Bolsonaro mudou de turma e aposta na ‘República da Tubaína”

Para blindar sua família e garantir reeleição, Bolsonaro se afasta de extremistas e lavajatistas e monta 'turma' com políticos do Centrão e ministros do STF contrários à operação

  • Data: 07/10/2020 13:10
  • Alterado: 07/10/2020 13:10
  • Autor: Redação ABCdoABC
  • Fonte: Estadão Conteúdo
Bolsonaro mudou de turma e aposta na ‘República da Tubaína”

Bolsonaro cria novo grupo na 'República da Tubaína'

Crédito:Reprodução

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Sob pressão dos inquéritos das rachadinhas, da possível interferência na Polícia Federal e das fake news, ele afastou-se de extremistas ligados a Olavo de Carvalho e lavajatistas. Agora, vive na companhia dos políticos do Centrão e dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) contrários à operação tocada pelo ex-juiz Sérgio Moro, a sua “República da Tubaína”. Os amigos atuais não são tão novos assim. Apesar da “surpresa” e das reclamações da militância bolsonarista, parte do grupo é formado por velhos conhecidos dos tempos de Bolsonaro na Câmara e com os quais se sente à vontade para “tomar tubaína”, refrigerante tradicional do interior paulista, expressão que o presidente passou a usar para definir  suas relações.

É um grupo de confiança que pode blindá-lo no cargo e livrar o filho Flávio, senador pelo Republicanos, do Rio, das investigações. Na “República da Tubaína”, os ministros do STF Gilmar Mendes e Dias Toffoli, ex-presidente da Corte, ganharam assento às mesas de articulação. Antes deles, líderes de partidos de Centro, como o senador Ciro Nogueira (PP-PI) e  o deputado Arthur Lira (PP-AL), além do líder do governo na Câmara, deputado Ricardo Barros (PP-PR), do partido ao qual o presidente foi filiado no passado, também ganharam seus lugares. Tudo isso a despeito do discurso contra Congresso e STF que levou Bolsonaro ao poder e motivou até meados do ano manifestações antidemocráticas, inclusive com sua presença. Bolsonaro chama Arthur Lira de “meu malvado favorito” .

O time que passou a ser ouvido pelo presidente com mais atenção ainda inclui os ministros das Comunicações, Fábio Faria, e do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho. Oriundos do Congresso, ambos transitam bem tanto entre parlamentares como entre outras figuras do poder em Brasília.  Por meio deles, Bolsonaro, que iniciou o governo rejeitando negociar com líderes partidários e associando o presidencialismo de coalizão à corrupção, abriu as portas dos palácios do Planalto e da Alvorada.

Numa transmissão ao vivo, Bolsonaro disse que já tomou “muita tubaína” com o desembargador Kassio Marques, nome do Centrão escolhido para vaga no Supremo. Integrantes do primeiro escalão dizem que a expressão “tomar tubaína” usada pelo presidente define o tipo de aliados que quer por perto neste momento. Saem os radicais, entram pessoas com capacidade de articulação política que ele precisa para seguir no governo. Na prática, Bolsonaro se cercou de quem pode ajudá-lo não apenas a afastar de si a pressão de inquéritos que envolvem a família, mas a abrir caminhos à reeleição em 2022.

Volta às origens

A menção ao refrigerante à base de guaraná e tutti-frutti remete também a uma volta às origens do presidente, nascido e criado no interior de São Paulo, berço das primeiras tubaínas vendidas em garrafas de vidro iguais às de cervejas. Agora, o nome do refrigerante marca o reencontro de Bolsonaro com políticos com os quais sempre conviveu nos tempos de deputado e antes de vencer as eleições como o candidato contra a “velha política”. Entre 2005 e 2016, Bolsonaro foi filiado ao PP, partido de Ciro Nogueira, Arthur Lira e Ricardo Barros.

Foi a legenda em que mais tempo esteve e da qual saiu para colocar usa candidatura a presidente de pé. Ingressou no PSC, ensaiou um compromisso com o PEN (atual Patriota) e terminou no PSL. “Para que as reformas sejam aprovadas, o Brasil precisa estar no eixo de desenvolvimento”, disse ao Estadão o líder do governo na Câmara, Ricardo Barros, quando questionado sobre como explicar a mudança do postura do presidente.

Nas redes sociais, antigos aliados protestam contra a nova turma do presidente e passaram a chamá-lo de “traidor”. Em maio, ele citou o refrigerante, mas para justamente mobilizar a militância. “Quem é de direita toma cloroquina; quem é de esquerda, toma tubaína”, disse. A piada foi feita no momento de avanço da covid-19.

Para o cientista político Carlos Melo, professor do Insper, Bolsonaro se vendeu nas eleições de 2018 como “outsider”, mas era apenas um deputado apartado do sistema por ser uma figura secundária, o típico parlamentar do baixo clero mais preocupado com questões regionais. “Embora apartado, ele sempre foi desse jogo. Então, ele está voltando para suas origens, Quem não percebeu isso foi porque não quis perceber e se iludiu com o discurso raivoso e radical”, disse Melo.

Segundo ele, o presidente, pressionado, optou por abandonar a base mais radical e, por pragmatismo, compor com Congresso e Judiciário em uma tentativa de salvar o mandato. “As circunstâncias fizeram Bolsonaro recuar do seu discurso. A base radical garantiu apenas dor de cabeça.  Os apoiadores tem razão de ficar sentido, mas a mudança é o instinto de sobrevivência.”

Turma do Supremo

A influência da “República da Tubaína“, que já se desenhava nos bastidores com a distribuição de cargos ao Centrão, ficou explícita na semana passada na indicação do desembargador Kassio Marques à vaga do decano Celso de Mello no STF. Junto com Marques, Bolsonaro foi à casa de Gilmar Mendes onde se reuniu com Dias Toffoli, o ministro Fábio Faria e Alcolumbre, que organizou o encontro. Nos próximos dias, a influência do grupo terá sua prova diante da revelação apresentada pelo Estadão de que Marques turbinou seu currículo com um curso de pós-graduação que não fez.

O objetivo da visita de Bolsonaro era ter a chancela para a indicação do desembargador escolhido a partir da articulação do senador Flávio Bolsonaro, embora o presidente tenha declarado que já tomou muita tubaína com Kassio Marques. O primogênito do presidente é investigado no caso envolvendo seu ex-assessor Fabrício Queiroz e as “rachadinhas” na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj) e que pode chegar à Corte.

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