E² Cia de Teatro e Dança estreia ”Tudo que é imaginário existe e é e tem”
Obra baseada na vida de Estamira Gomes de Sousa
- Data: 02/12/2021 15:12
- Alterado: 02/12/2021 15:12
- Autor: Redação
- Fonte: E² Cia de Teatro e Dança
Tudo que é imaginário existe e é e tem
Crédito:Isabelle Índia
Inspirada anteriormente por obras literárias, como Vidas Secas, de Graciliano Ramos, contos de Clarice Lispector ou o poema Tragédia Brasileira, de Manuel Bandeira, a E² Cia de Teatro e Dança estreia um trabalho cênico a partir da fala assertiva e desconcertante de Estamira Gomes de Sousa (1941 – 2011), mulher que trabalhava no aterro sanitário de Jardim Gramacho, no Rio de Janeiro, e que teve a vida apresentada no filme-documentário Estamira, de Marcos Prado. A obra cinematográfica é carregada de falas e ensinamentos filosóficos profundos sobre o descaso público, a constante violência social e outros assuntos caros à Estamira, lida como uma mulher com distúrbios mentais, mas também como uma grande profetisa dos nossos tempos.
Tudo que é imaginário existe e é e tem, uma das frases ditas por Estamira no documentário, também nomeia o espetáculo da E² Cia de Teatro e Dança, solo de dança dirigido e interpretado por Eliana Santana que estreia dia 12 de dezembro e segue em temporada até dia 26 no Youtube do Portal MUD. Esta versão da obra foi criada especialmente para o formato audiovisual e aposta em alguns cortes mais fechados e na reprodução de frases ditas por Estamira no filme que a tornou conhecida.
“Cada palavra de Estamira é um estupor. Fico até muito comovida em fazer esse trabalho, porque os ensinamentos dela são muito potentes, sobretudo neste momento que estamos vivendo no Brasil”, comenta Eliana Santana.
Segundo Hernandes de Oliveira, diretor de arte, cenógrafo e iluminador, o espetáculo dá prosseguimento à pesquisa do grupo que traz a palavra e a visualidade como referências para diversas possibilidades de construção no corpo e na cena. “Existe uma trilha sonora, mas também muito silêncio, pois eles são importantes para a confecção deste trabalho, assim como uma luz discreta e poucos elementos cênicos, como um carrinho de mão carregado de flores”, adianta Hernandes.
Pode-se dizer que a obra busca trazer para a cena a força das palavras de Estamira em consonância com seu corpo e gestos. Como reforça a equipe de criação da E² Cia de Teatro e Dança, esses elementos foram captados com maestria no filme de Marcos Prado e funcionaram como uma espécie de guia para a criação da obra.
No seu depoimento, Estamira toca em várias feridas sociais, como a sedução pelo capital, o prestígio sem obra, a indiferença com o outro e o silêncio autorizante diante do horror nesses tempos de apagamento de toda singularidade. Seu testemunho não é apenas opinião, o documentário acompanha sua trajetória trágica e traz um nível maior de compreensão para a força de sua fala.
A pesquisa artística realizada pelo grupo está alicerçada em dois modos de operação: o anônimo como tema, ou seja, aquele que tende a ser invisibilizado e a ocupar papéis restritos e pré-determinados na sociedade contemporânea, e acasos na criação, pois o acaso propicia arranjos, composições e formas distintas do habitual, o que permite, entre outras coisas, camadas maiores de consciência do movimento e da corporeidade. A estratégia de criação se dá também em outros trabalhos da companhia, como Dos prazeres, A Emparedada da Rua Nova e … e das outras doçuras de deus, obra com a qual Eliana recebeu, em 2011, o Prêmio APCA na categoria Intérprete Criador em Dança.
O sujeito anônimo, inclusive, é uma das bases estruturais da pesquisa da E² Cia de Teatro e Dança e se personifica com Estamira, profetisa dos nossos tempos que foi barbaramente abandonada pelo sistema vigente, deixando um legado por meio de palavras filmadas ou transcritas que revelam um testemunho maior de sua visão de mundo.