Juventude Negra: Viva Sim, Encarcerada Não
Atividade organizada pela Coordenadoria de Políticas Públicas da Juventude de Diadema convidou a população para debater este tema e marcar dia municipal de luta
- Data: 29/06/2023 16:06
- Alterado: 29/06/2023 16:06
- Autor: Redação
- Fonte: PMD
Atividade organizada pela Coordenadoria de Políticas Públicas da Juventude de Diadema convidou a população para debater este tema e marcar dia municipal de luta
Crédito:Mauro Pedroso
Em 2022, foi instituído no município de Diadema o Dia de Luta Contra o Encarceramento da Juventude Negra, por meio da Lei 4.263/2022, de autoria do Vereador Josa Queiroz. O dia de luta foi oficializado como sendo o dia 20 de junho, dia da detenção de Rafael Braga Vieira, no Rio de Janeiro, durante a dispersão de um dos atos de 2013. Assim, Diadema passou a ser a única cidade do país com uma lei que garante o debate e a reflexão sobre por que os jovens negros são encarcerados no Brasil.
Na última sexta-feira (23), cerca de 50 pessoas, em sua maioria jovens negros e negras, reuniram-se no Centro de Formação Carlos Kopcak para marcar a data pela primeira vez, em uma atividade promovida pela Coordenadoria de Políticas Públicas da Juventude (CPPJ), ligada à Secretaria de Governo.
“Rafael Braga se encontrava em situação de rua na época, trabalhando como catador de material reciclável, e carregava consigo duas garrafas de plástico, uma com desinfetante e outra com Pinho Sol, mas foi acusado de portar material explosivo para a confecção de coquetéis molotov,” abriu os debates a coordenadora de Juventude Rafaela Boani. “Rafael foi julgado e condenado em tempo recorde, servindo como bode expiatório para as manifestações que aconteciam à época. Por ser preto e pobre, Rafael foi alvo fácil para o judiciário racista. Daí o tema da nossa ação: Juventude Negra – Viva Sim, Encarcerada Não. Por que jovens negros ainda são maioria nas cadeias?”
“Essa é uma discussão muito importante, pois vemos que nossos corpos não valem nada para a sociedade, a não ser para o sistema prisional. Aí vale,” comentou a coordenadora de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, Márcia Damaceno, tomando a palavra. “A gente sabe que interessa também ao capitalismo a prisão da juventude negra e é por isso que precisamos discutir em todos os espaços a questão do racismo, do patriarcado, das classes sociais… e também a questão da mulher preta. Essas mães, tias, avós que quando um jovem é preso, passam por várias humilhações em delegacias, audiências, visitas a presídios e IMLs, em busca dos corpos de seus filhos. Quando o movimento social diz que vidas negras importam, é a isso que estamos nos referindo. Como diz Conceição Evaristo, ‘Combinaram de nos matar. Mas nós estamos aqui combinando de quebrar esse sistema e resistir’. Axé.”
Os presentes ainda aplaudiam quando a representante do centro de formação, Evelyn Cristina Daniel, chegou ao microfone: “Esse é um espaço do Departamento de Educação Popular, que atua com o Adolescente Aprendiz. Que, por sua vez, é em sua maioria uma juventude preta, empobrecida e historicamente periférica. Oferecemos cursinhos gratuitos, uma política permanente de acesso ao Ensino Superior, justamente destinado a essa população. E aqui também é a sede do NERER (Núcleo de Educação para as Relações Étnico-Raciais), que coordena o Programa Diadema de Dandara e Piatã. Isso não é a toa. Diadema é a quarta maior cidade do Brasil em população negra. Nossos alunos estaduais são 66% negros, ou seja, pra cada aluno branco, são dois negros. Ou seja, mais do que pensar em conteúdo programático, nós estamos aqui todos os dias vivendo essa realidade. Trabalhando com vida – e com morte. Todos os dias. Pois o encarceramento em massa da juventude negra também é morte.”
