CGU vê R$ 13 milhões de emendas irregulares a ONGs e cita Randolfe, líder do governo
Controladoria aponta direcionamento de recursos em seis de dez entidades analisadas; senador do PT diz seguir critérios de transparência
- Data: 09/11/2024 14:11
- Alterado: 09/11/2024 15:11
- Autor: Redação
- Fonte: Constança Rezende/Folhapress
Senador Randolfe Rodrigues
Crédito:Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil
A CGU (Controladoria-Geral da União), ligada ao governo Lula (PT), constatou irregularidades em seis dos dez repasses de emendas Pix a ONGs analisados pelo órgão, com a indicação expressa pelo parlamentar de beneficiário ou do objetivo específico para a aplicação dos recursos, em valores que somam cerca de R$ 13 milhões.
De acordo com relatório preliminar concluído na quinta-feira (7) e obtido pela reportagem, essas indicações foram evidenciadas em ofícios expedidos pelos próprios parlamentares ou em despachos nos respectivos processos administrativos.
Dentre os citados pelo relatório da CGU estão o senador Randolfe Rodrigues (PT-AP), líder do governo no Congresso -ele nega irregularidades.
A análise, elaborada por determinação do ministro Flávio Dino, do STF (Supremo Tribunal Federal), também identificou sobrepreço nas contratações, falta de capacidade técnica para a execução dos objetos e ausência de chamamento público para a escolha das ONGs.
As emendas Pix são verbas direcionadas por parlamentares para o cofre de prefeituras e governos estaduais sem a necessidade de apontar como o recurso será usado.
O tema está no centro de uma crise entre o Congresso e o Judiciário -Dino exige mais transparência para os recursos, e parlamentares dizem ver as digitais do governo por trás da atuação do ministro do STF.
Na análise da CGU -que focou apenas 20 ONGs, sendo dez beneficiadas com emendas Pix- foi citada, por exemplo, uma transferência Pix no valor de R$ 9,5 milhões determinada pela senadora Daniella Ribeiro (PSD-PB) ao Governo da Paraíba e, por esse, repassado à Fundação Parque Tecnológico da Paraíba (PaqTcPB).
A verba teve como objetivo a execução dos eventos “Bom é na Feira” e “Centro de Cultura Junina para quadrilhas em Campina Grande”, além da reforma de um parque de tecnologia, entre 2023 e 2024.
Segundo a CGU, a partir das análises realizadas sobre as parcerias, verificou-se que a parlamentar “selecionou expressamente a entidade parceira e os projetos a serem contemplados, prescindindo de chamamento público para seleção”.
De acordo com o órgão, não cabe a indicação pelo parlamentar de organização da sociedade civil como beneficiária nessa modalidade.
Também constatou-se que não houve processo de seleção da organização por meio de chamamento público. A Controladoria ainda aponta que as definições sobre a cidade, a instituição executora e os projetos “foram estabelecidos expressamente pela parlamentar autora da emenda”.
“É oportuno mencionar que a parlamentar responsável pela emenda é grande incentivadora de ações implementadas pela fundação, inclusive já recebeu o título de ’embaixadora do PaqTcPB”, diz a CGU.
A fiscalização do projeto mostra que a ONG não apresentou capacidade operacional e técnica para executar os principais objetos do contrato. Ainda há indícios de direcionamento para a contratação de serviços de empresas de ex-funcionários da ONG, segundo a CGU.
A senadora e a ONG negam qualquer irregularidade.
Outras emendas Pix com supostas irregularidades na execução, de acordo com o relatório da CGU, foram feitas pelo senador Randolfe Rodrigues, nos valores de R$ 550 mil e de R$ 300 mil.
Ambas foram transferidas ao Governo do Amapá, que repassou para a organização da sociedade civil Inorte (Instituto de Gestão em Desenvolvimento Social e Urbano). O objetivo foi a realização da festa de aniversário de 79 anos do município de Oiapoque e da Festa de São Tiago 2024.
Entre as irregularidades, a Controladoria diz que a transferência especial, com a emenda Pix, ocorreu para uma ação definida pelo parlamentar autor da emenda. Além disso, afirmou que não houve chamamento público e que foram contratadas empresas ligadas a dirigentes da instituição, além de sobrepreço.
O órgão diz que, pela “interpretação literal” da Constituição, as emendas do tipo transferência especial só podem ter como beneficiários diretos prefeituras e estados. A decisão sobre a aplicação dos recursos “deve ser exclusiva dos mesmos”.
A CGU também destacou que foi verificado “o registro de publicidade pessoal do congressista responsável pela indicação da emenda durante a execução do evento”.
É possível ver uma publicação no Instagram do Inorte, no dia 21 de setembro, com uma entrevista com Randolfe na divulgação de um evento com e legenda: “No segundo dia de Festival Equinócio o senador Randolfe Rodrigues já nos adianta que tem muito mais surpresas pela frente”.
Procurado pela reportagem, Randolfe diz que não direcionou as emendas para nenhuma instituição e que desconhece a ONG, exceto pelos trabalhos realizados. Em divergência com a CGU, Randfolfe diz que apontar em que a emenda deve ser executada obedece aos critérios de transparência.
“Dar uma indicação específica do objeto para onde o recurso vai é exatamente o que o ministro Dino pede, para mais transparência. Já o governo do estado é que faz e acompanha a execução”, disse.
A Inorte disse que todas as informações do contrato são públicas, que as respostas já foram enviadas para a CGU e que as prestações de contas foram feitas.
No caso da emenda da Paraíba, a senadora Daniella Ribeiro disse, por meio da sua assessoria, que não há qualquer irregularidade na destinação de sua autoria e que, conforme informações da fundação, a execução dos projetos ocorreu na forma da lei.
Também disse que parte dos recursos foram integralmente devolvidos à Secretaria de Estado da Ciência, Tecnologia e Inovação, “por razões de ordem técnica e recomendação jurídica”, e que é permitido fazer a dispensa de chamamento público para a indicação da aplicação dos recursos.
A secretaria respondeu que todos os processos seguiram os dispositivos legais, com monitoramento na execução.
A diretoria da fundação da Paraíba enviou o mesmo conteúdo da senadora e acrescentou que a organização possui plena capacidade técnica e operacional, fundamentada nos seus 40 anos de atividades.