Jean Wyllys cita ameaças e abre mão de assumir terceiro mandato

Deputado federal do PSOL diz que tomou decisão por temer pela sua vida e decide morar fora do País. Freixo chama Bolsonaro de moleque; leiam a carta de despedida ao PSOL

  • Data: 25/01/2019 11:01
  • Alterado: 25/01/2019 11:01
  • Autor: Redação ABCdoABC
  • Fonte: Estadão Conteúdo
Jean Wyllys cita ameaças e abre mão de assumir terceiro mandato

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O deputado federal Jean Wyllys (PSOL-RJ) anunciou nesta quinta-feira, 24, que desistiu de assumir seu terceiro mandato na Câmara e disse que tomou a decisão por sofrer ameaças e temer por sua vida. Jean Wyllys foi reeleito em outubro com 24.295 votos.

A informação foi antecipada pelo jornal Folha de São Paulo e, na sequência, o parlamentar confirmou a decisão em sua conta no Twitter. “Preservar a vida ameaçada é também uma estratégia da luta por dias melhores”, escreveu o deputado do PSOL, que conta com escolta policial e deverá deixar o País.

Jean Wyllys foi o primeiro parlamentar assumidamente gay a defender a causa LGBT no Congresso Nacional. Ele alcançou projeção nacional após vencer o reality show Big Brother Brasil, da TV Globo.

A renúncia ainda não foi oficializada. Quando confirmada, a vaga será ocupada por David Miranda, também do PSOL.

Também na sua conta do Twitter, o deputado federal deu destaque a um post de abril de 2018 com um vídeo no qual mostra ameaças de morte a ele pelas redes sociais, além de acusações de pedofilia e pornografia infantil. O vídeo também associa a vereadora carioca assassinada Marielle Franco, do mesmo partido de Jean, como personalidade política que também sofreu ameaças de morte.

Colegas do deputado do PSOL lamentaram ontem a sua decisão nas redes sociais. “A decisão de deixar o Brasil é sintoma deste tempo sombrio em que o ódio tomou a política”, escreveu o deputado eleito e candidato à presidência da Câmara, Marcelo Freixo (PSOL-RJ).

O líder do PCdoB na Câmara, Orlando Silva, disse que a Casa perdeu um parlamentar “qualificado e batalhador”.

O vereador David Miranda (PSOL-RJ), de 33 anos, vai assumir a vaga deixada por Jean Wyllys (PSOL-RJ) na Câmara. Assim como o parlamentar que anunciou nesta quinta-feira,  24, que desistirá do mandato, Miranda, casado há 14 anos com o jornalista americano Glenn Greenwald, carrega a bandeira LGBT.

Jean é desafeto público de Jair Bolsonaro e integrantes do Psol acham que o presidente teria desrespeitado Jean comemorando sua decisão.

David Miranda, entretanto, decidiu usar suas redes sociais para cobrar respeito do presidente e avisou que “sai um LGBT mas entra outro”. “Respeite o Jean, Jair, e segura sua empolgação. Sai um LGBT mas entra outro, e que vem do Jacarezinho. Outro que em 2 anos aprovou mais projetos que você em 28. Nos vemos em Brasília”, provocou David.

DEPUTADO ERA RIVAL DECLARADO DE JAIR BOLSONARO NA CÂMARA
Jean Wyllys e o presidente Jair Bolsonaro eram rivais declarados na Câmara dos Deputados e chegaram a protagonizar embates polêmicos na Casa. Em abril de 2016, durante a análise do processo de impeachment da então presidente Dilma Rousseff, o parlamentar do PSOL cuspiu em Bolsonaro.

O Conselho de Ética abriu um processo para apurar o caso. Logo após a divulgação da desistência do deputado, Bolsonaro publicou a mensagem “grande dia” em seu Twitter. Seu filho o vereador Carlos Bolsonaro publicou minutos depois: “Vá com Deus e seja feliz!”.

FREIXO PARA BOLSONARO: ‘PARE DE AGIR COMO MOLEQUE’
Freixo atacou o presidente na rede social: “Que tal você começar a se comportar como presidente da República e parar de agir como um moleque? Tenha postura”. Na sequência, Bolsonaro negou que a mensagem tinha relação com Jean Wyllys. “Fake News! Referi-me à missão concluída, reuniões produtivas com Chefes de Estado, voltando ao país que amo, Bolsa batendo novo recorde na casa dos 97.000 e confiança no nosso país sendo restabelecida, isso faz de hoje um grande dia”, escreveu.

O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), também lamentou ontem a decisão tomada por Jean Wyllys. “Como presidente da Casa, e seu colega na Câmara, mesmo estando em posições divergentes no campo das ideias, reconheço a importância do seu mandato. Nenhum parlamentar pode se sentir ameaçado, ninguém pode ameaçar um deputado federal e sentir-se impune.”

CARTA DE DESPEDIDA DE JEAN WYLLYS AO PSOL
O deputado federal Jean Wyllys (PSOL-RJ) deixou uma carta aos colegas de partido para explicar sua saída do País. Ele diz que vai renunciar ao mandato de deputado federal para o qual foi eleito e que se inicia em 2019.

O texto, que será lido na próxima reunião da executiva nacional do PSOL no sábado, 26, conta que as ameaças à sua vida e à de sua família se intensificaram no último ano, e cita ainda como motivo de sua decisão o possível envolvimento de milicianos no assassinato da vereadora Marielle Franco e suposta ligação deles com seus opositores.

