas do governo. Vivenciei isso na Lava Jato. Não me senti confortável. Tenho que preservar minha biografia e o compromisso que assumi inicialmente com o próprio presidente que seríamos firmes. Um pressuposto para isso é que nós temos que garantir o respeito à Lei e à autonomia da PF contra interferências políticas.”

“Um pouco sobre o futuro: agradeço ao presidente a nomeação que foi feita lá atrás. Fui fiel ao compromisso e estou sendo fiel agora. No futuro, vou voltar a empacotar minhas coisas e vou providenciar minha carta de demissão

O presidente é quem indica, mas ele assumiu compromisso que eu faria a escolha e uma troca aconteceria com causa consistente.”

“A PF vai resistir a qualquer espécie de interferência política. Que seja indicado alguém que não concorde trocar delegados por motivos não justificados

Espero que independentemente de minha saída, seja feita a escolha de um diretor-geral, talvez até a manutenção de Valeixo. Mas que seja feita uma escolha técnica sem interferências pessoais. Abandonei os 22 anos de magistratura. É um caminho sem volta, mas quando assumi (o cargo), sabia dos riscos. Vou descansar um pouco. Nesses 22 anos, tive muito trabalho. Não tive descanso durante a Lava Jata e no cargo de ministro. Vou procurar um emprego. Não enriqueci no serviço público. Quero dizer que independentemente de onde eu esteja, sempre vou estar à disposição do País para ajudar.”

Às 11:45 hs, Moro encerra seu discurso e recebe aplausos no Ministério da Justiça

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Crédito:Reprodução/TV Globo Moro faz discuso sobre saída do governo

  • Data: 24/04/2020 12:04
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