Juiz condena casal por manter doméstica 40 anos sem salário nem férias; ‘tome sua liberdade’

Mulher trabalhou desde os anos 1980 na residência de professor na Bahia em regime análogo à escravidão, sem carteira assinada e jornada diária superior a oito horas; acusados pegam quatro anos de prisão; defesa alegou ‘relação de afeto’

  • Data: 17/04/2024 12:04
  • Alterado: 17/04/2024 12:04
  • Autor: Redação
  • Fonte: Estadão Conteúdo
Juiz condena casal por manter doméstica 40 anos sem salário nem férias; ‘tome sua liberdade’

Casal foi condenado na primeira instância, mas ainda pode recorrer

Crédito:Divulgação/TRT5

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Após denúncia do Ministério Público Federal (MPF), a Justiça Federal na Bahia condenou um casal sob acusação de manter uma funcionária doméstica em situação análoga à escravidão, ‘submetendo-a a condições degradantes de trabalho por aproximadamente 40 anos’. A sentença, subscrita pelo juiz Fábio Moreira Ramiro, da 2ª Vara Criminal Federal, determina aos acusados penas de quatro anos de prisão, convertidas em serviços à comunidade, além de multas e perda do imóvel onde a vítima trabalhava, que deve ser direcionado a programas de habitação popular, após o trânsito em julgado.

Ao final da sentença, Ramiro escreveu. “Diante da comprovação inequívoca do delito imputado aos acusados, este Juízo não poderá olvidar-se em encerrar o presente comando sentencial sem deixar de dirigir-se à vítima, e dizer-lhe que tome para si sua liberdade inalienável e intangível por sinhás ou por casas grandes ou pequenas, porque essa liberdade é somente sua, e são seus, apenas seus, os sonhos que insistem em florescer a despeito de uma longa vida de tolhimentos e de frustrações do exercício do direito de ser pessoa humana.”

As informações foram divulgadas pela Assessoria de Comunicação da Procuradoria da República na Bahia (Processo nº 1018501-42.2022.4.01.3300).

A sentença, que atende parcialmente denúncia do MPF de 2022, ressalta que auditores do Ministério do Trabalho e Emprego identificaram ‘diversas infrações às leis trabalhistas na residência dos acusados, incluindo a ausência de registro formal de emprego, não pagamento de salários e benefícios, além da imposição de jornadas exaustivas’.

No processo, a defesa do casal alegou que mantinha com a doméstica ‘relação de afeto’.

Apesar dos argumentos da defesa, o MPF ‘comprovou que o casal praticou crime de redução de pessoa à condição análoga à de escravo’.

“Os relatos da vítima, corroborados por testemunhas, revelam que a empregada não apenas executava todas as atividades domésticas, mas também cuidava do neto dos responsáveis, mostrando que ela estava sobrecarregada com responsabilidades que excediam em muito as expectativas de um relacionamento familiar saudável”, acusou a Procuradoria.

Outro ponto destacado pelo MPF na denúncia foi a falta de oportunidades educacionais para a mulher, apesar do acesso dos demais membros da família à educação formal. “Isso evidencia uma clara privação de direitos básicos, como o direito à educação. Portanto, a dinâmica presente na residência não refletia uma relação de afeto e cuidado, mas sim um ambiente de exploração e subjugação, assemelhando-se a uma situação de trabalho análogo à escravidão”, frisou o MPF.

O juiz Fábio Ramiro avalia que o casal sabia que estava agindo de forma ilegal, já que um era professor e o outro trabalhava em uma instituição de ensino tradicional de Salvador. “Não estamos a tratar de dois indivíduos sem qualquer instrução educacional, que não tinham o potencial de compreender o caráter ilícito de suas condutas, seja a privação do acesso ao ensino, não estimularem a criação de novos laços sociais e afetivos pela vítima e a submeterem a diuturnos trabalhos domésticos não remunerados durante mais de 40 anos”, destaca trecho da decisão.

Ainda cabe recurso da sentença.

O juiz Fábio Ramiro determinou, ainda, que seja encaminhada pessoalmente cópia da sentença à vítima. Neste ponto, tendo em vista que a vítima não sabe ler, ‘deverá o oficial de Justiça realizar a leitura da sentença de forma adequada, didática e compatível, considerando o desconhecimento da linguagem jurídica pela vítima’.

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  • Data: 17/04/2024 12:04
  • Alterado:17/04/2024 12:04
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