Ameaças cercam o pleito
Artigo de Gaudêncio Torquato, jornalista, escritor, professor titular da USP e consultor político
- Data: 17/01/2022 11:01
- Alterado: 17/08/2023 10:08
- Autor: Redação
- Fonte: Assessoria
Gaudêncio Torquato é jornalista
Crédito:Divulgação
O que o TSE pode fazer para evitar o uso da máquina pública e a antecipação de campanha eleitoral? Para começar, definir limites entre função administrativa e função eleitoreira. Os espaços entre ambos se imbricam, mas é possível distinguir palanque eleitoral de canteiro de obras. Não dá para enganar. Mas tal definição não serve como imunizante para preservar o pleito de ondas corruptivas que costumam inundar os vãos eleitorais.
Analisemos. As eleições deste ano serão as mais ancoradas em dinheiro dos últimos tempos. Os cofres partidários estarão abarrotados com os recursos públicos do fundo eleitoral, cuja previsão é de cerca de R$ 5 bilhões. As margens serão contempladas com o programa Auxílio Brasil, que terá R$ 89 bilhões, além do Benefício de Prestação Continuada e a Renda Mensal Vitalícia, que pagam um salário-mínimo aos idosos e às pessoas de extrema pobreza. Os pacotes constituem a “bengala eleitoral” do presidente, com a qual pretende conquistar regiões carentes.
Significa que, mesmo em uma economia depauperada e sofrendo uma pandemia sem previsão de final, o Brasil entrará numa “farra eleitoral”, deixando ao largo compromissos com as metas de controle de gastos e crescimento.
Acreditávamos no aperfeiçoamento do processo eleitoral, a partir da abolição das coligações proporcionais, artifício que propiciava a escolha de candidatos sem expressão, puxados por perfis de densos estoques de votos. Mas uma janelinha foi aberta para permitir a continuidade de siglas ameaçadas de extinção. Criou-se a federação de partidos que vai funcionar como um teste para eventuais fusões ou incorporações. Os partidos de poucos votos serão arrastados pelos grandes.
Doações serão permitidas. O desgastado modelo de propaganda eleitoral voltará a buzinar em nossos ouvidos. Fulanos, sicranos e beltranos(as) desfilarão um rosário de promessas, sem atentar que a comunidade política não quer mais ser azucrinada. A crise política, que se finca nas estacas da franciscana modelagem do “é dando que se recebe”, acabou produzindo um antivírus que combate a demagogia, o populismo e as falsidades.
Candidatos abusarão da internet, massificando mensagens pelas redes sociais, desconhecendo que uma comunicação bem-feita é aquela que consegue interação entre os polos emissor e receptor. Sem diálogo, não haverá internalização das propostas. E, apesar dos cuidados do Tribunal Superior Eleitoral para conter a onda de fake news, com retirada de mensageiros mentirosos do sistema, veremos uma campanha cheia de versões, meias verdades, acusações e denúncias. Será a campanha mais mentirosa de nossa história.
E a lei da ficha limpa aprovada em 2010? Lembremos que passou a ser aplicada nas eleições municipais de 2012. Ganhou a assinatura de quase 2 milhões de pessoas e o apoio do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE), criado em 2010. No Congresso, a norma foi aprovada com 14 dispositivos à Lei Complementar nº 64/1990 (Lei de Inelegibilidade), aumentando as hipóteses de inelegibilidade.
Seu eixo é a garantia da probidade e da moralidade administrativa, com o impedimento candidaturas de políticos que tiveram mandato cassado ou contas referentes ao exercício do cargo rejeitadas por irregularidades. Proíbe que pessoas condenadas em processos criminais disputem eleições.
A partir do dia 1 de janeiro, as pesquisas de intenção de voto devem ser registradas no sistema de registro de pesquisas até 5 dias antes da divulgação, não havendo controles prévios da Justiça Eleitoral. A questão é saber se os Tribunais Eleitorais estarão a postos para controlar a enxurrada de pesquisas encomendadas, disfarçadas, bancadas por organizações.
Após as insinuações do presidente Bolsonaro para desacreditar o voto eletrônico, o TSE tomou todas as precauções para desfazer as correntes críticas, chegando, inclusive, a contratar o general da reserva Fernando Azevedo, que comandou o Ministério da Defesa de Bolsonaro até março deste ano, para o posto de novo diretor-geral do Tribunal. Uma espécie de salvo-conduto contra eventuais tiroteios do bolsonarismo.
Mais uma medida de controle: os códigos-fonte – programas inseridos na urna para permitir a votação e a totalização dos votos – foram abertos aos partidos e técnicos das legendas, que terão tempo ano para avaliar os softwares que rodam no aparelho. Outra medida: a criação de uma comissão externa com membros da sociedade civil e instituições públicas para fiscalizar e acompanhar o funcionamento do sistema eleitoral.
Há sabão de sobra para limpar as impurezas. Dúvida: será usado?