Após 9 anos da tragédia de Mariana, atingidos ficam entre acordo no Brasil e ação em Londres
Famílias e municípios precisam escolher se recebem dinheiro de imediato ou aguardam desfecho do julgamento no Reino Unido
- Data: 05/11/2024 09:11
- Alterado: 05/11/2024 09:11
- Autor: Redação
- Fonte: Artur Búrigo/Folhapress
Crédito:Antonio Cruz/Agência Brasil
Os municípios e as famílias atingidas pelo rompimento da barragem de Fundão, da Samarco, em Mariana (MG), têm pela frente uma decisão importante a tomar em relação à indenização pelo desastre. Nesta terça (5), a tragédia que matou 19 pessoas e despejou 43,8 milhões de metros cúbicos de rejeitos no meio ambiente completa nove anos.
Para receber os recursos previstos no acordo de R$ 170 bilhões assinado por governos e mineradoras no Brasil, os envolvidos têm que se abster de ações que cobram a responsabilidade das empresas – no país e no exterior – sobre os danos já ressarcidos.
Isso inclui o julgamento em Londres, em que o escritório inglês Pogust Goodhead propôs uma ação coletiva contra a BHP, mineradora anglo-australiana que controla, junto da brasileira Vale, a Samarco. A ação em curso prossegue até março, mas uma sentença só é aguardada para meados de 2025.
O valor de indenização nesse caso pode chegar a R$ 260 bilhões, e os recursos direcionados aos atingidos seriam, em tese, superiores ao que eles têm direito no acordo firmado no Brasil.
O julgamento na corte britânica, porém, tem destino incerto, e tanto mineradoras quanto o governo brasileiro avaliam que a repactuação já assinada tira força das ações contra as empresas no exterior.
No Brasil, Vale e BHP comprometeram-se a colocar R$ 100 bilhões em “dinheiro novo” para indenizar cerca de 300 mil famílias atingidas e 49 municípios – 38 mineiros e 11 capixabas. Os recursos serão divididos entre indenização individual e ações para recuperação econômica e investimentos em saúde e saneamento nos territórios ao longo da bacia do Rio Doce.
A necessidade da escolha entre o acordo no Brasil e a ação na Inglaterra foi confirmada pelo ministro Jorge Messias, da AGU (Advocacia-Geral da União), que representou o governo federal nas negociações. Ele ressaltou que a assinatura é voluntária.
“Quem aderir [à repactuação] está optando pela Justiça brasileira. A Justiça de Londres está julgando o processo, ninguém sabe quando vai encerrar, e, se por acaso tiver ganho de causa, qual o valor arbitrado. O que nós estamos garantindo é um pagamento agora”, afirmou Messias, no programa estatal Bom Dia, Ministro.
Entre os valores destinados às famílias, estão R$ 35 mil para aquelas que não conseguiram comprovar que foram diretamente afetadas pelo rompimento da barragem, além de outros R$ 95 mil a pescadores e agricultores.
A expectativa do governo é que cerca de 400 mil famílias recebam essa transferência direta, que seria feita em até 150 dias após a adesão ao acordo de repactuação. As famílias têm 90 dias para decidir sobre a indenização a partir da homologação do acordo na Justiça – que deve acontecer nos próximos dias.
Letícia Oliveira, integrante da coordenação nacional do Movimento Atingidos por Barragens (MAB), diz que a entidade está orientando as famílias afetadas sobre as duas possibilidades, mas afirma que o ideal seria que as pessoas aguardassem o processo em Londres.
“A gente orienta para tomar uma decisão sem pressão, mas às vezes as pessoas não conseguem esperar. A situação é tão séria nove anos depois [do desastre] que muitas pessoas não receberam nada, e não conseguem esperar”, diz Oliveira.
Uma das atingidas que teria direito à indenização do acordo no Brasil é Simone Silva, liderança quilombola da Comunidade de Gesteira e que faz parte da Comissão de Atingidos de Barra Longa (MG).
Ela afirma que não irá assinar a repactuação e irá esperar pela ação na corte britânica.
“Vou lutar para essa ação em Londres continuar, que nem é tanto por dinheiro, mas por justiça. Quantos dos nossos já morreram ao longo desse processo sem reparação?”, questiona. Ela afirma que sua filha Sofya, hoje com 9 anos, tem sequelas de intoxicação por causa do acidente.
Já entre os municípios, a divisão também parece existir. O prefeito de Colatina (ES), Guerino Balestrassi (MDB), é vice-presidente do Consórcio Público de Defesa e Revitalização do Rio Doce (Coridoce) e afirma que muitas cidades são favoráveis ao acordo no Brasil.
Já Juliano Duarte (PSB), que foi eleito neste ano e irá assumir a gestão de Mariana a partir do ano que vem, afirma que os R$ 2,2 bilhões que seriam destinados ao município pelo acordo estão aquém do que a cidade deveria receber.
“Uma das críticas dos prefeitos é em relação ao prazo de pagamento, em até 20 anos. Esse valor deveria chegar de imediato. E Mariana irá receber um valor muito pequeno, sendo que foi o município mais atingido, com perda de receita e desemprego da população”, afirmou o prefeito eleito.
Após a homologação do acordo de repactuação, as cidades têm até 120 dias para decidir se vão assinar ou não. Duarte defende que os prefeitos não devem ter pressa para aderir ao acordo e aguardar nesse período o andamento da ação na Inglaterra.
Procurado, o Pogust Goodhead afirmou que a ação inglesa tem como principal objetivo responsabilizar publicamente a BHP pela tragédia de Mariana e representa uma oportunidade única para que as vítimas possam contar suas histórias.
A BHP diz que sempre esteve comprometida com as ações de reparação e que o processo no Reino Unido duplica questões que já são cobertas pelo trabalho de reparação conduzido no Brasil, além de prejudicar os esforços de reparação que acontecem no país.