O debate sobre a liberação dos cigarros eletrônicos no Brasil
A discussão sobre a liberação dos cigarros eletrônicos no Brasil envolve resistência de médicos e impactos negativos para a saúde e o meio ambiente, com visões divididas no Senado
- Data: 03/02/2025 14:02
- Alterado: 03/02/2025 14:02
- Autor: Dr. Saulo Saulo Maia D'Ávila Melo
- Fonte: Assessoria
Crédito:Divulgação/Freepick
Os cigarros eletrônicos, também conhecidos como vapes, estão no centro de uma intensa discussão política, médica e ambiental no Brasil. A votação de um projeto que propõe sua liberação no Senado tem sido alvo de polêmicas e sucessivos adiamentos, refletindo a complexidade do tema. Parte da resistência à aprovação se deve à forte pressão da comunidade médica e de organizações de saúde pública, como o Instituto Nacional de Câncer (INCA) e a Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia (SBPT), que argumentam que a liberação comprometeria a saúde da população e agravaria os problemas associados ao uso de nicotina e das outras substâncias químicas nocivas que fazem parte da composição dos cigarros eletrônicos, lesando à saúde dos fumantes desses dispositivos, principalmente entre os jovens.
Impactos negativos na saúde e no meio ambiente
Em audiências públicas realizadas no Senado, especialistas dessas instituições apresentaram estudos demonstrando os danos causados pelos cigarros eletrônicos à saúde e ao meio ambiente, reforçando a necessidade de se manter a proibição. Além disso, manifestações da sociedade civil, lideradas por associações médicas e grupos de combate ao tabagismo, têm exigido a retirada definitiva do tema da pauta legislativa, afirmando que a liberação beneficiaria apenas interesses comerciais em detrimento da saúde pública. Apesar disso, grupos favoráveis ao projeto argumentam que a regulamentação poderia trazer benefícios econômicos e maior controle sobre a comercialização, gerando uma divisão significativa entre os parlamentares.
A saúde dos jovens e o risco de dependência
Os danos à saúde causados pelos cigarros eletrônicos são amplamente documentados. Esses dispositivos são frequentemente apontados como uma porta de entrada para o consumo de nicotina, especialmente entre os jovens. Estudos publicados na revista JAMA Pediatrics indicam que aproximadamente 20% dos jovens brasileiros entre 15 e 24 anos já experimentaram cigarros eletrônicos, e o uso regular aumenta os riscos de dependência química.
A exposição regular aos componentes dos cigarros eletrônicos pode levar ao desenvolvimento de doenças graves, como enfisema pulmonar, bronquite crônica e câncer de pulmão. De acordo com um estudo publicado no American Journal of Preventive Medicine, o uso de vapes está associado a um aumento de 40% no risco de doenças respiratórias crônicas em comparação aos não fumantes. Além disso, o acetato de vitamina E, identificado em uma investigação conduzida pelos Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) dos Estados Unidos, foi apontado como um fator causal em casos de lesões pulmonares graves, resultando em mais de 2.800 hospitalizações e 68 mortes nos EUA em 2019.
Impactos ambientais e poluição
Os efeitos ambientais dos cigarros eletrônicos são outro aspecto alarmante. Estima-se que cerca de 50 milhões de dispositivos de cigarros eletrônicos sejam descartados anualmente no mundo, de acordo com a World Health Organization (WHO), contribuindo para a geração de milhares de toneladas de lixo plástico e eletrônico. O descarte inadequado de dispositivos plásticos, que incluem baterias de lítio-ion não biodegradáveis, polui o solo e os cursos d’água, além de representar um risco de incêndios e explosões nos aterros sanitários.
Além disso, os gases químicos inalados durante o uso não só prejudicam os pulmões dos fumantes, mas também se dispersam na atmosfera. Estudos do Environmental Science & Technology Journal indicam que componentes como nicotina, propilenoglicol e aldeídos são liberados no ar, contribuindo para a poluição atmosférica. A liberação de substâncias químicas voláteis representa um perigo adicional à saúde de não fumantes expostos ao vapor em espaços fechados.
Debate político e econômico sobre a regulamentação
A liberação dos cigarros eletrônicos também envolve um complexo debate político e econômico. Por um lado, a regulamentação poderia gerar receita tributária significativa e oferecer maior controle sobre a comercialização e o uso. Por exemplo, nos Estados Unidos, os impostos sobre dispositivos e líquidos para cigarros eletrônicos arrecadam centenas de milhões de dólares anualmente, conforme relatado pelo U.S. Census Bureau. No entanto, a comunidade médica e diversas organizações de saúde, como a American Lung Association, argumentam que os custos indiretos para o sistema de saúde pública superariam qualquer ganho financeiro.
Outro ponto de resistência à proibição é o impacto sobre um mercado informal robusto. Um estudo realizado pelo Instituto Brasileiro de Política Criminal e Social (IBRAPOC) estimou que o mercado ilegal de vapes no Brasil movimenta cerca de R$ 2 bilhões por ano, demonstrando a magnitude do desafio regulatório.
Possível caminho a seguir
Diante desse cenário complexo, é fundamental que o debate seja conduzido com base em evidências científicas e considerando as implicações éticas, ambientais e sociais.
No Brasil, algumas campanhas de conscientização têm sido implementadas por instituições como o Instituto Nacional de Câncer (INCA) e a Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia (SBPT). Essas campanhas focam na divulgação de informações sobre os riscos associados aos cigarros eletrônicos e na prevenção do consumo entre os jovens. Um levantamento da SBPT em 2023 apontou que, em cidades onde campanhas educativas foram realizadas em escolas, houve uma redução de 15% na experimentação de vapes entre estudantes de 13 a 17 anos.
O Brasil é um exemplo ao mundo no combate e controle do tabagismo, com diversas leis municipais, estaduais e federais, que ao longo das últimas décadas conseguiram reduzir as taxas de tabagismo no País. Isso foi conseguido com muito sacrifício e união das entidades médicas, órgãos governamentais e apoio da população brasileira. Na contramão desse sucesso e benefício a saúde da população brasileira surge o cigarro eletrônico prejudicando principalmente os jovens que estão mais vulneráveis a propaganda enganosa do cigarro eletrônico.
Quanto à fiscalização, a ANVISA, em parceria com a Receita Federal e as polícias estaduais, realiza operações para combater a comercialização ilegal. Em 2022, foram apreendidos mais de 500 mil dispositivos eletrônicos em diversas ações conjuntas. No entanto, a eficácia dessas medidas ainda é limitada pela ampla disponibilidade dos produtos no mercado informal e pela falta de recursos para uma fiscalização mais abrangente.
Campanhas adicionais e estratégias de fiscalização mais eficientes são essenciais para se reduzir o consumo de cigarros eletrônicos e mitigar seus impactos negativos. Programas educativos devem ser expandidos, e o reforço da fiscalização, aliado à punição para os responsáveis pela distribuição ilegal, poderá desestimular a comercialização clandestina.
O futuro da política sobre cigarros eletrônicos no Brasil dependerá da capacidade de se equilibrar os interesses econômicos e políticos com a proteção à saúde pública e ao meio ambiente.
Dr. Saulo Saulo Maia D’Ávila Melo
Saulo é professor Titular da Universidade Tiradentes no Curso de Medicina e Preceptor da Residência de Clínica Médica do Hospital de Urgência de Sergipe.