Continuidade da Guerra Israel-Hamas favorece extremistas, dizem analistas
Ambos participaram de um debate mediado pela jornalista Patrícia Campos Mello, repórter especial da Folha, na sede do jornal, no começo da tarde desta segunda-feira (7).
- Data: 07/10/2024 19:10
- Alterado: 07/10/2024 19:10
- Autor: redação
- Fonte: Folhapress
Crédito:Mundo/Irna
As perspectivas de um acordo entre Israel e Hamas atualmente são remotas, e, enquanto a negociação não ocorre, a guerra que se estende há um ano na Faixa de Gaza e se espalha para outras partes do Oriente Médio tem o potencial de fortalecer extremistas.
As considerações foram um dos pontos de concordância entre Arlene Clemesha, professora de história árabe na USP, e Michel Gherman, coordenador do Núcleo Interdisciplinar de Estudos Judaicos da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro).
A data marca 12 meses dos atentados terroristas do Hamas, que mataram cerca de 1.200 pessoas no sul de Israel e fizeram 251 reféns. Desde então, a ofensiva militar israelense na Faixa de Gaza deixou mais de 40 mil mortos.
A essa altura, o que há é um avanço da guerra que favorece extremistas de todos os lados, segundo Gherman. “Uma dialética da barbárie produzida pelo Hamas, pelo governo de Israel e pelo Irã, enquanto grupos progressistas que veem isso tudo acontecendo são reféns desses governos”, classifica ele. “Eu não me surpreenderia se a gente tivesse condições concretas para uma guerra civil [em Israel].”
Nesse sentido, diz Gherman, o conflito representa mais uma continuidade do que uma ruptura no modo de operar do primeiro-ministro Binyamin Netanyahu, líder de uma coalizão composta por extremistas religiosos que colocou Israel sob o governo mais à direita de sua história.
“Netanyahu negociava com o Hamas, não negociava com a Autoridade Nacional Palestina”, diz Gherman em referência à organização criada após os Acordos de Oslo de 1993 e que, diferentemente do Hamas, defende uma solução de dois Estados. “A ideia de que não há alternativa [para o fim do conflito] fortalece o Hamas, que está reocupando espaços civis em Gaza.”
A interpretação do momento atual contradiz a justificativa oficial que Netanyahu dá para o conflito. O premiê reitera que o objetivo da guerra é destruir o Hamas, e acordos de cessar-fogo constantemente naufragam devido à exigência de Israel de que o grupo armado saia do poder no território palestino.
“A gente está hoje, 7 de outubro de 2024, vendo mísseis de Gaza para Israel. Ou seja, o Hamas não foi neutralizado nem sequer nesse ponto. Os mísseis continuam chegando”, afirma Gherman. “É um diálogo de morte entre esses dois grupos, Hamas e o governo de Israel, e eu acho que a valsa continua. Não vejo nenhuma saída.”
Segundo Clemesha, o mesmo efeito colateral de fortalecimento de grupos extremistas pode vir a ser observado no Líbano, onde se abriu mais uma frente da guerra nas últimas semanas. Ali, o conflito já matou mais de 2.000 pessoas, de acordo com o Ministério da Saúde em Beirute.
“O Hezbollah tem um exército que é mais poderoso que o Exército do Líbano, então sempre que há uma guerra, um ataque externo, ele entra em ação. Aí é que a sua popularidade pode aumentar, porque o povo do Líbano não tem outro que o defenda”, diz a pesquisadora.
Na ausência de um acordo, Clemesha vê com otimismo tentativas de pressionar o governo israelense por suas ações em Gaza, ainda que critique o atraso de declarações como a de Emmanuel Macron, no último sábado (5). No fim de semana, o presidente da França afirmou que o envio de armas a Israel para uso no território palestino deveria ser interrompido.
“É muito pouco, muito tarde. Não é de hoje que a lei internacional vem sendo desrespeitada por Israel”, afirma. “Hoje há uma situação que foge ao controle, e de repente o mundo diz: ‘Não, Israel está pisoteando a lei internacional e isso pode ter consequências’. Mas o mundo deveria ter respondido muito antes para que não chegasse a esse ponto.”
Os debatedores divergiram sobre a caracterização da ação israelense em Gaza como genocídio.
Citando decisão da Corte Internacional de Justiça (CIJ), Clemesha afirma que o entendimento internacional sobre quais fatores configuram um genocídio é claro e, embora seja particularmente difícil comprovar um desses pontos, a intenção de cometer genocídio, isso está evidente no caso da guerra atual.
“Existem inúmeras declarações de lideranças israelenses dizendo que a intenção é liquidar os palestinos, então há uma intenção comprovada”, diz ela, em referência a falas como a de ministros extremistas do governo Netanyahu.
Gherman, por outro lado, afirma que é preciso aguardar uma decisão definitiva sobre o assunto. “Acho fundamental esperar e perceber se a dimensão multilateral, que é o tribunal, vai definir que essa plausibilidade é ou não um genocídio de fato.”