Como Ilhabela vai tornar a água do mar potável para 8.000 moradores
Instalação de usina dessalinizadora deve ser inaugurada em 2026 na cidade, que tem um dos piores índices de abastecimento do estado de SP
- Data: 26/06/2024 12:06
- Alterado: 26/06/2024 12:06
- Autor: Redação
- Fonte: Tamara Nassif/Folhapress
Ilha das Cabras, Ilhabela
Crédito:Prefeitura de Ilhabela
O mar que rodeia Ilhabela (SP) está a poucos passos de virar uma fonte de água potável.
A partir de 2026, cerca de 8.000 moradores dos pontos mais remotos da cidade terão acesso a água tratada a partir de uma usina dessalinizadora, que irá retirar sal e outros minerais impróprios para consumo humano. A informação foi adiantada pela coluna Painel S.A., da Folha de S.Paulo.
Será a terceira do tipo no país e a primeira no estado de São Paulo.
O projeto, feito pela Sabesp em parceria com a prefeitura local, vem para dar conta de um paradoxo: ainda que as 19 ilhas que compõem a cidade-arquipélago sejam rodeadas por água, Ilhabela tem um dos piores acessos a abastecimento adequado em todo o estado paulista.
Segundo dados do Instituto Água e Saneamento, 69,96% da população da ilha é atendida por serviços de abastecimento, enquanto a média do estado é de 96,6%.
A usina será construída nas margens do Ribeirão Água Branca, próximo à Balsa que liga Ilhabela a São Sebastião. Lá, a água é salobra -meio termo entre doce e salgada, mas ainda inadequada para consumo humano-, porque há um ponto de intersecção do mar com a bacia de água doce que banha o Ribeirão.
Serão produzidos até 30 litros de água potável por segundo, de acordo com a Sabesp, um aumento em 22% da oferta de abastecimento da cidade. O investimento previsto é da ordem de R$ 60 milhões, segundo o prefeito Toninho Colucci (PL).
A medida permite “atender os clientes mesmo na alta temporada, quando a população cresce de forma exponencial”, afirma a companhia.
Na época de férias, é comum que partes de Ilhabela fiquem sem abastecimento, tanto pela força das chuvas de verão que afetam a captação de água das cachoeiras como pela demanda de turistas que lá desembarcam. A cidade abriga 35 mil pessoas, número que chega a triplicar na alta temporada.
“Há uma dificuldade em armazenar água doce, porque não tem como criar grandes reservatórios como acontece no continente”, diz José Carlos Mierzwa, professor da Escola Politécnica da USP (Universidade de São Paulo) e especialista em projetos de gestão de recursos hídricos.
“A maioria das cidades do Brasil depende de mananciais de abastecimento, que ocupam grandes áreas. Nas ilhas, a limitação de espaço leva à solução de dessalinização, que vai viabilizar todas as atividades desenvolvidas lá e dar suporte para que o maior número de pessoas possa morar e visitar.”
O arquipélago de Fernando de Noronha (PE) também conta com uma usina de dessalinização, um projeto iniciado há 20 anos que passou por retrofit em 2021 para reduzir a frequência de racionamento de água. Os novos equipamentos têm capacidade de produzir 20 litros de água potável por segundo, em investimento de R$ 22 milhões do governo estadual e da Compesa, companhia de saneamento de Pernambuco.
A outra usina do país ficará no Ceará. A Cagece (Companhia de Água e Esgoto do Ceará) está construindo o que virá a ser o maior projeto dessalinizador da América Latina, com capacidade para produzir mil litros de água por segundo.
A iniciativa, porém, encontra revés em empresas de telecomunicações, já que o local escolhido, na Praia do Futuro, é próximo a cabos de fibra ótica responsáveis por 99% do tráfego de internet do Brasil. Pelo imbróglio, a usina vai mudar de lugar e ficará a mais de um quilômetro de distância de onde estava prevista anteriormente, eliminando riscos de interferência nos fios subterrâneos.
Outros lugares do mundo também contam com a tecnologia que permite beber a água do mar. São exemplos Israel, Califórnia e Dubai, que, tal qual a usina de Ilhabela e a de Fernando de Noronha, usam o mecanismo de osmose reversa para funcionar.
Na biologia, o processo de osmose acontece quando a água se move do meio menos concentrado em sais para o mais concentrado, através de uma membrana semipermeável. O objetivo é atingir o equilíbrio da solução.
Na usina dessalinizadora, é o contrário: a água sai do meio mais concentrado, cheio de sal marinho e outros minerais, e vai para o de menor concentração. Os resíduos indesejados ficam detidos e só o líquido passa pela membrana, sem que o equilíbrio osmótico seja atingido.
Para que isso aconteça, porém, é preciso empregar alta pressão para romper o ciclo natural da biologia, um processo que demanda energia elétrica.
A usina de Ilhabela, segundo informou a Sabesp à reportagem, será abastecida de forma híbrida, com energia fornecida pela concessionária Neoenergia e por painéis fotovoltaicos instalados na planta.
“Outras usinas do mundo, como algumas das que estão na região do Oriente Médio, usam um processo térmico para obter água potável, o que gasta muito mais energia. A osmose reversa é o método mais eficiente para dessalinizar a água até hoje”, afirma Mierzwa.
Trata-se da evaporação artificial, que imita o ciclo da chuva para retirar partículas da água. Com uso de energia elétrica, a água do mar é aquecida e vira vapor, deixando resíduos em um reservatório adequado. Depois, é condensada para virar líquida novamente.
O processo para consumir a água do mar, porém, não para aí: é preciso submetê-la a etapas de pós-tratamento para torná-la apta ao consumo humano.
“A retirada de sais muda características da água, e daí é necessário fazer um ajuste químico, onde são adicionados compostos para reduzir a corrosividade, flúor e cloro. Só aí a água está adequada para ser distribuída para a população”, diz o especialista.
Uma das maiores preocupações de ambientalistas em relação à dessalinização é sobre o que é feito com a salmoura resultante do processo, isto é, a solução altamente concentrada em sais que fica para trás na usina. Quando descartada sem tratamento, por exemplo no próprio oceano, pode causar desequilíbrios ambientais que prejudicam a vida marinha.
À reportagem, a Sabesp esclareceu que a salmoura não será devolvida para o mar, mas direcionada para a rede coletora, onde será diluída e encaminhada até uma estação de tratamento de esgoto.
A Companhia também afirmou que tomou medidas para “eliminar potenciais impactos sonoros e ambientais”: equipamentos de dessalinização serão confinados em locais com proteção acústica, por exemplo, e a própria usina será instalada em um ponto do Ribeirão Água Branca que já sofreu interferência humana, onde há uma área de descarte de resíduos de construção civil atualmente.