“Esta semana (…) foi a semana em que notícias começaram a desnudar o planejamento cruel e inaceitável da brutal execução de nossa companheira e minha amiga Marielle Franco. Vejam, companheiras e companheiros, estamos falando de sicários que vivem no Rio de Janeiro, estado onde moro, que assassinaram uma companheira de lutas, e que mantém ligações estreitas com pessoas que se opõem publicamente às minhas bandeiras e até mesmo à própria existência de pessoas LGBT”

, escreveu.

LEIA A ÍNTEGRA DA CARTA:

À Executiva do Partido Socialismo e Liberdade – PSol

Queridas companheiras e queridos companheiros,
Dirijo-me hoje a vocês, com dor e profundo pesar no coração, para comunicar-lhes que não tomarei posse no cargo de deputado federal para o qual fui eleito no ano passado.
Comuniquei o fato, no início desta semana, ao presidente do nosso partido, Juliano Medeiros, e também ao líder de nossa bancada, deputado Ivan Valente.
Tenho orgulho de compor as fileiras do PSol, ao lado de todas e todos vocês, na luta incansável por um mundo mais justo, igualitário e livre de preconceitos.
Tenho consciência do legado que estou deixando ao partido e ao Brasil, especialmente no que diz respeito às chamadas “pautas identitárias” (na verdade, as reivindicações de minorias sociais, sexuais e étnicas por cidadania plena e estima social) e de vanguarda, que estão contidas nos projetos que apresentei e nas bandeiras que defendo; conto com vocês para darem continuidade a essa luta no Parlamento.
Não deixo o cargo de maneira irrefletida. Foi decisão pensada, ponderada, porém sofrida, difícil. Mas o fato é que eu cheguei ao meu limite. Minha vida está, há muito tempo, pela metade; quebrada, por conta das ameaças de morte e da pesada difamação que sofro desde o primeiro mandato e que se intensificaram nos últimos três anos, notadamente no ano passado. Por conta delas, deixei de fazer as coisas simples e comuns que qualquer um de vocês pode fazer com tranquilidade. Vivo sob escolta há quase um ano. Praticamente só saía de casa para ir a agendas de trabalho e aeroportos. Afinal, como não se sentir constrangido de ir escoltado à praia ou a uma festa? Preferia não ir, me resignando à solidão doméstica. Aos amigos, costumava dizer que estava em cárcere privado ou prisão domiciliar sem ter cometido nenhum crime.
Todo esse horror também afetou muito a minha família, de quem sou arrimo. As ameaças se estenderam também a meus irmãos, irmãs e à minha mãe. E não posso nem devo mantê-los em situação de risco; da mesma forma, tenho obrigação de preservar minha vida.

Ressalto que até a imprensa mais reacionária reconheceu, no ano passado, que sou a personalidade pública mais vítima de fake news no país. São mentiras e calúnias frequentes e abundantes que objetivam me destruir como homem público e também como ser humano. Mais: mesmo diante da Medida Cautelar que me foi concedida pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos, da OEA, reconhecendo que estou sob risco iminente de morte, o Estado brasileiro se calou; no recurso, não chegou a dizer sequer que sofro preconceito, e colocaram a palavra homofobia entre aspas, como se a homofobia que mata centenas de LGBTs no Brasil por ano fosse uma invenção minha. Da polícia federal brasileira, para os inúmeros protocolos de denúncias que fiz, recebi o silêncio.
Esta semana, em que tive convicção de que não poderia – para minha saúde física e emocional e de minha família – continuar a viver de maneira precária e pela metade, foi a semana em que notícias começaram a desnudar o planejamento cruel e inaceitável da brutal execução de nossa companheira e minha amiga Marielle Franco. Vejam, companheiras e companheiros, estamos falando de sicários que vivem no Rio de Janeiro, estado onde moro, que assassinaram uma companheira de lutas, e que mantém ligações estreitas com pessoas que se opõem publicamente às minhas bandeiras e até mesmo à própria existência de pessoas LGBT. Exemplo disso foi o aumento, nos últimos meses, do índice de assassinatos de pessoas LGBTs no Brasil.
Portanto, volto a dizer, essa decisão dolorosa e dificílima visa à preservação de minha vida. O Brasil nunca foi terra segura para LGBTs nem para os defensores de direitos humanos, e agora o cenário piorou muito. Quero reencontrar a tranquilidade que está numa vida sem as palavras medo, risco, ameaça, calúnias, insultos, insegurança. Redescobri essa vida no recesso parlamentar, fora do país. E estou certo de preciso disso por mais tempo, para continuar vivo e me fortalecer. Deixar de tomar posse; deixar o Parlamento para não ter que estar sob ameaças de morte e difamação não significa abandonar as minhas convicções nem deixar o lado certo da história. Significa apenas a opção por viver por inteiro para me entregar as essas convicções por inteiro em outro momento e de outra forma.
Diz a canção que cada ser, em si, carrega o dom de ser capaz e ser feliz. Estou indo em busca de um lugar para exercitar esse dom novamente, pois aí, sob esse clima, já não era mais possível.
Agradeço ao Juliano e ao Ivan pelas palavras de apoio e outorgo ao nosso presidente a tarefa de tratar de toda a tramitação burocrática que se fará necessária.
Despeço-me de vocês com meu abraço forte, um salve aos que estão chegando no Legislativo agora e à militância do partido, um beijo nos que conviveram comigo na Câmara, mais um abraço fortíssimo nos meus assessores e assessoras queridas, sem os quais não haveria mandato, esperando que a vida nos coloque juntos novamente um dia. Até um dia!
Jean Wyllys

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  • Data: 25/01/2019 11:01
  • Alterado:25/01/2019 11:01
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