Como a diplomacia brasileira muda com Trump na presidência
A vitória de Donald Trump provoca tensões diplomáticas, redefinindo políticas e interesses entre Brasil e Estados Unidos em um cenário de mudanças e incertezas
- Data: 25/12/2024 10:12
- Alterado: 25/12/2024 10:12
- Autor: Redação ABCdoABC
- Fonte: Estadão
Donald Trump e Lula
Crédito:Alan Santos/PR e Ricardo Stuckert/PR
A recente vitória de Donald Trump nas eleições dos Estados Unidos representa um novo desafio para a política externa do Brasil, especialmente considerando as diferenças significativas nas agendas políticas entre o novo presidente americano e o governo de Luiz Inácio Lula da Silva. Com as expectativas do Palácio do Planalto em um patamar negativo, analistas se questionam sobre como o Brasil irá ajustar suas prioridades diante da mudança na liderança da Casa Branca.
Nomeações estratégicas nos EUA
Trump indicou Marco Rubio, senador republicano da Flórida com raízes cubanas, para ocupar o cargo de Secretário de Estado. Rubio é conhecido por sua postura crítica em relação ao governo brasileiro e aos regimes de esquerda na América Latina. Sua nomeação sugere que as relações entre os EUA e o Brasil poderão enfrentar tensões, especialmente considerando que ele já expressou preocupações sobre a liberdade de expressão no país e criticou ações do governo Lula, como a autorização para a passagem de navios de guerra iranianos pelo porto do Rio de Janeiro.
Outras indicações importantes na administração Trump incluem Mike Waltz, um deputado republicano da Flórida e veterano militar, como Conselheiro de Segurança Nacional, e Howard Lutnick, CEO da Cantor Fitzgerald, como Secretário de Comércio. Além disso, Peter Navarro retornará como assessor para comércio e indústria após um período de detenção por desrespeitar uma intimação do comitê que investigou a invasão do Capitólio.
Impactos na diplomacia brasileira
Um movimento esperado é a troca imediata da embaixadora dos EUA em Brasília. Elizabeth Bagley, nomeada por Joe Biden, é considerada alinhada ao Partido Democrata e deverá ser substituída por um diplomata mais alinhado à nova administração. Embora Trump tenha feito algumas indicações para embaixadores na América Latina, ainda não está claro quem assumirá o posto no Brasil.
Enquanto isso, Lula mantém sua equipe diplomática composta por Celso Amorim e Mauro Vieira. A embaixadora brasileira em Washington, Maria Luiza Viotti, está atenta às mudanças no cenário político americano e busca estabelecer canais de comunicação com os republicanos e a nova administração.
Com um possível rearranjo ministerial previsto para o início do próximo ano, surgem especulações sobre a conveniência de uma troca na liderança do Itamaraty. A percepção entre os republicanos é que Amorim e Vieira não têm vínculos suficientes com eles, sendo vistos como mais próximos ao Partido dos Trabalhadores (PT). No entanto, muitos acreditam que essa mudança não ocorrerá.
A relação entre Trump e Lula nunca foi próxima; ambos trocaram farpas em declarações públicas e até agora não houve tentativa concreta de estabelecer um diálogo direto após a vitória eleitoral de Trump. Apesar disso, Lula fez um gesto inicial ao reconhecer rapidamente a vitória de Trump nas redes sociais, ressaltando a importância do diálogo internacional.
A postura adversa de Trump em relação à oposição no Brasil levanta preocupações significativas. Ele pode energizar movimentos contrários ao governo Lula, especialmente entre grupos da direita radical. Parlamentares brasileiros da extrema direita já viajaram aos EUA buscando apoio da bancada republicana para pressionar o governo Lula e as autoridades brasileiras.
Analistas também apontam que o relacionamento entre Trump e presidentes conservadores da região poderá eclipsar o protagonismo brasileiro na América Latina. O ex-presidente argentino Javier Milei é uma figura central nesse contexto; seu alinhamento com Trump pode resultar em uma coalizão conservadora na região que contrabalança os interesses progressistas representados por Lula.
Riscos para a política climática
No âmbito ambiental e climático, as posições de Trump são alarmantes para o Brasil. Sua abordagem negacionista em relação às mudanças climáticas poderá prejudicar esforços brasileiros para conseguir compromissos internacionais mais robustos sobre proteção ambiental. A recente eleição de Trump foi vista como um retrocesso por negociadores climáticos brasileiros à medida que se aproximam preparativos para a COP-30 em Belém.
A questão dos minerais críticos representa uma interseção potencial nos interesses entre Brasil e EUA. Em setembro deste ano, ambos os países reativaram o Diálogo Estratégico sobre Minerais Críticos visando estabelecer cadeias produtivas seguras. No entanto, divergências permanecem quanto ao processamento desses minerais, onde cada país busca maximizar seus próprios interesses econômicos.
A relação comercial entre Brasil e Estados Unidos é significativa; os EUA são um dos maiores investidores estrangeiros no país. Em 2022, o estoque total de investimentos americanos no Brasil alcançou US$ 357 bilhões. Contudo, Lula se mostra cauteloso em relação às ameaças tarifárias emitidas por Trump durante suas campanhas.
No aspecto das migrações, apesar de os brasileiros não serem historicamente alvos principais das políticas restritivas americanas, o aumento da imigração irregular tem chamado atenção. Dados recentes indicam que aproximadamente 230 mil brasileiros estão vivendo ilegalmente nos EUA.
A busca do governo Lula por uma política externa equilibrada frente à disputa entre EUA e China é notável. Apesar das evidentes simpatias por Xi Jinping dentro do governo brasileiro, há uma tentativa contínua de manter relações autônomas sem se alinhar completamente a nenhum dos lados. Recentemente, Lula deixou claro que prefere manter uma distância das articulações mais controversas promovidas pela China.
Por fim, a expectativa é que as ações futuras de Trump possam influenciar significativamente a dinâmica política na América Latina e desafiar as aspirações brasileiras sob a liderança de Lula.