O vereador Josa Queiroz, autor da lei, complementou: “Quando a gente ocupa um espaço é preciso saber qual é o nosso papel. O que a gente quer com esse espaço? O espaço institucional tem se tornado, já há algum tempo, um espaço de uso personalizado, de uso exclusivo de interesse de grupos muito próximos de quem está no comando. E como a juventude preta vai fazer essa disputa de poder no cárcere? Mais jovens negros presos, significa mais jovens negros afastados da discussão política, menos jovens negros discutindo a cidade e o país, menos jovens negros ocupando as vagas no mercado de trabalho. Ou seja, tem sim um processo perverso, articulado, pensado por uma elite que continua dominando esse país. Eu cresci na periferia de Diadema e convivi diariamente rodeado de pessoas pretas, pobres e periféricas. Já tomei muita dura da polícia. E era diferente o tratamento direcionado a mim, branco, e ao meu amigo preto. Nosso projeto é um projeto simples, mas que procura pautar a discussão. E é isso mesmo: do jeito que está sendo feito hoje, esse encarceramento é uma pena de morte. Não se ressocializa ninguém, infelizmente, nesse sistema carcerário. Uma vez detento, detento pro resto da vida. É pena de morte em vida. Não podemos mais permitir que isso aconteça, temos que ir na causa. E a causa está aqui, em nossa cidade, em nosso território, onde podemos fazer algo para resolver.”
“Esse é um tema que me deixa muito incomodada, com muita raiva. Porque eu sinto na pele,” confessou a vice-prefeita Patty Ferreira. “Por que a maioria dos assassinados, dos encarcerados são pretos e pardos? Por que a taxa de assassinatos de jovens pretos é três vezes maior que a de jovens brancos? Por que a cada 3 pessoas detidas, 2 são negras? Porque a gente ainda vive em um país racista. Onde todo mundo gosta de falar que o direito é pra todos, mas a gente vê esse direito se esvaindo pelos nossos dedos, todos os dias. Onde a bala perdida encontra só corpos negros. Mas não adianta só ter raiva. É preciso canalizar essa raiva para que ela vire, por exemplo, política pública. E eu me sinto grata por fazer parte de uma gestão que discute igualdade racial. Onde a gente senta pra discutir. Hoje até muitos pretos e pretas não entendem qual é a nossa luta, por que a gente está aqui. Por isso é importante um programa como o Dandara e Piatã, pra ensinar as crianças sobre seus ancestrais, para que essas crianças ensinem os pais. Pois não basta a gente não ser racista, é preciso ser antirracista. Porque nós somos os donos dessa terra.”
Para embasar a discussão, os presentes assistiram a uma exposição do pedagogo Adilson Fernandes de Souza, atualmente na Secretaria de Esportes e Lazer, mas que já atuou como Diretor de Promoção Humana na FUNAP, uma fundação vinculada ao sistema penal paulista, e como Diretor Técnico Estadual na Fundação Casa. “O que a gente quer é Justiça Social,” afirmou ele. “É alcançar esses direitos que são negados cada vez mais à população negra, sejam adultos ou jovens. E uma vez que o direito não é pra alguns, é para todos, é papel do Estado garantir esses direitos. Se alguém está em situação de vulnerabilidade, o Estado tem parte dessa culpa.”
Adilson fez um resgate histórico de toda a legislação de proteção ao “menor”, desde 1693, e como ela evoluiu muito pouco até a criação do Estatuto da Criança e do Adolescente, em 1990, além de explicar qual a diferença entre menores, crianças e adolescentes e entre crimes e atos infracionais. Ele também apresentou dados sobre o perfil dos adolescentes e jovens presos no sistema socioeducativo hoje.
Para a coordenadora Rafaela Boani, Diadema mais uma vez se mostra pioneira em ações que pensam em políticas públicas efetivas: “Fico feliz em fazer parte de uma gestão que não só trabalha para o jovem, mas que constrói com ele também. É necessário que todos os espaços e serviços tenham esse olhar.”