Lula diz que não terceiriza responsabilidade por queimadas e critica Musk em discurso na ONU
Presidente presta solidariedade a Cuba e Palestina, ignora deriva autoritária na Venezuela e volta a pedir reforma das Nações Unidas
- Data: 24/09/2024 18:09
- Alterado: 24/09/2024 18:09
- Autor: Redação
- Fonte: Ricardo Della Coletta e Marianna Holanda/Folhapress
Presidente Lula (PT)
Crédito:Ricardo Stuckert/PR
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) afirmou, na Assembleia-Geral da ONU nesta terça-feira (24), que seu governo não terceiriza responsabilidade pela onda de queimadas que assola o Brasil. Ele também usou o discurso para fazer uma crítica velada ao empresário Elon Musk, dono da rede social X, banida do Brasil por decisão do STF (Supremo Tribunal Federal).
“O negacionismo sucumbe ante as evidências do aquecimento global. 2024 caminha para ser o ano mais quente da história moderna. Furacões no Caribe, tufões na Ásia, secas e inundações na África e chuvas torrenciais na Europa deixam um rastro de mortes e de destruição”, disse Lula.
“No Sul do Brasil tivemos a maior enchente desde 1941. A Amazônia está atravessando a pior estiagem em 45 anos. Incêndios florestais se alastraram pelo país e já devoraram 5 milhões de hectares apenas no mês de agosto. O meu governo não terceiriza responsabilidades nem abdica da sua soberania”.
Em outro trecho de seu discurso, Lula fez uma referência a Musk, sem mencioná-lo nominalmente. “O futuro de nossa região [América Latina] passa, sobretudo, por construir um Estado sustentável, eficiente, inclusivo e que enfrenta todas as formas de discriminação. Que não se intimida ante indivíduos, corporações ou plataformas digitais que se julgam acima da lei”, declarou
“A liberdade é a primeira vítima de um mundo sem regras. Elementos essenciais da soberania incluem o direito de legislar, julgar disputas e fazer cumprir as regras dentro de seu território, incluindo o ambiente digital”.
Lula discursou na manhã desta terça na 79ªedição do encontro, em Nova York. Como é tradição, o presidente brasileiro foi o primeiro líder a falar, depois do secretário-geral da ONU, António Guterres, e do presidente da Assembleia-Geral, Philemon Yang (Camarões).
O pronunciamento do petista durou cerca de 19 minutos, quatro a mais do que o pedido pelo presidente da assembleia. Ao contrário do que ocorreu dois dias atrás, durante a Cúpula do Futuro, ele não teve o microfone cortado quando excedeu o tempo.
Lula abordou em seu discurso as guerras na Ucrânia e em Gaza. No caso do Leste Europeu, ele divulgou a iniciativa que seu assessor internacional, Celso Amorim, e o regime chinês impulsam conjuntamente para tentar estabelecer um processo de paz -a proposta é rejeitada pelo presidente ucraniano, Volodimir Zelenski.
“Criar condições para a retomada do diálogo direto entre as partes é crucial neste momento. Essa é a mensagem do entendimento de seis pontos que China e Brasil oferecem para que se instale um processo de diálogo e o fim das hostilidades”, afirmou.
No caso do Oriente Médio, ele criticou ações de Israel e disse que o que começou com um ato terrorista se tornou “punição coletiva de todo o povo palestino”.
“O direito de defesa transformou-se no direito de vingança, que impede um acordo para a liberação de reféns e adia o cessar-fogo”, disse. No início de sua fala, Lula fez um cumprimento especial à delegação palestina e foi aplaudido.
Lula também prestou solidariedade a Cuba e criticou as sanções unilaterais impostas pelos Estados Unidos contra a ilha. Mas não fez qualquer menção à deriva autoritária na Venezuela. O ditador Nicolás Maduro é aliado histórico do petista, mas os dois têm se distanciado na medida em que o chavista aprofunda a repressão contra adversários no país vizinho.
O presidente brasileiro usou a parte final de sua fala para defender uma ampla reforma das instituições globais de governança, principalmente da ONU e do seu Conselho de Segurança -uma demanda histórica da diplomacia brasileira. Lula defendeu mudanças no colegiado que envolvam sua composição, métodos de trabalho e o direito de veto.
“A exclusão da América Latina e da África de assentos permanentes no Conselho de Segurança é um eco inaceitável de práticas de dominação do passado colonial”, afirmou o presidente.
Lula discursou no mesmo plenário da Assembleia-Geral no domingo (22), durante a Cúpula do Futuro. O evento foi iniciativa de Guterres, que tenta construir um legado diante dos questionamentos sofridos pela entidade. Durante a cúpula, Lula disse que o atual ritmo de implementação das metas de desenvolvimento sustentável acordadas pela ONU caminha para ser um fracasso coletivo.
A fala do presidente na Assembleia-Geral da ONU ocorre num momento em que o governo federal é pressionado por graves incêndios em diferentes biomas.
Brasil enfrenta a maior estiagem já registrada, com recordes de incêndios, cidades sob fumaça e rios com baixo volume de água ou em níveis desérticos. Além da repercussão internacional, o tema virou um problema de política interna para Lula, com governadores da oposição cobrando uma maior atuação na esfera federal.
A pauta do meio ambiente ganhou um contexto ainda mais central na agenda internacional de Lula uma vez que o país presidirá, no ano que vem, a conferência do clima da ONU – a COP30.
A reforma da governança global, por sua vez, é o principal tema de participação do chefe do Executivo na Assembleia-Geral deste ano. Lula participa pela nona vez do encontro das Nações Unidas.
O argumento da diplomacia brasileira é que as estruturas atuais, muitas desenhadas no pós-guerra, não refletem a atual geopolítica internacional.
Em seu pronunciamento em 2023, Lula falou sobre inclusão social, combate à fome e proteção ao ambiente -em particular a defesa da soberania e da preservação da Amazônia. O pronunciamento do ano passado foi desenhado para transmitir a mensagem de que o Brasil estava de volta à arena internacional depois de quatro anos de isolamento do bolsonarismo.