Corpo é achado em área Yanomami; mulher estrangulada é a 14ª morte em uma semana
Crise humanitária que deixou ao menos 570 crianças mortas, faz parte da escalada de violência decorrente as tentativas do governo federal de expulsar cerca de 20 mil garimpeiros ilegais
- Data: 07/05/2023 18:05
- Alterado: 07/05/2023 18:05
- Autor: Redação ABCdoABC
- Fonte: Estadão Conteúdo
Crédito:Foto: Divulgação / Polícia Federal
Uma mulher morta com sinais de estrangulamento e violência sexual foi encontrada neste sábado, 6, no Território Yanomami, em Roraima. Segundo a Polícia Federal, o corpo foi levado para o Instituto Médico-Legal (IML) e o laudo da causa da morte deve ser divulgado nesta semana. A identidade da vítima não foi confirmada.
Ela estava em uma vala, próximo ao local em que outros oito corpos de garimpeiros foram encontrados, na comunidade Uxiú, Com essa morte, o número de vítimas chega a 14 em apenas uma semana, em escalada de violência após tentativas do governo federal de expulsar da região os cerca de 20 mil garimpeiros ilegais e ocorre na esteira da crise humanitária que deixou ao menos 570 crianças mortas, vítimas de doenças levadas por esses mineradores ilegais, segundo as investigações.
Outro efeito colateral é a destruição do bioma, com a poluição dos rios por mercúrio e a fuga de animais que servem como caça. O presidente Jair Bolsonaro (PL), por sua vez, chamou a crise indígena de de “farsa da esquerda”.
De acordo com relatos de indígenas, pesquisadores e equipes de investigação, a facção criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC) atua na reserva federal.
No sábado, 29, o agente de saúde indígena Ilson Xirixana foi morto com um tiro na cabeça, e outros dois Yanomami ficaram feridos em estado grave. A suspeita sobre a autoria do ataque recaiu sobre os garimpeiros e equipes da Polícia Federal foram enviadas ao local do conflito para ouvir testemunhas e a fazer perícias.
No domingo, 30, quatro garimpeiros morreram durante operação de fiscalização da Polícia Rodoviária Federal (PRF) e do Ibama na região de Uiaiacás, na Terra Indígena Yanomami. A PRF disse que a equipe foi recebida a tiros. Foram apreendidos um fuzil e armas de uso restrito. O ataque é investigado pela PF. Um dos mortos era foragido da Justiça do Amapá.
Na segunda-feira, 1º, os corpos de oito pessoas, não indígenas, foram encontrados na reserva indígena. Investigadores acreditam serem garimpeiros, mortos em represália pelo atentado de sábado. Há informações de que os corpos tinham perfurações e marcas de flechas.
O corpo da mulher encontrada neste sábado, 6, estava próximo ao local em que esses oito corpos foram encontrados.
Em nota, a Polícia Federal destacou o confronto entre os garimpeiros e os Yanomamis. “Durante as diligências, a PF apurou indícios dos crimes cometidos contra os indígenas, ouviu testemunhas, realizou perícia de local de crime e aguarda a elaboração dos respectivos laudos e relatórios para prosseguimento das investigações”, diz o texto.
Na última semana, a PF em ação conjunta com o Ibama, destruiu três aeronaves que dariam suporte a criminosos na região. Também foram destruídos combustíveis e uma oficina clandestina, localizada na mata, que realizaria manutenção de aeronaves de garimpo. As ações fazem parte da Operação Libertação,
Também foram destruídas acampamentos, combustíveis e maquinário encontrados em locais que ainda possuem garimpos em atividade. As ações contaram com apoio da FAB.
PCC atua como ‘síndico’ do garimpo ilegal
Conforme avança a retirada de garimpeiros ilegais do Território Indígena Yanomami, em Roraima, um problema começa a ficar cada vez mais evidente: a presença do Primeiro Comando da Capital (PCC) na reserva federal.
Ali, a facção atua em uma lógica menos hierarquizada e mais em associação com outros agentes ilegais. São os membros da facção os gestores do garimpo, responsáveis pelo fornecimento de insumos e máquinas para a atividade, pelo domínio do tráfico de drogas e da prostituição nas pequenas vilas, chamadas de “currutelas”.
Ao menos desde 2019, a atuação dos criminosos alterou radicalmente a vida no local, com os garimpeiros passando a andar armados com fuzis e não mais armas de caça e alterando até a forma como se vestem – eles passaram a andar com roupas pretas-, diz o relatório “Yanomami Sob Ataque” -produzido pela Hutukara Associação Yanomami, Associação Wanasseduume Ye’kwana e Instituto Socioambiental (ISA).
Conforme o relatório, membros do PCC vêm se integrando às atividades de exploração de ouro. “O narcogarimpo vem permitindo a formação de estruturas mais bem equipadas, com armas e abordagens mais violentas aos indígenas”, afirma o documento.
A constatação é a mesma de outra pesquisa, segundo a qual o principal interesse do PCC em Roraima está no controle das fronteiras para transportar drogas e armas. “A atuação na zona de garimpo ocorre mais na ideia de controle do território, operando como braço armado do garimpo ilegal”, afirma relatório produzido pelo Instituto Clima e Sociedade, Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), Instituto Igarapé e Centro Soberania e Clima. “Uma das constatações que se faz, nesse sentido, é de que é muito dispendioso extrair o ouro, razão pela qual a organização criminosa prefere extorquir, roubar e fazer a segurança do local.”