Com tarifa zero, Prefeitura de SP paga mais a empresas de ônibus pela mesma frota
Gestão Ricardo Nunes diz que, apesar do aumento na demanda de passageiros, a ociosidade é de quase 60%
- Data: 17/04/2024 11:04
- Alterado: 17/04/2024 11:04
- Autor: Redação
- Fonte: Carlos Petrocilo e Tulio Kruse/Folhapress
Crédito:SPTrans
Após a implementação da tarifa zero aos domingos, a Prefeitura de São Paulo viu a demanda de passageiros aumentar em 20% e paga mensalmente R$ 10 milhões a mais às empresas de ônibus.
A conclusão é de um levantamento realizado pelos especialistas Rafael Calabria, do Idec (Instituto de Defesa do Consumidor), e Rafael Drummond, consultor em planejamento urbano e ex-conselheiro do CMTT (Conselho Municipal de Trânsito e Transporte).
Os dados, coletados pelos autores no site oficial da SPTrans, mostram um aumento de 24% na remuneração das empresas – equivalente a R$ 2,5 milhões por domingo, em média – do início da implementação da tarifa zero, em 17 de dezembro, até o primeiro fim de semana de março, se comparado aos três meses anteriores.
Por outro lado, o número de veículos nas ruas manteve se praticamente igual, apesar do aumento na quantidade de usuários.
Questionada, a SPTrans, órgão que gerencia o transporte público municipal, diz que houve aumento no número de passageiros mas também da ociosidade – ou seja, a quantidade de assentos vazios – nos coletivos aos domingos, de 60% para 64%. A gestão do prefeito Ricardo Nunes (MDB) afirma que isso ocorreu porque são utilizados veículos maiores, e “com isso o passageiro tem à disposição uma oferta maior de lugares”.
O gasto maior para a prefeitura é fruto, segundo os especialistas, do modelo de remuneração às companhias de ônibus. A administração municipal recompensa as concessionárias de acordo com a quantidade de passageiros.
“Fica clara a distorção gerada pela remuneração por passageiro. A prefeitura está dando mensalmente para as concessionárias cerca de R$ 10 milhões a mais do que deveria”, afirma Drummond.
Pelos contratos assinados entre prefeitura e empresas de ônibus, a forma de pagamento deveria ser modificada, mas a gestão Nunes adiou a possível mudança para março do ano que vem. O prefeito planeja tentar a reeleição em outubro deste ano.
A ideia é que, após essa alteração contratual entrar em vigor, diminua a importância da quantidade de passageiros para o cálculo dos pagamentos.
“O resultado evidencia que, além de a remuneração não ser vinculada aos custos reais do setor, a prefeitura insiste no erro de manter um modelo que premia a lotação em vez da frequência e da qualidade do serviço”, completa Drummond.
A SPTrans afirma que não paga os operadores exclusivamente por passageiros embarcados desde 2019. “Atualmente, o operador é remunerado seguindo uma fórmula que considera o seu custo operacional, ou seja, a frota programada, as horas de operação e a quilometragem, além dos custos fixos do veículo”, diz.
A gestão municipal, porém, não nega que tenha ocorrido um aumento nos repasses às empresas de ônibus pela operação aos domingos.
A gratuidade aos domingos começou a ser aplicada no dia 17 de dezembro de 2023. Tal medida é uma das principais apostas de Nunes na tentativa de reeleição.
Com o passe livre, a quantidade de passageiros que passaram a usar o sistema de ônibus municipal foi de 2,3 milhões (em média, aos domingos) para 2,8 milhões, um incremento de 500 mil passageiros entre meados de dezembro e o início de março.
O ônibus se tornou mais atraente em comparação às linhas férreas, que são geridas pelo governo estadual e tiveram aumento no valor da passagem para R$ 5 na gestão Tarcísio de Freitas (Republicanos).
Para oferecer a gratuidade à população, a gestão Nunes já previa uma perda de arrecadação em R$ 238 milhões neste ano – esse é o valor que as tarifas pagas aos domingos atualmente rendem aos cofres públicos. A conta não incluía o dinheiro que deve ser pago a mais às concessionárias.
Os pesquisadores ressaltam que o alerta sobre o aumento nos pagamentos, sem a contrapartida do aumento da frota, já havia sido feito no momento do anúncio da tarifa zero.
“A gente já tinha identificado que a remuneração às empresas ainda estava sendo feita por passageiros e que isso poderia acontecer”, afirma Calabria. “Significa que: se cair a demanda, o empresário ganha mais. Queda de demanda leva a reduzir a frota, como a SPTrans tem feito. E se aumentar a demanda [o empresário] ganha mais, mesmo que não faça [mais] viagens”, completa.
No orçamento da prefeitura para este ano, Nunes contou com um substitutivo enviado pelos vereadores de sua base de R$ 500 milhões somente para custear o transporte coletivo gratuito. Ao todo, o município prevê receita de R$ 111 bilhões em 2024.
O levantamento feito por Calabria e Drummond também mostra que houve, inclusive, uma pequena diminuição na frota de ônibus aos domingos, de 0,15%. Eram 4.661 no trimestre anterior à estreia da tarifa zero, e 4.654 nos três meses posteriores, segundo o estudo.
A prefeitura paulistana nega a diminuição da frota, mas utiliza um período diferente para analisar os dados – a gestão Nunes faz a comparação entre novembro e março, enquanto o levantamento dos pesquisadores analisa a frota média desde setembro, mas obteve dados só até o primeiro fim de semana de março.
Segundo a administração municipal, houve “frota aos domingos em novembro de 2023 foi de 4.844. Já em março/24, esse número foi de 4.846”.