Gastos militares passam por mudanças no governo Lula, mas distorções persistem

Apesar de um aumento nos investimentos e uma leve diminuição nas despesas com pessoal, os desafios estruturais e distorções nos gastos militares do Brasil continuam.

  • Data: 16/02/2025 12:02
  • Alterado: 16/02/2025 12:02
  • Autor: Redação ABCdoABC
  • Fonte: FOLHAPRESS
Gastos militares passam por mudanças no governo Lula, mas distorções persistem

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Crédito:Exército Brasileiro

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Os gastos militares do Brasil apresentaram mudanças significativas nos dois primeiros anos do governo Lula (PT), mas ainda carecem de ajustes em relação às distorções que permeiam esse importante setor.

Durante a administração do ministro José Mucio Monteiro, o Ministério da Defesa experimentou um aumento na taxa de investimento, enquanto os gastos com pessoal sofreram uma redução, algo que é considerado raro na trajetória histórica das despesas do setor. Apesar de não se tratar de uma transformação radical, esses movimentos demandam uma avaliação cuidadosa ao longo dos próximos anos.

No ano de 2022, último ano do governo Jair Bolsonaro (PL), o Brasil alocou 6,8% de seu orçamento de defesa em investimentos. Em contraste, em 2023, essa porcentagem subiu para 7,4%. Quando ajustados pela inflação, os valores aumentaram de R$ 8,6 bilhões para R$ 9,2 bilhões.

A participação dos pagamentos a ativos e inativos no total das despesas foi reduzida de 80% para 78,2%, caindo de R$ 101 bilhões para R$ 96,6 bilhões. Essa queda deve-se em grande parte à falta de reajustes para essa categoria. Por outro lado, espera-se um aumento no valor destinado aos servidores civis neste ano, que impactará em R$ 17,9 bilhões na folha de pagamento.

Todas essas informações são oriundas do sistema Siga Brasil, do Senado Federal, e do Tesouro Nacional. Esses dados não apenas representam previsões anuais, mas refletem o que realmente foi gasto: valores autorizados pagos e os chamados restos a pagar, que são sobras de exercícios anteriores.

A melhora observada nas contas parece marginal; contudo, cada variação decimal possui um peso significativo nas contas públicas. Embora tenham ocorrido momentos anteriores de melhoria nas contas do setor militar, muitos desses resultados foram impulsionados por manobras orçamentárias.

Por exemplo, em 2019, o orçamento militar recebeu um incremento devido à capitalização de uma empresa destinada à fabricação de fragatas leves pela Marinha. O artifício utilizado para retirar o programa do antigo teto de gastos implementado pelo governo Michel Temer (MDB) criou uma aparente realidade em que as despesas com pessoal representavam 73%, enquanto os investimentos correspondiam a apenas 7,5% do total. O governo Bolsonaro tentou expandir essa prática sem sucesso.

Em meio a essas movimentações fiscais, o restante das despesas é classificado como custeio ou gastos correntes. Em 2022, esses custos representavam 13,2% do orçamento total; já em 2024, esse percentual aumentou para 14,2%, equivalente a R$ 17,6 bilhões. No geral, o gasto com defesa sofreu uma leve diminuição nesse período, passando de R$ 126,8 bilhões para R$ 123,4 bilhões.

Apesar das notícias relativamente positivas sobre os gastos militares brasileiros, questões estruturais permanecem. A despesa com pessoal continua em níveis que destoam da média observada em outros países. Atualmente, inativos representam cerca de 60% dessa fatia orçamentária — uma clara distorção.

As iniciativas voltadas à solução desse problema incluem a reforma previdenciária dos militares aprovada em 2019 e um novo projeto que será analisado pelo Congresso neste semestre com o objetivo de modificar parâmetros relacionados às aposentadorias dos militares. Contudo, essas medidas não são suficientes para alterar o quadro geral — uma alternativa viável seria a implementação de um modelo que priorizasse soldados profissionais temporários ao longo prazo.

O debate sobre essas reformas tem sido conturbado; as reclamações da Marinha acerca das novas regras previdenciárias quase resultaram na demissão do comandante da força. Mucio teve que equilibrar as tensões entre a cúpula militar e o governo Lula e considerou se afastar da administração antes de ser convencido a permanecer por ora.

