Poluição pode ser 17x maior no Polo Petroquímico de Capuava
Com recursos do Ministério Público do Estado São Paulo, estudo da USP e da FMABC também revela aumento gradual na concentração de metais pesados como níquel e cobre
- Data: 21/03/2018 14:03
- Alterado: 21/03/2018 14:03
- Autor: Redação
- Fonte: FUABC-FMABC
Crédito:divulgação
Pesquisadores do Laboratório de Poluição Atmosférica Experimental da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP) e da Faculdade de Medicina do ABC (FMABC) finalizaram recentemente projeto elaborado para atender demanda da Promotoria de Justiça do Meio Ambiente de Santo André (Inquérito Civil 20/02 – PJMASA), do Ministério Público do Estado de São Paulo, recebida via ofício em 1º de dezembro de 2014.
Sob o título “Análise do impacto das emissões aéreas do Polo Petroquímico de Capuava”, o trabalho reúne cinco estudos desenvolvidos na área de divisa entre São Paulo, Santo André e Mauá, onde está instalado o Polo Petroquímico de Capuava. Para viabilizar a pesquisa, o Ministério Público do Estado de São Paulo destinou recursos de verbas de compensação de dano ambiental oriundas de outro procedimento. Parte dos valores foi utilizada na compra de materiais, pagamentos a terceiros, estatísticas, bolsas de estudos e aquisição de equipamentos de última geração. Também há reserva para nova fase do projeto na FMABC e no Instituto de Química da USP, cujo foco são as doenças autoimunes, neurológicas, pulmonares e outras patologias ocasionadas pela poluição na região estudada.
O projeto coordenado pela professora de Endocrinologia da FMABC, Dra. Maria Angela Zaccarelli Marino, e pelo professor titular do departamento de Patologia da FMUSP e diretor do Instituto de Estudos Avançados da USP, Dr. Paulo Hilário Saldiva, teve o resumo executivo entregue ao promotor de justiça, Dr. José Luiz Saikali, juntamente com cópia do trabalho completo, que totaliza mais de 200 páginas.
Entre os principais resultados, os pesquisadores encontraram inconsistências nos relatórios encaminhados por via judicial pela CETESB (Companhia Ambiental do Estado de São Paulo) e pelas empresas do Polo Petroquímico de Capuava a pedido do Ministério Público. A conclusão é de que a emissão de material particulado no local seja até 17 vezes maior do que o registrado. Também foi constatado na região aumento gradual na concentração de metais pesados, como níquel (Ni) e cobre (Cu) – que potencializam o risco de câncer –, fato inversamente proporcional aos achados de outras regiões do Estado, onde os níveis dessas substâncias têm diminuído ao longo dos anos.
Além disso, as medidas de compostos orgânicos na atmosfera, provenientes do Polo Petroquímico de Capuava e de outras fontes, revelaram risco para o desenvolvimento de tumores acima dos níveis preconizados pela Organização Mundial da Saúde.
MINISTÉRIO PÚBLICO
O interesse do Ministério Público do Estado de São Paulo em investigar a poluição do ar na região de Capuava surgiu a partir de pesquisas da médica endocrinologista e professora da Faculdade de Medicina do ABC, Dra. Maria Angela Zaccarelli Marino, que há 28 anos estuda o grande número de casos de tireoidite crônica autoimune na região de Capuava. Ao longo dos anos, já são quatro artigos publicados em periódicos científicos internacionais, um deles indicando que a ocorrência de tireoidite na população que vive no entorno do Polo Petroquímico é cinco vezes maior do que em áreas residenciais distantes.
A partir de observação empírica da quantidade atípica de casos de tireoidite crônica autoimune na região do Polo Petroquímico, a professora da FMABC deu início em 1989 à pesquisa com moradores da localidade. Os pacientes estudados foram acompanhados em consultas médicas, exames laboratoriais de sangue com dosagens dos hormônios tireoidianos e ultrassonografia da tireoide. Ao todo, 6.306 homens e mulheres entre 5 e 78 anos foram avaliados.
A quantidade assustadora de casos comprovados de tireoidite na região levou o Ministério Público a instaurar inquérito civil para investigar a relação entre a doença e os níveis de poluição. Nesse momento, o Laboratório de Poluição Atmosférica da Faculdade de Medicina da USP, por meio do Dr. Paulo Hilário Saldiva, deu início à análise do impacto das emissões aéreas do Polo Petroquímico de Capuava, considerando o potencial de compostos presentes na poluição do ar como causa de doenças autoimunes.
DADOS ALARMANTES
A região de Capuava, em Santo André (SP), abriga um importante Polo Petroquímico, com capacidade de processamento de 8.500 metros cúbicos de petróleo por dia – o equivalente a 53 mil barris de petróleo. É responsável pela comercialização de cerca de 30% do volume de combustíveis consumido na região da Grande São Paulo – o maior mercado consumidor da América do Sul (PETROBRAS, 2015).
Com objetivo de analisar o impacto das emissões aéreas do Polo Petroquímico de Capuava, foi montada equipe multidisciplinar ampla e bastante heterogênea, composta por médicos, geógrafos, químicos, estatísticos, botânicos e engenheiros. Os pesquisadores estabeleceram, inicialmente, marcadores específicos da emissão industrial, a fim de diferenciá-la das demais – como as emissões automotivas ou de indústrias de outra natureza, por exemplo. Além disso, foi delimitada com exatidão a área atingida pelas emissões do Polo Petroquímico de Capuava e as diferenças de intensidade de exposição na área do entorno.
