‘É cansativo ter de provar que é gente, digno de respeito’, disse professor agredido
"É muito cansativo atravessar sua humanidade tendo de provar que é humano. Consumir parte da vida tendo de provar que é gente, digno de respeito", disse Juarez Tadeu de Paula Xavier
- Data: 22/11/2019 15:11
- Alterado: 22/11/2019 15:11
- Autor: Redação ABCdoABC
- Fonte: Estadão Conteúdo
Crédito:Divulgação
Professor de Jornalismo da Universidade Estadual Paulista (Unesp), Juarez Tadeu de Paula Xavier, foi xingado de “macaco” e esfaqueado na quarta-feira, 20, no estacionamento de um supermercado em Bauru, no interior de São Paulo. Os ferimentos foram superficiais e o docente teve alta. A agressão foi no Dia da Consciência Negra.
Xavier, de 60 anos, voltava de uma consulta médica quando foi atacado por Vitor Munhoz, de 30 anos, com um canivete. “Ele parou e me chamou de ‘macaco’. Fui tirar satisfação.” Os dois, então, iniciaram luta corporal. “Quando ele tentou me acertar, consegui me esquivar. Até que pessoas ao redor me ajudaram a contê-lo. Só percebi que tinha sido esfaqueado quando começou a sangrar muito.”
Um empresário e o segurança do supermercado intervieram e seguraram o agressor. O empresário Felipe Azevedo disse à polícia que Munhoz continuava chamando a vítima de “macaco”, enquanto o agredia. Ele ajudou a conter o agressor e se tornou testemunha do caso.
O professor foi atingido no ombro esquerdo, no braço e nas costas, onde teve de fazer uma sutura. A alta foi no mesmo dia do ataque e ele relata estar bem e medicado. Xavier afirma ainda que não conhece Munhoz.
Até a tarde desta quinta-feira, 21, a família do agressor não havia contratado advogado. Um parente, que não quis se identificar, disse ao jornal que Munhoz sofre de transtornos mentais e está em tratamento contra esquizofrenia.
Com essa alegação da família, o delegado fixou fiança de R$ 1 mil para que ele pudesse responder em liberdade por injúria e lesão corporal dolosa. A defesa de Xavier quer que ele responda por tentativa de homicídio.
Indignação
“Eu tenho dito: não é possível que um negro no Brasil nunca tenha passado por situação de racismo. Imaginávamos que tínhamos avançado, mas parece que não. Isso só mostra a necessidade de continuar discutindo Direitos Humanos”, afirmou.
Pesquisador do Núcleo Negro Unesp para Pesquisa e Extensão (Nupe), Xavier estuda o movimento negro há anos e não foi a primeira vez que foi vítima do racismo. Em 2015, pichações em um banheiro da Unesp traziam xingamentos de “macaco” contra ele. Uma comissão foi formada para investigar o caso, mas a apuração foi encerrada sem identificar os culpados.
De origem simples, Xavier nasceu na Vila Mazzei, zona norte paulistana. Seu pai era caminhoneiro e ficou preso por delito comum até 1970, quando foi assassinado. Sua mãe se mudou de Minas para São Paulo para trabalhar na indústria têxtil e, depois, como empregada doméstica. Por causa da violência na região em que morava, Xavier passou a adolescência em uma casa de candomblé na zona leste. Ficou sem ir à escola dos 10 aos 17 anos.
Depois dos 30 anos, concluiu a graduação em Jornalismo na Pontifícia Universidade Católica (PUC) de São Paulo e fez mestrado e o doutorado na Universidade de São Paulo (USP). Além de dar aulas no câmpus de Bauru, é assessor da Pró-Reitoria de Extensão Universitária e Cultura. Participou também do processo de implementação das cotas raciais na universidade.
Raiva e indignação, segundo o docente, foram os primeiros sentimentos que o tomaram no momento da nova agressão. “Estamos na luta política por igualdade há muitos anos. Não dá para dizer que não fica abalado. Tenho filhos, esposa, projetos, sonhos. Sempre abala.”
Apesar disso, ele ressalta as mensagens de apoio e a ajuda de amigos e parentes. Diz ainda ter esperança no futuro. Para Xavier, é preciso “que a gente mantenha nossa utopia”. “Ela nos ajuda a caminhar.”
Repúdio
Em nota, a Unesp disse que atos do tipo reforçam a necessidade de continuar a “luta contra a discriminação racial, os preconceitos, de qualquer natureza, e especialmente contra a desigualdade abissal que marca historicamente a população negra no Brasil”. A Associação de Docentes da Unesp afirmou que o crime não pode ser “banalizado e esquecido”.