Entrevista com Guilherme Boulos, pré-candidato do PSOL à Prefeitura de SP
“Uber, iFood e Rappi fazem o que querem”, diz Boulos. Líder sem-teto defende limite para faturamento de aplicativos, renda básica e plano para chegar à tarifa zero no transporte público
- Data: 21/07/2020 10:07
- Alterado: 21/07/2020 10:07
- Autor: Redação ABCdoABC
- Fonte: Estadão Conteúdo
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Confirmado como pré-candidato do PSOL à Prefeitura de São Paulo, o líder sem-teto Guilherme Boulos tem entre suas propostas uma regulamentação municipal do trabalho de entregadores e motoristas de aplicativos. As ideias vão de um teto para o repasse do valor de corridas à criação de um fundo, destinado a auxílio-doença e previdência, formado com dinheiro que hoje entra no faturamento das empresas.
“É um absurdo ganhar tudo isso só por oferecer uma tecnologia. Não faz nada, não tem um carro”, critica o pré-candidato.
Na entrevista, ele ainda prometeu um projeto de renda básica municipal, tarifa zero no transporte público e um modelo “radicalmente democrático, popular, socialista” de cidade, que atraia famílias mais pobres para o centro e, assim, retire a pressão das ocupações irregulares na periferia e às margens dos reservatórios de água da capital. Confira os principais trechos:
O sr. ainda se considera coordenador no Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST)? O movimento participará da campanha?
Nos últimos 20 anos da minha vida eu militei no MTST e isso, para mim, é um grande orgulho. É difícil encontrar uma causa mais justa e mais digna do que ter lugar para morar, um teto. Aqui na cidade de São Paulo, enquanto temos 25 mil pessoas morando nas ruas – mesmo no meio da pandemia – há mais de 40 mil imóveis abandonados só no centro expandido. Essa desigualdade gritante dá sentido da luta do MTST. Eu sempre estarei nessa luta, é de onde eu venho, é a causa em que eu acredito independente de me eleger prefeito de São Paulo, estar candidato a prefeito. Tenho meus princípios, eu não abro mão. Valorizar e fortalecer os movimentos sociais, e lutar por direitos sociais como a moradia digna é um desses princípios.
Mas o movimento terá algum papel na coordenação da campanha?
Certamente o MTST, como já aconteceu na minha campanha para presidente, será parte. Mas não só o MTST. Há uma série de movimentos feministas, movimentos negros, da comunidade LGBT e um conjunto de movimentos sociais populares que nós queremos que construam a campanha junto com a gente. Será uma campanha-movimento. Estamos construindo um caldo de cultura na cidade. Não é campanha eleitoral tradicional. Pelo contrário, a chance que nós temos de ganhar é ao mobilizar sonhos, mobilizar esperança, fazer uma campanha de rua, com brilho nos olhos, engajada. Para isso, os movimentos sociais são muito importantes. O MTST, inclusive, que é o maior da cidade de São Paulo.
O sr. já disse que quer regulamentar as condições de trabalho dos entregadores de aplicativo. Já há algum esboço de propostas para isso?
