Nunes e Boulos concordam sobre saúde básica, mas divergem sobre filas
Ambos citam a atenção básica e as filas de consultas, exames ou cirurgias na capital como gargalos essenciais em seus planos de governo, diagnóstico acertado segundo especialistas
- Data: 24/10/2024 07:10
- Alterado: 24/10/2024 07:10
- Autor: Redação
- Fonte: JÚLIA BARBON - Folhapress
Ricardo Nunes (MDB) e Guilherme Boulos (PSOL)
Crédito:Edson Lopes JR./Prefeitura SP e Zeca Ribeiro/Câmara dos Deputados
Apesar das constantes alfinetadas, os adversários Ricardo Nunes (MDB) e Guilherme Boulos (PSOL) indicam concordar sobre os principais problemas que acometem a cidade de São Paulo quando se trata de saúde. Os dois, porém, divergem sobre como resolver alguns deles.
Ambos citam a atenção básica e as filas de consultas, exames ou cirurgias na capital como gargalos essenciais em seus planos de governo, diagnóstico acertado segundo especialistas. Mas enquanto o prefeito fala em expandir hospitais para diminuir a espera, o deputado propõe novos Poupatempos da Saúde.
Nenhum deles, no entanto, detalha o custo, o tempo nem o tamanho da ampliação que querem fazer na rede, exceto em poucos casos. O prefeito eleito lidará em 2025 com uma boa margem para investimentos, mas ela esbarra em despesas correntes que crescem mais rápido que as receitas.
“Não tenho dúvidas de que há espaço para aumentar a rede, mas é preciso considerar que isso implica em mais gastos permanentes, com cada vez menos aportes do governo federal na saúde dos municípios”, lembra Marina Magalhães, pesquisadora da Faculdade de Medicina da USP especializada em direito à saúde.
“Há outro ponto cego nos programas”, opina ela. “Eles esquecem de mencionar que a rede municipal de São Paulo é praticamente toda terceirizada, gerida por OSS [organizações sociais de saúde], o que torna mais difícil ter integração e controle direto sobre os serviços.”
A reportagem mostrou que os valores pagos pela prefeitura a essas entidades quase triplicou nos últimos dez anos, chegando a R$ 12,1 bilhões em 2023 (em valores corrigidos pela inflação), o equivalente a 59% do orçamento de saúde da cidade. Hoje, elas controlam 80% das unidades da capital, segundo o Fórum das Instituições Parceiras da Saúde do Município.
Os dois candidatos dão sinais de que isso não deve mudar: Nunes ampliou e costuma defender o modelo, e Boulos já disse que vai “manter e aprofundar as parcerias”. Ambos também prometem ampliar a fiscalização dos contratos, tema que foi alvo de polêmica neste ano.
Em abril, uma portaria da prefeitura suspendeu essas fiscalizações por seis meses para rever a forma de avaliação. Em junho, a prefeitura disse que as avaliações nunca pararam e que um novo e melhor Sistema Integrado de Controle e Avaliação de Parceiros (Sicap) já havia sido implementado.
Em agosto, porém, a Secretaria Municipal de Saúde afirmou que ele ainda estava “em implementação” à reportagem, via Lei de Acesso à Informação. Se reeleito, o prefeito promete “fortalecer o Sicap”, enquanto Boulos fala em “aprimorar a fiscalização” e unificar a gestão dos profissionais de saúde.
Sobre a atenção básica, apesar de Nunes dizer que sua gestão expandiu UBSs (Unidades Básicas de Saúde) e equipes de Saúde da Família, a porcentagem da população que tem acesso a elas está estagnada em torno de 70% desde 2021 –bem abaixo da média do país, de 85%, segundo o Ieps (Instituto de Estudos para Políticas de Saúde).
A atenção primária é essencial para prevenir e detectar doenças crônicas como hipertensão, diabetes e câncer, que lá na frente oneram o SUS e levam às principais causas de morte na cidade, como infarto. Também acompanha o paciente ao longo da vida e o encaminha a especialistas e serviços mais complexos.
Hoje, porém, São Paulo ainda tem problemas de integração, o que deixa muitas pessoas “perdidas na rede” e contribui para o aumento das filas. O paulistano espera em média dois meses e 17 dias por uma consulta com especialista, segundo dados de 2023, tempo que chega a quatro meses em alguns bairros e que cresceu em relação a 2022.
A ineficiência é grande: 26% dos pacientes agendados não são atendidos por falta do paciente ou ausência de médico. Esse índice deveria ser de no máximo 15%, segundo meta citada por auditoria do TCM (Tribunal de Contas do Município) de 2019.
Nessa seara, Nunes propõe “ampliar as especialidades médicas” nos serviços municipais e “expandir hospitais para reduzir as filas de exames e cirurgias”, de forma genérica. “Realizamos o maior número de consultas e exames na história”, ele costuma dizer, citando o programa Avança Saúde, que ampliou o horário de funcionamento e a oferta de cirurgias em 12 hospitais-dia na cidade.
Já Boulos tem como uma de suas principais bandeiras criar o Poupatempo da Saúde, replicando a marca estadual. “Passei noites sem dormir, dias e dias em reunião com especialistas, algumas na casa dos meus pais [médicos do SUS]”, disse ele em sabatina da Folha de S. Paulo, UOL e RedeTV!, prometendo zerar as filas.
Segundo ele, seriam 16 “Poupatempos” em imóveis alugados nos bairros com maior espera, como Perus (zona norte) e Grajaú (sul), com exames e médicos especialistas, ao custo estimado de R$ 4 bilhões. A falta de profissionais seria resolvida com editais pelo novo Mais Médicos Especialistas, a exemplo do programa federal.
A cidade de São Paulo tem 6,3 médicos a cada mil habitantes, mais que o dobro da média do país (2,6). Já a taxa de especialistas é de 2,2 (ante 1,65 nacionais), segundo a Demografia Médica no Brasil 2023.
Ana Maria Malik, professora da FGV e especialista em gestão da saúde, chama atenção para a necessidade de contratação de profissionais da saúde em geral, o que não aparece nos planos de Nunes nem de Boulos. “Não é só ter o hospital ou a cama, precisa ter os profissionais adequados”, diz.
Já na saúde mental, ambos citam mais Caps (Centros de Atenção Psicossocial). Boulos fala em “garantir o atendimento de urgência e emergência psiquiátrica nos hospitais gerais”, enquanto Nunes menciona a “expansão do programa de apoio a dependentes químicos” e “apoio a estudos e pesquisas de vacinas contra vícios às drogas”.
Grupos de estudos da UFRJ (GPDES) e da USP (Geps) caracterizaram essa última proposta como “destituída de consistência científica” em uma nota técnica onde analisaram programas de governo em todas as capitais. Eles destacaram que não há, ao menos, manifestações antivacinas nos documentos de São Paulo, apesar de Nunes já ter acenado nesse sentido ao eleitorado bolsonarista.
Essa, no entanto, é a única vez que a palavra “vacina” aparece nos programas dos dois cotados a prefeito da capital paulista.