Lugar de fazer morada – Correspondência entre duas amigas que se abrigam nas palavras

Livro publicado pela editora mapa lab traz cartas trocadas ao longo da pandemia entre as jornalistas Carolina Delboni e Juliana Pinheiro Mota

  • Data: 08/02/2022 15:02
  • Alterado: 17/08/2023 09:08
  • Autor: Redação
  • Fonte: Mapa lab
Lugar de fazer morada – Correspondência entre duas amigas que se abrigam nas palavras

Lugar de fazer morada

Crédito:Divulgação

Você está em:

As jornalistas Carolina Delboni e Juliana Pinheiro Mota criaram um modo peculiar de trocar mensagens de otimismo, mesmo que na marra, que refletissem sobre o passado, presente e futuro ao longo dos impactos do isolamento da pandemia da COVID-19 em uma São Paulo que havia se transformado em silêncio. Um silêncio povoado de essência e expectativas acolhido pelo pensamento.

A carta que dá início à troca de diálogos foi escrita em 17 de junho de 2020, momento em que o número de mortes pela pandemia batia a casa dos 59 mil e continuava a crescer e a assustar. Assinada por Juliana, o texto era uma resposta a uma postagem que Carolina havia feito dias antes. Juliana avisou ao enviar a carta em forma de post: “Carol, escrevi uma carta para você”.

Começava assim uma série de 22 correspondências que aconteceu por meio virtual, por vezes de forma fragmentada, e que agora ganha edição impressa com algumas cartas inéditas e outras publicadas na íntegra. E como o papel ainda se faz lugar de morada de muitos jornalistas e dos veículos de imprensa que resistem ao mundo digital, surgiu a iniciativa de colocar as correspondências em um livro impresso editado pela mapalab com ilustrações bordadas por Juliana Suassuna e prefácio de Aurea Vieira, filósofa e gerente de Relações Internacionais do Sesc.

Nesse exercício diário de aquietar a alma, as duas jornalistas escreviam inicialmente em seus perfis de Instagram e sem um destinatário específico até entenderem que estavam nesse bailado de duas, compartilhando palavras ora animadas, ora entristecidas, evocando a ternura de quando se correspondiam com seus avós, familiares e amigos por cartas escritas à mão e postadas nas agências dos Correios durante a infância e adolescência. “Esse tipo de sensação a gente não esquece — mesmo que, agora, a coisa toda tenha acontecido sem o encantamento do mundo analógico e sob a perspectiva de um exílio pandêmico. Algumas pessoas escolheram as plantas, a meditação… Cada um criou uma forma de abrigo. Nosso abrigo foi a palavra”, afirma Carolina.

Por sua vez, Juliana conta que a amizade com a colega surgiu dessa possibilidade atualizada pela digitalização do dia a dia. “Nós não éramos próximas, não. Era somente a profissão de jornalista em comum mesmo. De um ano para cá, encaixamos ideias e sentimentos em cartas publicadas dentro de telas iluminadas para justamente compartilhá-las com o mundo lá fora. As redes sociais foram o nosso ponto de encontro — ou, melhor, reencontro”, diz.

AS CARTAS COMO REGISTRO DE UM TEMPO

“Saber que tem alguém do lado de lá para receber — e escutar — os barulhos e silêncios que a gente carrega é uma das funções poéticas que as cartas portam em sua forma. Nem sempre precisam de uma resposta imediata, mas tem de ter alguém que as receba. Endereçar o que a gente sente a alguém é de uma grandeza tamanha que só poderia mesmo caber na delicadeza do papel. Está aí uma das coisas que mais me capta nas cartas: elas só existem porque existe um destinatário. É o único gênero da literatura que revela quem está do lado de lá”, afirma Carolina.

Ao longo das cartas escritas entre junho de 2020 e maio de 2021 o leitor poderá acompanhar rotinas e pensamentos profundos, poéticos e outros mais banais, ordinários como a vida, e alguns até cômicos. Em uma passagem, por exemplo, enquanto uma narrava sobre a pia de sua família, sempre com trezentos copos para lavar e convidava os leitores a entrar e reparar a bagunça, a outra contava sobre como a dança andava salvando seus dias sozinha com uma criança pequena e sobre como incentivava a audiência com jogos de palavras como “Mudança” e a hashtag mote #danceatéopulmãoinflar.

Em seu prefácio, Aurea Vieira ressalta: “Carolina Delboni e Juliana Pinheiro Mota foram inundadas de esperança, uniram-se na escribomancia particular já tendo o desejo que a amizade epistolar fosse lida por mais gentes, assim, numa tentativa de aglomerar as mentes das pessoas pelo diálogo distante e fazer valer a linguagem da empatia. Essas verdades soltas em um abismo cibernético chegaram em boa hora em novos leitores atentos, amigos inesperados, olhos complacentes, videoconferências desgastadas, semanas esmaecidas, tardes animadas e arroubos de otimismo. Portanto, essas mensagens privadas que já nasceram abertas são um esteio à saúde mental, uma teimosia benéfica, são inquestionável resistência que procura o bem-estar comum, uma perseverança em não deixar esmorecer a convicção no mundo encorajando a amizade, a auto-estima, o bem-querer.Essas linhas de vidas femininas não procuram esconder as viscerais e fatigantes consequências trazidas por um flagelo que assolou o mundo, elas são plenas de destemor e, agora publicadas, querem ecoar, sair por aí, ir além, se juntar com quem mais suspirar…”.

Ao conceber este livro as autoras refletiram ainda mais sobre esse gênero literário e apuraram sobre essas facetas da escrita de cartas, sobre a importância histórica e literária das correspondências como registros de determinadas épocas, o que resultou em uma lista com 28 títulos de livros que mostram correspondências entre escritores e diários de pessoas célebres sugeridos na bibliografia.

O título ainda conta com texto de Ignácio de Loyola Brandão na quarta capa, que destaca: “Sem tirar o pé do chão, estas duas, escrevendo uma à outra, encontraram a maneira de resistir ao isolamento, às proibições, limitações e normas drásticas da pandemia. Com leveza, crueza e humor. Um dos belos livros deste ano”.

TRECHOS:

“Existe um consciente imaginário de que é um gênero lírico, poético, mais sensível e capaz de encorajar uma conversa delicada, pausada e verdadeira. Fico pensando se as cartas nasceram desta vontade, do desejo de estabelecer um lugar onde tudo pudesse ser dito de maneira que os sentimentos incutidos nas palavras fossem preservados e assegurados. Onde mais a gente pode falar em segredo? Com privacidade. Cartas me soam confiáveis.” – Carolina Delboni

Escrever uma carta é ter um rompante. Tantas vezes a escrita sai pelos nossos dedos, seja escrevendo à mão, seja clicando nos teclados e telas, sem muito elaborarmos. Deixamo-nos à deriva num fluxo de consciência, na maioria das vezes com as emoções gritando alto. Narramos m compêndio do universo que observamos ao nosso redor — e o deixamos ali exposto, em carne viva, ao olhar (e, sobretudo, à resposta) do outro, do destinatário. Ou no plural, dos outros, dos destinatários.” – Juliana Pinheiro Mota

Compartilhar:

  • Data: 08/02/2022 03:02
  • Alterado:17/08/2023 09:08
  • Autor: Redação
  • Fonte: Mapa lab









Copyright © 2024 - Portal ABC do ABC - Todos os direitos reservados