Queremos discutir essas propostas, inclusive, com o movimento de entregadores que fez paralisações importantes e tem todo nosso apoio. Em primeiro lugar, não dá para admitir que a Prefeitura se omita enquanto nós temos milhares de jovens na cidade trabalhando 12 horas por dia para receber R$ 600. Cabe ao poder público municipal regulamentar transporte por aplicativo, como cabe em qualquer cidade do mundo. Há cidades, por exemplo, que definiram regras para que a Uber pudesse atuar nelas ou não. Em São Paulo, a Uber faz o que quer, o iFood faz o que quer, Rappi faz o que quer. Num governo nosso, não vai ser assim. Nós pensamos em estabelecer um teto para o ganho da empresa de aplicativo, o máximo que a empresa vai poder retirar. Hoje ganha até 25% de uma entrega ou de uma viagem. É um absurdo ganhar tudo isso só por oferecer uma tecnologia. Não faz nada, não tem um carro. Outra proposta nossa é que um porcentual, que hoje vai para a empresa, seja destinado para um fundo de direitos e seguridade desses trabalhadores. Isso vai garantir um auxílio-doença caso o motorista se acidente, garantir um fundo previdenciário. São condições mínimas de dignidade no trabalho. Agora, nós vamos entrar numa crise social e econômica gravíssima nos próximos meses e anos, como decorrência da pandemia. São Paulo, como cidade mais rica do País, vai sentir isso com muita força. A Prefeitura vai ter uma responsabilidade de combater a miséria, de combater a fome. Além dessa regulamentação, a Prefeitura vai construir frentes de trabalho para fazer estudos e gerar emprego. Vamos fazer um projeto de renda básica na cidade, para garantir renda e que ninguém passe fome na cidade.
O sr. acha que algo assim passaria na Câmara Municipal, sendo bem sincero?
Eu tenho a expectativa que a Câmara Municipal numa eleição como essa que vai vir, e acho que a gente pode ganhar, isso vai significar também uma mudança de perfil da Câmara. Espero que os outros partidos do campo progressista também se ampliem, e teremos uma sensibilidade diferente do que temos hoje. A gente sabe as máfias que atuam na cidade. Tem a máfia do transporte das empresas de ônibus, tem a máfia do lixo, tem a máfia das Organizações Sociais na saúde e nas creches, tem a máfia da especulação imobiliária. Essas máfias têm presença política na Câmara de Vereadores, então vamos enfrentar resistência, é inevitável. Eu queria lembrar uma coisa: (a deputada federal) Luiza Erundina, minha companheira de chapa, a melhor prefeita que São Paulo já teve, governou durante quatro anos em minoria na Câmara. Mesmo assim construiu seis hospitais, pegou terreno público e fez mutirões de moradia popular em várias partes da cidade elaborou, fez tarifa zero – que nós queremos retomar, e fazer tarifa zero no transporte público, começando com o passe livre para o desempregado. Ela fez isso. Qual foi o caminho? Foi com mobilização da sociedade, é isso que nós queremos. A mobilização não é só para ganhar eleição, também é para governar.
Sobre o aumento da miséria no País, como o sr. avalia a política da Prefeitura para acolhimento das populações de rua hoje, e como poderia mudar?
Uma cidade como São Paulo tem como não ter nenhuma pessoa morando na rua. Mas, para isso, é preciso ter uma política pública corajosa que hoje não existe. A política para a população de rua hoje é vergonhosa e humilhante. São abrigos em condições precárias, onde muitas dessas pessoas sofrem humilhações, são separadas de seus parentes, de seus animais de estimação, de seus instrumentos de trabalho. A política emergencial é abrigar em pensões. Essa é uma proposta que nós recebemos do padre Júlio Lancelotti, que é uma das grandes referências no trabalho com o povo de rua em São Paulo. A política de longo e médio prazo é garantir moradia definitiva para toda a população de rua, desapropriando imóveis abandonados sobretudo na região central de São Paulo. Segundo o estatuto da cidade, eles deveriam ser desapropriados para moradia popular, porque não cumprem função social. Estão em situação ilegal. Falta coragem do poder público para fazer. Nós vamos fazer.
Essa proposta de desapropriação não vai esbarrar no Judiciário, no caso em que houver proprietários particulares?
Podemos ter problemas jurídicos nos casos de imóveis privados. Ainda assim, o estatuto da cidade prevê uma modalidade chamada desapropriação-sanção. Se o imóvel está abandonado, ele tem de ser notificado. Após a notificação, se continuar abandonado, depois de um ano começa a correr IPTU progressivo. Se o proprietário não dá função ao imóvel, a Prefeitura pode desapropriar com título da dívida pública. Isso poderia estar sendo utilizado, e não está. Além disso, uma parte desses imóveis é público. Você nem precisa desapropriar, é só mudar a finalidade desse imóvel e fazer a requalificação. Tem coisas que não dependem do Judiciário, dependem da caneta do Prefeito.
