Ex-juiz cerca praça em São Paulo que prefeitura diz ser pública

TJ entendeu que área pertence a Wanderley Sebastião Fernandes, mas Prefeitura de SP defende a área como pública

  • Data: 22/04/2024 10:04
  • Alterado: 22/04/2024 10:04
  • Autor: Redação
  • Fonte: Carlos Petrocilo e Clayton Castelani/Folhapress
Ex-juiz cerca praça em São Paulo que prefeitura diz ser pública

Praça Ramiro Cabral da Silva, na zona sul da capital

Crédito:Reprodução'

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Batizada pela Prefeitura de São Paulo como Praça Ramiro Cabral da Silva, na região de Interlagos, o terreno de 793 metros quadrados foi colocado à venda por quase R$ 1,3 milhão a pedido de Wanderley Sebastião Fernandes, um ex-juiz e que se apresenta como o dono do terreno graças a uma decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo.

O então espaço público está cercado com alambrado, portão, correntes e cadeados desde o dia 23 de março. Placas foram fixadas em algumas de suas árvores com o aviso de que o terreno é particular e informam o número de uma ação judicial.

A praça está no centro de uma batalha entre Fernandes e a Prefeitura de São Paulo que perdura há quase 20 anos.

O cerco à praça surpreendeu parte dos moradores no último dia 23 de março que, em um primeiro momento, derrubou o alambrado. Fernandes mandou refazer.

Um grupo de moradores, irritado com a atuação do ex-juiz, se apega a um decreto municipal, assinado pelo então prefeito Gilberto Kassab, em 2009, que nomeia aquela área como praça Ramiro Cabral da Silva.

Acontece que três anos antes ao decreto assinado por Kassab, em 2006, Fernandes havia acionado o município na Justiça com uma ação de indenização por apossamento administrativo – quando o poder público se apossa de um bem particular sem acordo ou decisão judicial.

Em sua petição, Fernandes apresentou cópias de cobrança do IPTU (Imposto Predial e Territorial Urbano), entre outros documentos. Já a Procuradoria-Geral do Município (PGM) questiona o fato de Fernandes adquirir o imóvel, em 2002, mesmo com a ciência da praça.

“Se o próprio autor [Fernandes] alega que a ocupação administrativa teria ocorrido em 1994, é forçoso reconhecer que o negócio jurídico que lhe transmitiu a alegada propriedade seria nulo”, afirma o procurador.

A 6ª Câmara de Direito Público do TJSP (Tribunal de Justiça de São Paulo) entendeu, em fevereiro de 2016, que não houve apossamento por parte da prefeitura e, “portanto, remanesce o lote 03 em propriedade dos autores que dele podem utilizar em sua plenitude, sem qualquer oposição por parte do Município”.

Apesar de a decisão ter sido publicada em 2016, Fernandes diz que cercou a praça agora porque reside na Europa e somente neste ano veio ao Brasil.

O terreno em formato de triângulo, às margens da movimentada avenida Antônio Barbosa da Silva Sandoval, conta com área verde e bancos de alvenaria. O espaço é apresentado como praça no GeoSampa, o mapa digital oficial da capital, publicado pela prefeitura.

Se transformado em particular, o bem poderá obter maior valorização caso seja demarcado como ZEUa (Zona Eixo de Estruturação da Transformação Urbana Ambiental) pela Lei de Zoneamento.

Comparado ao entorno, esse zoneamento, válido apenas à direita da praça, tem mais incentivos para a construção de prédios. É uma regra do plano diretor para estimular a construção de moradias perto de corredores de ônibus ou do transporte sobre trilhos.

A ZEUa permite edifícios com até 28 metros de altura de altura – cerca de nove andares – e com área construída vertical duas vezes maior do que o lote, em metros quadrados. Esse potencial construtivo pode subir se outros parâmetros forem atendidos, como a reserva de alguns apartamentos para famílias com renda de até dez salários mínimos.

A praça em disputa também está de frente para uma ZER, a zona de uso exclusivamente residencial, onde o gabarito (altura) é limitado a dez metros. Um edifício diante dessa área, portanto, poderia ser oferecido com a vantagem de possuir janelas e varandas que jamais terão a vista do horizonte obstruída por outros espigões.

O valor da terra será menor, no entanto, se ela for demarcada como ZMa (Zona Mista Ambiental), como são as quadras à esquerda da praça. A decisão deverá ser da Câmara Técnica de Legislação Urbanística.

Em nota enviada à Folha, a gestão Nunes disse apenas que defende a área como pública e solicitou medida de emergência.

Já Fernandes escreveu à reportagem pelo WhatsApp que, desde 2003, briga para manter a posse do terreno. “Depois de vinte e um anos de espera, fundamentado em decisões judiciais, resolvi cercar o terreno que me pertence há décadas”, escreveu Fernandes.

Ele deixou a magistratura em 2013 e fora aposentado de forma compulsória. Enquanto juiz, Fernandes teria arrematado, entre 2008 e 2009, 20 imóveis em leilões judiciais. Como a Folha mostrou, na época, a acusação é de que ele os arrematava para revender, o que foi entendido como atividade empresarial.

Questionado sobre este imbróglio, Fernandes classificou a pergunta como “sensacionalismo barato”.

Convicto da posse do terreno, o ex-juiz foi até a praça acompanhado de um corretor para fixar placas de Vende-se. No entanto, a imobiliária abortou o negócio depois da reclamação da vizinhança.

A corretora não quis conceder entrevistas.

Vizinhos do terreno há quase 40 anos, Celso Paulon e Pedro Marcos Borati afirmam que desde quando se mudaram para o bairro já havia uma praça instalada no local.

“Hoje é tão difícil ter árvores, tudo está virando cimento. Ele invadiu e vai querer construir alguma coisa aí”, afirma Paulon, diante do alambrado.

Um abaixo-assinado feito pelos moradores e publicado na internet no dia 25 de março, colheu até a noite de terça, mais de 880 assinaturas.

Políticos de oposição a gestão Nunes, como os deputados federal Luciene Cavalcante e estadual Carlos Giannazi e o vereador Celso Giannazi, todos do PSOL, acionaram o Ministério Público e o TCM (Tribunal de Contas do Município) para que investigue possíveis improbidade administrativa na prefeitura.

“O que mais chama a atenção nesse caso é que, de um dia para o outro, a praça foi completamente cercada, sem qualquer ação fiscalizadora do poder público e que fica a poucas quadras da residência particular do prefeito Ricardo Nunes”, disse Carlos Giannazi.

A reportagem perguntou à Secretaria de Comunicação se a praça está a menos de dois quilômetros da casa do prefeito e se houve fiscalização por parte da Subprefeitura da Capela do Socorro, responsável pela região, mas nenhuma delas foi respondida.

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  • Data: 22/04/2024 10:04
  • Alterado:22/04/2024 10:04
  • Autor: Redação
  • Fonte: Carlos Petrocilo e Clayton Castelani/Folhapress









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