Consumo de violência online pode levar a ataques de jovens, aponta estudo
26,4% dos entrevistados afirma que o acesso ao conteúdo violento o motivou a atacar outras pessoas
- Data: 20/03/2024 15:03
- Alterado: 20/03/2024 15:03
- Autor: Redação
- Fonte: Isabella Menon/Folhapress
Crédito:Divulgação/Freepik
O fácil acesso a vídeos violentos é capaz de deixar jovens menos sensíveis em relação à morte, abuso sexual e crimes hediondos.
É o que mostra a pesquisa “Algoritmos e violência no Brasil: Rumo a Um Modelo Educacional para a Paz e os Direitos Humanos”, da instituição Think Twice Brasil, que tem como objetivo promover a educação em direitos humanos, cultura de paz e engajamento cívico como ferramenta de transformação da sociedade.
A pesquisa investigou como o uso das redes sociais pelos jovens brasileiros pode facilitar o acesso a conteúdos de violência que podem influenciá-los a efetuar ataques violentos em escolas no Brasil. Isso porque o país vem enfrentando um aumento nos casos nos últimos anos.
Desde 2001, o país registrou 36 ataques – a maioria (58,33%) se concentrou de fevereiro de 2022 a outubro do ano passado, como mostra o relatório “Ataques de Violência Extrema em Escolas no Brasil”, que foi desenvolvido pela pesquisadora da Unicamp Telma Vinha e outros oito especialistas na área.
A pesquisa da Think Twice foi dividida em dois momentos. No primeiro, 216 jovens entre 13 e 24 anos foram responderam à pesquisa de forma anônima, sobre suas relações com as redes sociais mais populares no Brasil – a maioria dos entrevistados tinham entre 13 e 16 anos (41,2%), eram mulheres (63%), se autodeclaram brancos (63%), e estavam localizados na região Sudeste do Brasil (69,9%).
A maioria (84,3%) afirma que já encontrou conteúdo violento, discriminatório ou perturbador nas redes sociais.
Apesar de grande parte (73,6%) afirmar que não sentiu o desejo de atacar verbalmente nem fisicamente após assistir a vídeos com conteúdo violento ou perturbador, 26,4% relatou que o conteúdo violento motivou a atacar outras pessoas – tanto física quanto verbal.
Entre os depoimentos que a pesquisa coletou, um jovem afirmou que cresceu consumindo conteúdo de violência extrema por meio da internet. “Embora eu nunca tenha feito mal às pessoas, essa experiência afetou a forma como as vejo e que me dessensibilizou em relação a tudo de grotesco e perturbador”, disse ele.
Gabriele Garcia, fundadora e diretora-executiva da Think Twice, analisa que a pesquisa demonstra como a violência é estrutural na sociedade.
“Antes, a sociedade estava limitada às violências experimentadas no processo socioeconômico, como nas famílias, no trabalho e na comunidade. O levantamento demonstra como a violência não tem fronteiras. Você é capaz de acessar a todo o tipo de violência”, afirma ela.
Além disso, Garcia evidencia que é comum que os jovens não tenham um controle por parte dos seus responsáveis em meio ao uso das plataformas digitais.
Após coletar as respostas, o instituto de pesquisa criou uma conta no TikTok – a rede escolhida está ligada ao fato do Brasil estar entre os países com maior número de usuários do aplicativo – entre o mês de outubro, com o objetivo de imitar a experiência vivida por um jovem na internet e observou a recomendação de vídeos com apelo à violência.
A pesquisa analisou que o sistema de recomendação promove conteúdo violento de diferentes formas. Ao longo do período analisado, 220 vídeos (18,3%) incitaram violência. Entre eles, 71,3% fizeram apelos explícitos à violência e, em alguns casos, incitam violência em escolas. Além disso, 15% configuram casos de cyberbullying direcionados a mulheres e 13,7% apresentaram conteúdo discriminatório.
Após 12 dias interagindo com vídeos com conteúdo discriminatório e vexatório e seguindo contas que compartilharam este tipo de conteúdo, a plataforma começou a recomendar vídeos ainda mais explícitos à violência, como sequência de imagens de crianças assassinadas com requintes de crueldade.
A partir do 12º dia de análise até o 30º, os algoritmos recomendaram quase que todos os dias vídeos reproduzidos por um portal que dá acesso a vídeos filmados por indivíduos enquanto torturam suas vítimas antes de matá-las.
O algoritmo ainda recomendou vídeos em que pessoas negras, especialmente homens, e mulheres foram vítimas de discriminação. Enquanto homens negros foram principalmente associados à criminalidade, mulheres brancas foram retratadas como desprovidas de inteligência. Imigrantes, principalmente da China e Oriente Médio, homossexuais e pessoas autistas também foram discriminadas em alguns vídeos.
A pesquisa demonstra ainda que as políticas de moderação não têm impedido efetivamente a circulação de conteúdo violento, discursos de ódio e notícias falsas. Também aponta que uma das formas de burlar barreiras destinadas a prevenir a circulação de material que promove a violência é utilizar palavras em que no lugar de letras estão números.
Por exemplo, ao invés de escrever “perturbadores”, o usuário escreve “perturb4adores”.
O levantamento ainda detectou vídeos que incitam violência para resolver bullying na escola, com conteúdos que encorajam usuários a levarem um soco inglês e um abridor de coco para a escola para confrontar aqueles que os intimidaram.
Nos termos de serviço da plataforma, o TikTok afirma que é proibido utilizar a plataforma para intimidar ou assediar outra pessoa, promover material de sexo ou violência explícita ou discriminação por raça, sexo, religião, nacionalidade, deficiência física ou mental, orientação sexual ou idade.
Gabriele, do instituto Think Twice, relata que crianças aprendem pela repetição e observação. Ela cita ainda que pesquisas já demonstraram que, se a criança está inserido num contexto de violência dentro da sua comunidade ou da sua família, tem mais chances de se tornar ou um violador ou uma vítima de violência na fase adulta.
“As redes sociais elas atualizam esse processo, né? Se você que você estava inserido a violências no seu contexto individual, agora você tá exposto a toda a ordem de violência”, diz ela que considera que para estes usuários nas redes sociais, a violência passa a fazer parte do repertório social deles.
“A gente falha ao endereçar quais são as possibilidades de entender a resolução de conflitos como parte da educação formal”, diz ela.
A pesquisa, que vai ser apresentada na tarde desta quarta-feira (20), preparou um material para educadores, com planos de aula para o ensino médio e sugestões de abordagens sobre violência e cultura de paz, também desenvolveu um baralho com perguntas que tem como objetivo de promover o diálogo dentro de casa.