O PSOL está preparado para disputar votos com partidos maiores, como PSDB e PT, que normalmente têm mais capilaridade e capacidade de mobilizar cabos eleitorais nas periferias da cidade?
O PSOL está pronto está pronto para disputar voto e para governar São Paulo. Nós estamos entrando nessa eleição para ganhar e, aliás, as pesquisas têm mostrado que nós podemos ganhar. A minha candidatura junto com a Luiza Erundina já é a melhor posicionada entre as candidaturas de esquerda. O PSOL tem crescido nas últimas eleições, na sua representação parlamentar. Praticamente dobrou a bancada federal na última eleição.
O senhor não considera o Márcio França um candidato de esquerda, sendo filiado ao PSB?
Tenho muito respeito pelo PSB, que faz parte do campo progressista, mas o Márcio França sempre foi a direita do PSB em nível nacional. Isso é público, não sou eu que estou dizendo. E foi vice do Geraldo Alckmin. A construção política dele aqui em São Paulo foi ligada ao tucanato, ao Alckmin. Isso não é uma opinião de um adversário, é uma constatação da história política dele aqui no Estado.
Como é sua relação com o ex-presidente Lula hoje? Acha que ele pode influenciar a campanha na cidade?
Lula é uma das maiores lideranças políticas da história brasileira. Tenho respeito e diferenças políticas com ele, não é por acaso que ele é do PT e eu sou do PSOL. Temos visões diferentes, mas temos unidade na defesa de direitos sociais, democracia. Eu fui uma das pessoas mais solidárias ao Lula quando da sua prisão, que eu considero política e injusta. Mas nesse momento o PT tem um candidato, que é o Jilmar Tatto, e o PSOL tem um candidato, que serei eu ao lado da Luiza Erundina.
Mas ele pode influenciar a eleição municipal?
Essa é uma pergunta que tem de fazer para analista político. O Lula é uma liderança política extremamente expressiva, é óbvio que ele tem influência política no País.
Qual você diria que foi sua maior lição tirada da campanha presidencial, que você aplicaria na disputa pela Prefeitura?
A campanha de 2018 foi um ponto fora da curva, foi única. Foi uma campanha em que não se discutiu projeto, não se discutiu futuro. Foi marcada por ódio, por medo, e não por esperança. A gente não tinha espaço para discutir projeto, estávamos sufocados, o ambiente era tóxico. Isso levou a uma polarização extrema com o bolsonarismo de um lado e a candidatura do PT, de outro. Foi minha primeira experiência eleitoral e logo para a Presidência da República. Aprendi muita coisa, conheci melhor o Brasil, aprendi a fazer campanha eleitoral. Acho que o cenário que nós vamos ter em 2020 é muito diferente. Hoje, o clima político não é o mesmo. Bolsonaro está muito mais fraco do que estava quando começou a governar. Existe uma decepção, e muito forte, em São Paulo em relação ao que Bolsonaro é. Queriam acabar com a corrupção, mudar o que está aí. Hoje o que o brasileiro levou foi (Fabrício) Queiroz, rachadinha e milícia – além do pior desempenho no mundo de um governante na pandemia. Hoje acho que pode ser, sim, uma campanha marcada pela esperança. Nós podemos fazer São Paulo voltar a sonhar.
Mas pode ser propositiva? Ou ficará numa polarização entre bolsonarismo e antibolsonarismo?
Nós faremos uma campanha com propostas. Inevitavelmente, essa eleição vai ser também um termômetro em relação ao bolsonarismo. Nossa candidatura tem como objetivo derrotar o bolsonarismo em São Paulo, derrotar também o tucanato e apresentar um outro modelo de cidade – um modelo radicalmente democrático, popular, socialista de cidade. Eu apresentei algumas dessas propostas aqui.