Embora os padrões de investimento tenham melhorado ligeiramente no Brasil, eles ainda estão aquém do que é considerado ideal pela Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), que sugere que pelo menos 20% do orçamento militar seja direcionado para equipamentos e programas.

Em um contexto mais amplo e histórico desde a anexação da Crimeia pela Rússia em 2014, apenas oito dos então 28 membros da OTAN atendiam a esse padrão; atualmente com a ampliação da aliança para 32 países, somente três não alcançam essa meta. A Polônia se destaca com impressionantes 51%, enquanto os Estados Unidos investem cerca de 30% no setor militar.

A meta global estipulada pela OTAN desde 2006 exige que cada país destine pelo menos 2% de seu PIB às despesas militares; recentemente Donald Trump sugeriu um aumento irrealista para 5%. Há dez anos apenas três países cumpriam essa exigência; hoje são vinte e três na aliança militar ocidental. O Brasil permanece estagnado próximo à marca de 1%.

Além disso, há questões relacionadas às práticas políticas brasileiras que comprometem os gastos na área da defesa. Como reportado anteriormente pela Folha de S.Paulo, o programa Calha Norte se transformou em um receptáculo para emendas parlamentares cuja execução carece de transparência e cujas obras pouco têm a ver com as metas estabelecidas para a defesa nacional.

No ano passado o Calha Norte tornou-se um dos programas mais beneficiados financeiramente; em 2024 ocupou a quarta posição com R$ 720 milhões destinados. Com valores semelhantes aos registrados em anos anteriores e considerando as exclusões feitas das contas gerais do orçamento federal, o perfil dos gastos permaneceu inalterado.

A situação gerou tal perplexidade que Lula anunciou em agosto sua intenção de transferir o Calha Norte ao Ministério do Desenvolvimento Regional. A reportagem buscou esclarecimentos junto ao Ministério da Defesa sobre os desdobramentos dessa mudança e suas implicações financeiras subsequentes, mas não obteve resposta satisfatória; tampouco houve comentários sobre a estrutura orçamentária atual da pasta.

No geral, os programas militares brasileiros mantêm um padrão similar ao dos últimos anos sem grandes alterações nas previsões orçamentárias. O projeto mais dispendioso continua sendo a aquisição dos caças suecos Saab Gripen; em 2024 foram desembolsados R$ 1,5 bilhão — cerca de R$ 500 milhões acima do inicialmente autorizado.

Esse projeto enfrenta diversos obstáculos: o contrato para compra dos 36 aviões — dos quais quinze serão fabricados no Brasil — passou por atrasos até 2019 e a entrega da última unidade está prevista apenas para o início da próxima década; atualmente há oito aeronaves operando no país sendo uma delas utilizada para testes.

No ano passado a Força Aérea manifestou insatisfação quanto aos custos e ritmo da produção do Gripen e sugeriu substituir a aposentadoria dos caças AMX por um lote adicional de F-16 americanos. Contudo, acordos recentes envolvendo mais Gripens e a adoção do cargueiro KC-390 da Embraer pela Suécia parecem ter suavizado essas preocupações. A fabricante brasileira recebeu R$ 690 milhões para continuar produzindo os dezenove aviões de transporte destinados à FAB.

Esse também é um projeto marcado por dificuldades financeiras até recentemente e por discussões sobre custos entre a FAB e a Embraer que resultaram na redução da encomenda inicial de trinta aviões para apenas vinte e oito unidades; até agora foram entregues sete aviões e o último deve chegar somente em torno de 2034.

Em segundo lugar entre os projetos mais caros está o programa referente aos submarinos convencionais da Marinha; este também está atrasado e deverá entregar neste ano sua última unidade dentre quatro embarcações do modelo Scorpène com R$ 960 milhões alocados — além disso estão previstos gastos adicionais com obras nos estaleiros (R$ 355 milhões) e investimentos no projeto da versão nuclear (R$ 289 milhões).

Por fim, destacando-se na terceira posição entre os projetos mais custosos está o programa orgânico voltado ao controle do tráfego aéreo sob responsabilidade da FAB; este projeto recebeu R$ 840 milhões no último ano. Com isso, mantém-se o mesmo ranking apresentado em anos anteriores com esta rubrica superando tanto o Calha Norte quanto o KC-390.

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  • Data: 16/02/2025 12:02
  • Alterado:16/02/2025 12:02
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