Filhos querem pais honestos, mesmo que isso faça família ruir, afirma Lisa Ginzburg
Neta da escritora Natalia Ginzburg, participará na Flip, alfineta 'excesso' de auto ficção no mercado literário internacional
- Data: 10/10/2024 08:10
- Alterado: 10/10/2024 08:10
- Autor: Redação
- Fonte: Bárbara Blum/FolhaPress
Lisa Ginzburg
Crédito:Barbara Ledda/Divulgação
A família é o que movimenta a escritora Lisa Ginzburg. A neta de um dos maiores nomes da literatura italiana, Natalia Ginzburg, a autora vem ao Brasil para a Flip, a Festa Literária Internacional de Paraty, onde divide uma mesa na sexta-feira, dia 11, com a portuguesa Ana Margarida de Carvalho.
A italiana tem dois títulos publicados no Brasil, “Cara Paz”, finalista do prêmio Strega, o mais importante de sua terra natal, e “Uma Pluma Escondida”, publicado agora em outubro.
O fio condutor dos dois são as relações familiares assimétricas, termo usado pela própria Ginzburg em entrevista na qual ela falou português perfeito. A história dela com o Brasil é anterior às visitas literárias –a autora tem uma filha com um brasileiro e passou anos aqui.
“O público brasileiro pode entender muito bem alguns temas da literatura italiana”, diz. “E o tema da família é o único que compartilho com minha avó. Ela contou sobre a família dela e, nos meus livros é recorrente a família num sentido complicado, disfuncional, destruído.”
A figura da “mamma italiana” que sacrifica de tudo por seus filhos passa longe da obra de Ginzburg. Ela se debruça sobre as mães erráticas –e os destroços que elas deixam pelo caminho.
“Cara Paz”, narrado do ponto de vista da filha Maddalena — “a irmã menos bonita, mais tímida, muito sensível”–, conta a história de Gloria, uma mulher argentina que deixa seu marido e filhas para trás, em Roma, em prol de sua saúde mental. A ideia de uma mulher que larga suas crias chocou as leitoras italianas.
“Aconteceu, em apresentações, na Itália de algumas mulheres ficarem escandalizadas por essa mãe que vai embora”, diz Ginzburg. Mas a intenção da autora nunca foi pintar uma vilã. “Pensei numa figura de mãe que escolhe o destino dela, que pega a vida na mão e tem coragem de ficar longe, afastada das filhas. Tem um clichê nessa ideia de sacrifício, da mãe que tem que ficar lá.”
Ela diz que, cada vez mais, percebe que o amor não tem a ver com gestos tradicionais. “A família está mudando. Os filhos apreciam quando os pais escolhem os próprios destinos. Eles não gostam de mentiras, os filhos querem coisas verdadeiras.”
Para ela, a conquista de liberdades para as mulheres demanda mudanças na maternidade. “Tem que saber amar muito os filhos, mas, ao mesmo tempo, escolhendo a nossa vida, o nosso trabalho”, diz. Algumas contradições femininas que antes “ficavam secretas”, agora podem ser contadas.
É a toada de “Uma Pluma Escondida”, que explora a maternidade escolhida por meio da adoção. A protagonista, Enrica, herda uma casa em Florença e vive uma vida abastada. “Ela tem tudo, mas não consegue ter aquela raiz que é ter um filho”, diz Ginzburg. Para a autora, essa mulher acaba se tornando uma estrangeira de si mesma.
O que a autora enxerga que os dois romances têm em comum, além da família como tema, é que é a assimetria que conduz as relações. E ela não critica o desequilíbrio –“faz com que a vida seja maravilhosa também”.
Apesar de ser mãe ela mesma, Ginzburg não se espelha em sua experiência para escrever seus livros –e alfineta, contornando polêmicas, o excesso desse tipo de narrativa no mercado editorial hoje.
“Na Itália, mas no Brasil também, tem muito essa coisa de contar a própria história, a própria infância, a história de amor, do divórcio”, diz. “Com todo o respeito, porque isso é literatura também, mas acho importante continuar imaginando, continuar inventando. O mundo está tão difícil e a fantasia é uma grande oportunidade para renovar o ar.”
Ela pontua exceções, caso de Annie Ernaux. Ginzburg diz que a vencedora do Nobel de Literatura de 2022 consegue falar de si “de um jeito universal”. A francesa foi convidada da Flip no mesmo ano. Nesta edição, o evento recebe Édourd Louis, que se fez expoente da literatura francesa com narrativas fortemente autobiográficas sobre superação da pobreza e trânsito na burguesia.
“Mas essa coisa que cada um conta [sua história] e resolve o problema com a obra da arte… É um pouco sufocante”, afirma.