Dessa forma, com base no Censo de 2010, é possível estimar que 2,5 milhões de habitantes estejam expostos às emissões, sendo 640 mil somente de Santo André – ou seja, cerca de 90% de toda a população do município. As outras cidades afetadas são Mauá (92% da população exposta), São Caetano do Sul (51,8%), Ribeirão Pires (36,3%), São Bernardo do Campo (22,6%) e São Paulo (9,8%, o que representa mais de 1,1 milhão de paulistanos).
Além disso, os dados publicados em 2012 no Journal of Clinical Immunology (Chronic autoimmune thyroiditis in industrial areas in Brazil: a 15-year survey / J Clin Immunol. 2012 Oct;32(5):1012-8), que denunciavam cinco vezes mais casos de tireoidite na população de Capuava, foram confirmados no presente projeto. Conforme detalhado nos mapas das áreas de influência, as regiões atingidas pelas emissões do Polo Petroquímico são, justamente, as que concentram maior número de casos de hipotireoidismo. Nessas áreas também foi identificado grande quantidade de casos de doenças pulmonares obstrutivas, rinite, sinusite, faringite, conjuntivite e doenças de pele.
NATUREZA COMO ALIADA
A determinação da área da pluma das emissões do Polo Petroquímico de Capuava foi realizada com exatidão a partir de duas técnicas principais. A primeira é o modelo de dispersão conhecido como AERMOD, internacionalmente reconhecido e recomendado pela Agência Americana de Proteção Ambiental (EPA-USA). É utilizado para descrição da dispersão da pluma de poluentes, empregando dados meteorológicos, topográficos e valores de emissão evaporativas e de chaminés de empreendimentos industriais.
Para verificar a precisão e comparar os resultados obtidos via AERMOD, foi adotado o biomonitoramento com árvores – técnica pioneira, que avalia em laboratório o acúmulo de poluentes nas cascas das árvores, permitindo identificar quimicamente quais as fontes de poluição e a concentração, conforme a distância da área central de emissão. Segundo o relatório final dos pesquisadores, “foi possível observar correspondência entre os resultados da modelagem (AERMOD) e os obtidos pelas medidas diretas realizadas nas árvores, que apontaram para o fato de que a área de influência das emissões aéreas emanadas do Polo Petroquímico de Capuava possui uma distribuição espacial que em muito supera a sua vizinhança imediata”.
O biomonitoramento analisou 41 árvores de Santo André, Mauá e São Paulo, e também contribuiu para estimar a variação da poluição do ar ao longo dos anos. Utilizando instrumentos especiais, é possível fazer uma “biópsia” do tronco, que permite identificar os anéis anuais de crescimento da árvore e, assim, avaliar o conteúdo de elementos químicos em determinado período. Comparativamente, uma árvore localizada em área de tráfego intenso, como a Av. Dr. Arnaldo, na Capital, e uma árvore na região do Polo Petroquímico, apresentaram decaimento das concentrações de chumbo ao longo do tempo – fato esperado, uma vez que o chumbo tetraetila foi retirado da gasolina em meados da década de 1970. Essa semelhança não está presente nos elementos das emissões industriais, como níquel (Ni) e cobre (Cu) – metais pesados que aumentam o risco para desenvolvimento de câncer. Nesse caso, há decaimento temporal em São Paulo e crescimento progressivo em Capuava.
Os achados atuais corroboram com estudo anterior de biomonitoramento, realizado em 2010 pela FMABC. À época foram analisadas 37 árvores nas proximidades do Polo Petroquímico para avaliar o acúmulo de poluentes nas cascas. Foram encontrados níveis elevados de metais pesados como cádmio e enxofre, potencialmente prejudiciais à saúde.
INCONSISTÊNCIAS
Apesar de o estudo conseguir delimitar com precisão a área de influência da pluma, os pesquisadores concluíram que os dados relativos à concentração dos poluentes estão comprometidos, em função de “provável sub informação de dados de emissão” enviados pela CETESB e pelas empresas do Polo Petroquímico.
A equipe observou que o número de fontes e correspondentes medidas de emissão relatadas nos documentos enviados pela CETESB e pelas empresas do Polo Petroquímico de Capuava, a pedido do Ministério Público, é inferior ao que foi identificado em imagens de satélite, tanto para fontes evaporativas (tanques de abastecimento) quanto para fontes pontuais (chaminés). “Em outras palavras, visualmente são identificadas fontes (tanques e chaminés) que não foram reportadas pela documentação recebida pela equipe”.
Outro ponto preocupante é que os valores de emissão fornecidos para o cálculo das concentrações são inferiores àqueles relatados pela Agência de Proteção Ambiental Norte-americana para polos petroquímicos deste porte. “O conjunto das informações fez com que, embora tenham sido realizadas estimativas da exposição, a equipe executante tenha forte convicção de que estão subestimadas”.
Mesmo subestimados, os achados ainda são surpreendentes:
– As emissões do Polo Petroquímico de Capuava fazem com que as concentrações máximas horárias para dióxido de nitrogênio excedam os padrões de qualidade do ar vigentes.
– As emissões do Polo Petroquímico de Capuava contribuem para que os valores de potencial carcinogênico da poluição atmosférica, tendo como base os hidrocarbonetos policíclicos aromáticos, excedam os valores recomendados pela Organização Mundial da Saúde.
Se os valores utilizados como referência para os cálculos fossem aqueles recomendados pela EPA-USA para refinarias, a estimativa de emissão de material particulada na área do Polo Petroquímico seria aproximadamente 17 vezes maior do que o fornecido nos inventários encaminhados pela CETESB e pelas empresas do Polo Petroquímico.