Juan Pablo Villalobos trata a xenofobia com humor crítico
Leitor participa de uma investigação da natureza das relações, narrada em terceira pessoa.
- Data: 01/05/2023 16:05
- Alterado: 01/05/2023 16:05
- Autor: Redação ABCdoABC
- Fonte: Estadão Conteúdo
Crédito:Divulgação
Terminada a leitura de A Invasão do Povo do Espírito, livro do escritor mexicano Juan Pablo Villalobos lançado agora pela Companhia das Letras, a primeira impressão é que sua escrita foi influenciada pelo isolamento social imposto pela covid. Afinal, um dos protagonistas, Max, se fecha em seus domínios, depois de muito lutar contra uma crise existencial.
“O curioso é que comecei a trabalhar nesse livro em 2017 e o publiquei um mês antes de a pandemia estourar”, comenta Villalobos. “Até eu me surpreendi com essa atmosfera da criação de um ambiente ficcional que logo se repetiu na vida real, a situação de ficarmos trancados sem poder sair, uma sensação de paranoia, de medo, de ameaça do que estava lá fora e que podia matar.”
Na verdade, ainda que tenha como pano de fundo a corrupção, a xenofobia e a gentrificação, A Invasão do Povo do Espírito segue a boa tradição da escrita de Villalobos, ou seja, é pungente, engraçada, mordaz, sagaz e, acima de tudo, extremamente atual. A trama acompanha a trajetória de Max, seu filho Pol e Gastón, três amigos imigrantes, que vivem uma crise existencial.
O local onde se passa a história é indefinido, assim como o momento. O que se sabe é que eles passam por uma situação particularmente difícil – Gastón sofre porque seu cachorro (ironicamente chamado Gato) acaba de ser diagnosticado com uma doença terminal; Max testemunha o próprio desmoronamento quando é forçado a fechar o bar ao qual dedicou grande parte de sua vida, ficando na rua; e Pol está convencido de que possui informações sobre alienígenas que mudarão a história da humanidade.
Permeado pelo humor que marca a obra do mexicano – cuja fluência ao falar em português é fruto dos anos vividos em Campinas -, o livro é reflexivo, pois o autor escreve sobre a solidão e o desenraizamento, criando personagens que procuram o seu lugar no mundo.
Imigrantes
“A ideia desse romance nasceu durante a escrita de outro livro, de não ficção, sobre menores migrantes, que rumaram sozinhos desde a América Central até os Estados Unidos”, conta Villalobos. “E, durante o processo de recolhimento dos testemunhos de crianças e adolescentes, refleti sobre o papel da literatura no mundo e seus conflitos. Tive uma crise que me fez entender melhor a responsabilidade de um autor, mesmo quando escreve ficção, pois ainda está envolvido em um sistema moral, em uma ética que ajuda a decidir até onde se pode chegar na representação do mundo.”
Assim, ao acompanhar a trajetória de Max, Pol e Gastón, o leitor participa de uma investigação da natureza das relações, tanto entre eles como cada um consigo mesmo. Surge aí uma novidade em relação aos livros anteriores de Villalobos, que se notabilizou principalmente por Festa no Covil (2010): a opção por um narrador em terceira pessoa.
“Na verdade, não é bem um romance em terceira pessoa, porque esse narrador está por fora da história, não é um personagem”, comenta o autor. “Ele usa a primeira pessoa do plural, algo como a voz da comunidade onde acontece a história. É um narrador que constantemente comenta o que se passa no enredo, julgando não só os personagens, mas também as possíveis reações do leitor.”
Essa falta de comando da narrativa é um dos muitos ganhos oferecidos pelo livro, pois não oferece explicações definitivas sobre diversos assuntos, como a paranoia representada pela aparente loucura de Pol sobre os alienígenas. Mas é por meio desse mundo difuso que A Invasão do Povo do Espírito se torna um apelo contra o ódio pelo diferente, contra a xenofobia. “O racismo é um discurso paranoico que culpa o outro, o diferente, pelo fato de a realidade ter se tornado uma ameaça”, diz. “Uma das questões mais importantes para a humanidade é se estamos sozinhos no Universo, mas, no romance, pergunto se estamos sozinhos na Terra. É possível compreender o outro? É possível que o outro nos entenda?”