Futebol será dividido entre antes e depois da condenação por ataques racistas contra Vini Jr.
Torcedores que atacaram brasileiro com cantos racistas são condenados a oito meses de prisão
- Data: 10/06/2024 18:06
- Alterado: 10/06/2024 18:06
- Autor: Redação
- Fonte: João Gabriel de Lima/Folhapress
Vinícius Jr
Crédito:Reprodução
Uma vitória fora dos campos merece destaque entre os feitos colecionados neste ano pelo jogador Vinicius Junior. Pela primeira vez na história do futebol espanhol infâmias racistas receberam condenação na Justiça. Os agressores são três torcedores que, no dia 21 de maio do ano passado, ofenderam o craque do Real Madrid durante um jogo no Estádio Mestalla, na cidade de Valência. Eles foram condenados a oito meses de prisão e banidos do futebol por dois anos.
“Essa primeira condenação por racismo no âmbito esportivo é uma vitória para o futebol e para toda a sociedade espanhola”, diz o advogado Juan José Ríos Zaldívar, responsável pela área processual da auditoria Grant Thornton na Espanha e palestrante em cursos de Direito aplicado ao futebol. “É um fato histórico, que divide o esporte entre um antes e um depois”, afirma Esteban Ibarra, presidente do Movimento contra a Intolerância – ONG madrilena que acompanha de perto a carreira do jogador.
O caminho para chegar à condenação foi longo. Tudo começou quando, provocada pelas denúncias de Vinicius Junior, a entidade que coordena os campeonatos de futebol na Espanha – La Liga – começou a levar casos de racismo ao Ministério Público do país. As denúncias vinham chegando à Justiça desde 2021, mas não prosperavam.
“Existem duas dificuldades básicas para que se condene um torcedor racista na Espanha”, diz o advogado Ríos Zaldívar. “A primeira é identificar os autores da ofensa. A segunda é determinar que houve motivação racista. Muitos juízes consideram as ofensas consequência da emoção provocada por uma partida de futebol.”
Na Espanha, ao contrário do Brasil, não existe uma lei específica contra o racismo. Os três torcedores do foram condenados com base no artigo 510 do Código Penal. “Ele pune ataques contra a dignidade de uma pessoa por razões de raça, gênero, religião, orientação sexual, doença e condição social, entre outras coisas”, diz o advogado Ríos Zaldívar. Os autores reconheceram o crime e pediram desculpas ao jogador e ao clube, o que serviu como atenuante. Não há como avaliar se a pena foi branda por se tratar de punição inédita no contexto espanhol.
Um caso famoso envolveu Nico Williams, jogador negro do Athletic Bilbao. Um vídeo em que um torcedor dirige a ele ofensas racistas foi postado no Instagram e levado à Justiça pela La Liga. Os auxiliares do juiz, no entanto, vasculharam as redes sociais do agressor e consideraram que “não parece uma pessoa que pretenda incitar o racismo, nem que os gestos realizados pretendem atacar tal fim”. O processo foi arquivado.
O caso de Nico Williams foi um dos 37 levados por La Liga ao Ministério Público espanhol. Mais da metade dos casos -20- envolvem Vinicius Junior, de longe a maior vítima de agressões racistas na Espanha. Ou melhor, como ele próprio postou nas redes sociais após a condenação dos três torcedores de Valência: “Não sou vítima de racismo. Eu sou algoz de racistas”.
Para que o caso tivesse o desfecho esperado, La Liga arcou com os custos processuais desde o início. O Real Madrid ajudou num segundo momento -a princípio, o clube espanhol via com desconfiança a militância antirracista do craque, temendo que desviasse seu foco do futebol. Na postagem que fez nas redes, Vinicius Junior agradeceu a ambos, ao clube e à liga.
No meio do futebol -ao contrário do que acontece no basquetebol ou na música pop- são raros os astros que abraçam causas. Vinicius Junior é uma exceção. Seu staff trabalha em parceria com a empresa Roc Nation, do rapper Jay-Z. A Roc Nation foi a responsável por aumentar o número de artistas negros no show de encerramento do Super Bowl, principal evento no calendário do futebol americano. Vinicius Junior já postou em suas redes fotos com Jay-Z e sua mulher, a cantora Beyoncé.
Alguns dos ídolos de Vinicius Junior estão fora do mundo do futebol. Um deles é o jogador de basquete LeBron James, voz firme contra o assassinato de George Floyd por um policial de Mineápolis. Outro é Jackie Robinson, o primeiro jogador negro a disputar a liga principal de beisebol nos Estados Unidos.
O combate ao racismo será um dos temas da série sobre Vinicius Junior que deverá estrear no ano que vem na Netflix. Em fevereiro deste ano, a equipe de gravação tentou registrar cenas de um jogo do Real Madrid no Mestalla, que marcaria a volta do brasileiro ao estádio onde sofreu a agressão que resultaria na condenação de ontem. A direção do Valencia proibiu o registro das imagens.
O documentário deverá mostrar os melhores lances da Liga dos Campeões de 2024, em que Vinicius Junior fez um gol na final e recebeu o troféu de melhor jogador do torneio. O drible acrobático que deu no zagueiro Julian Ryerson, na final contra o Borussia Dortmund, deixou seus colegas de time literalmente boquiabertos e viralizou nas redes sociais.
Quais serão as consequências práticas da condenação dos torcedores racistas? “O caso ainda não irá gerar jurisprudência, pois na Espanha isso só acontece quando há um referendo por parte da Suprema Corte”, diz o advogado Ríos Zaldívar. “A decisão, no entanto, será citada em outros processos de racismo, e servirá de exemplo para casos semelhantes, especialmente para jogadores mais jovens e menos famosos que Vinicius Junior.”