Ações trabalhistas disparam em 2024 e superam 2 milhões pela primeira vez desde a reforma
Decisões do STF e do TST sobre gratuidade da Justiça impulsionam novos processos e reacendem debate sobre os efeitos da reforma trabalhista.
- Data: 11/02/2025 17:02
- Alterado: 11/02/2025 17:02
- Autor: Redação ABCdoABC
- Fonte: FOLHAPRESS
Em 2024, o Brasil registrou um aumento significativo no número de novas ações trabalhistas, superando a marca de 2 milhões. Este é o maior volume desde a implementação da reforma trabalhista em 2017, durante o governo de Michel Temer (MDB), marcando um retorno a níveis anteriores àquela mudança legislativa.
Dados provenientes do sistema estatístico do Tribunal Superior do Trabalho (TST) revelam que, até o momento, foram protocolados 2,117 milhões de processos na primeira instância, representando um crescimento de 14,1% em relação a 2023, quando foram contabilizados 1,855 milhão de novos processos.
Especialistas consultados pela Folha de S.Paulo apontam que esse aumento está vinculado ao afrouxamento das normas estabelecidas pela reforma trabalhista, consequência de decisões recentes do TST e do Supremo Tribunal Federal (STF) relacionadas à gratuidade da Justiça. Há indícios de que essa tendência pode se intensificar, considerando que alguns processos são iniciados diretamente na segunda instância ou mesmo no TST.
Uma decisão importante do STF em 2021 estabeleceu que trabalhadores com direito à gratuidade não podem ser cobrados por custas processuais em caso de derrota em ações judiciais contra ex-empregadores. Além disso, o TST firmou uma tese no final de 2024 garantindo o direito à gratuidade automaticamente para aqueles que recebem até 40% do teto da Previdência Social, além de permitir a concessão desse benefício para quem possui rendimentos superiores mediante declaração de hipossuficiência.
O TST tem enfatizado a conciliação como um método para gerenciar o volume crescente de ações e informou que em 2023 foram realizados acordos totalizando mais de R$ 7 bilhões, com recolhimentos previdenciários superiores a R$ 1 bilhão resultantes dessas conciliações.
Impactos e divergências sobre a alta das ações
José Pastore, economista e professor da Universidade de São Paulo (USP), observa que as novas regras da gratuidade judicial têm impactos significativos na economia, afirmando que “não existe almoço grátis” e que os custos advindos da gratuidade acabam sendo arcados pelas empresas, uma vez que os serviços jurídicos possuem um alto custo.
A análise dos dados sugere que desde a decisão do STF sobre as custas processuais em 2021 houve um incremento considerável no número de ações trabalhistas. O aumento foi notável: saltou de 1,444 milhão em 2020 para 1,550 milhão em 2021 e continuou crescendo nos anos subsequentes, com acréscimos significativos também em 2022 e 2023.
Pastore ressalta que essa “explosão” no número de processos pode comprometer a qualidade das decisões judiciais devido à sobrecarga dos juízes. O ministro Luís Roberto Barroso, presidente do STF e do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), manifestou preocupação com esse fenômeno e propôs mudanças nas formas de acordo entre trabalhadores e empregadores para facilitar as homologações sem necessidade de ações judiciais.
Contudo, o TST decidiu abordar questões sobre o direito à gratuidade sob o rito dos recursos repetitivos, buscando uniformizar essa interpretação em todos os casos semelhantes. Os ministros afirmaram que mesmo aqueles que ultrapassam o limite de 40% do teto previdenciário podem requerer gratuidade mediante comprovação da situação econômica desfavorável.
Divergências sobre os efeitos da reforma trabalhista
Mauro Menezes, advogado atuante na área trabalhista, atribui o elevado número de processos ao descumprimento das leis trabalhistas por parte das empresas e ao aumento das fraudes contratuais. Ele argumenta que a sonegação dos direitos trabalhistas leva diretamente ao crescimento das demandas judiciais. Embora reconheça que a reforma inicialmente dificultou o acesso à Justiça pelos trabalhadores, acredita que as recentes decisões têm possibilitado uma judicialização mais equilibrada.
Por outro lado, Priscila Kirchhoff, especialista na área trabalhista do escritório Trench Rossi Watanabe, afirma que se as disposições da reforma fossem corretamente aplicadas, os benefícios da gratuidade seriam direcionados realmente aos necessitados. Ela critica a prática atual onde pessoas com altos salários conseguem se beneficiar da Justiça gratuita apenas apresentando declarações simples.
A complexidade deste cenário evidencia os desafios enfrentados pelo sistema judiciário brasileiro e levanta questões importantes sobre a eficácia das reformas trabalhistas e suas consequências sociais.