Pressão de religiosos embaralha cenário pró-cassino e jogo do bicho no Senado
Senadores contrários à proposta que autoriza jogos de azar tiveram apoio de pastores e bispos
- Data: 12/06/2024 15:06
- Alterado: 12/06/2024 15:06
- Autor: Redação
- Fonte: Cézar Feitoza/Folhapress
Crédito:Divulgação/Freepik
O cenário favorável à aprovação de um projeto de lei que autoriza o funcionamento de cassinos, do jogo do bicho e de outras modalidades de jogos de azar se reverteu nesta semana após pressão de lideranças religiosas contrárias à proposta.
A inversão das expectativas fez o presidente da Comissão de Constituição e Justiça, senador Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), adiar a votação da proposta nesta quarta-feira (12).
O celular de uma dezena de parlamentares começou a receber, na véspera da votação, um vídeo do pastor Silas Malafaia. Ele pedia que os evangélicos pressionassem os integrantes da CCJ.
“Eu vou dar aqui o nome dos senadores que compõem a CCJ: titulares e suplentes. Mande e-mail, pressione […] tem que enviar para todos. Dois terços desses senadores vão a voto em reeleição em 2026 e eu não vou deixar passar, eu vou denunciar nas eleições quem votou a favor desse lixo moral”, disse Malafaia na gravação.
O pastor afirma ainda que os jogos de azar produzem desgraça na sociedade. “Destrói jovens, homens, mulheres, idosos e famílias”, disse. “A esquerda inteira vai votar a favor da jogatina, e não preciso nem explicar por quê”.
Um funcionário da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) aproveitou a onda contrária à proposta e enviou a senadores ligados à Igreja Católica uma nota pública da organização escrita em dezembro de 2023.
“Cabe-nos, por razões éticas e evangélicas, alertar que o jogo de azar traz consigo irreparáveis prejuízos morais, sociais e, particularmente, familiares […]. O voto favorável ao jogo será, na prática, um voto de desprezo à vida, à família e a seus valores fundamentais”, disse a CNBB no texto enviado aos senadores.
Na manhã de quarta, o gabinete do senador Eduardo Girão (Novo-CE), um dos líderes da oposição à proposta, mapeou os votos. A conclusão, pela primeira vez, era que havia votos suficientes para barrar a votação cerca de 15 dos 27 membros da comissão.
Girão protocolou dias antes da sessão um pedido de adiamento da votação. Quando se deu conta de que o cenário era favorável, apressou-se para retirar a solicitação.
“Eu quero tirar todos os requerimentos porque essa é uma agonia que todos estamos vivendo […]. Vamos deixar claro à sociedade como cada um de nós está pensando sobre esse assunto”, disse o senador ao presidente Alcolumbre.
Os senadores favoráveis à liberação dos jogos, antes entusiastas da votação, passaram a pedir o adiamento do desfecho. Foi o caso dos senadores Eduardo Braga (MDB-AM) e Rogério Carvalho (PT-SE).
O senador Carlos Viana (Podemos-MG) disse que a inversão dos papeis foi um sinal de que os parlamentares que votariam a favor “já fizeram as contas e descobriram que vão perder”.
“Falo com muita clareza como presidente da bancada evangélica do Senado Federal: nós não queremos a aprovação do jogo em nosso país”, disse Viana.
Discursaram também contra a proposta os senadores Jorge Seif (PL-SC), Marcos Rogério (PL-RO), Damares Alves (Republicanos-DF), Marcio Bittar (União Brasil-AC), Zequinha Marinho (Podemos-PA) e Esperidião Amin (PP-SC).
Com a imprevisibilidade do cenário, dois senadores governistas afirmaram que o governo Lula (PT) deve definir uma posição sobre a proposta de autorizar cassinos e jogos do bicho.
“O PT sempre foi contra. Foi o Lula que acabou com o bingo no Brasil [em 2004, após suspeita de corrupção]. Se sobrou alguma ética desse governo, que ele demonstre agora, porque os menos favorecidos é que vão ser brutalmente atingidos pela jogatina”, disse Girão.
O Congresso Nacional discute o projeto de lei há mais de 30 anos. As tentativas de avançar com a proposta, porém, esbarraram na oposição da bancada evangélica e de setores conservadores do Parlamento.
A oposição se enfraqueceu nos últimos anos à medida que se intensificou o lobby internacional, com promessas de investimentos bilionários no Brasil e aumento na arrecadação de impostos.
O texto atual permite a criação de cassinos integrados a complexos de lazer, como prédios ou embarcações. As instalações só receberão aval para funcionamento se tiverem hotéis, shoppings, salões para eventos sociais e restaurantes.
A proposta prevê autorização para até três cassinos-resorts por estado, a depender do tamanho da população da região ou da extensão do território. As empresas precisarão ser credenciadas pelo Ministério da Fazenda para operar seus cassinos pelo prazo de 30 anos, com possível renovação por igual período.
Pelas regras estipuladas pela proposta, somente o estado de São Paulo conseguiria instalar três cassinos-resorts, por ter uma população de mais de 25 milhões de habitantes.
Minas Gerais e Rio de Janeiro têm entre 15 milhões e 25 milhões de habitantes e poderão ter dois cassinos cada, de acordo com o texto. Amazonas e Pará também conseguirão instalar dois empreendimentos por causa de uma exceção à regra, que permite mais cassinos para territórios com mais de 1 milhão km².
Os demais estados e o Distrito Federal só poderão ter um cassino-resort cada, se o texto for aprovado.
O projeto de lei ainda estabelece que o jogo do bicho deixa de ser contravenção penal e se torna legal. Ele limita, porém, a instalação de um jogo do bicho a cada 700 mil habitantes por estado.
O estado do Rio de Janeiro possui 16 milhões de habitantes – poderia abrir, portanto, até 22 casas de jogo do bicho.
Se a proposta for aprovada, as casas de bingo só poderiam operar as modalidades física (cartela), eletrônica e videobingo – esta última limitada a 400 máquinas por estabelecimento.
O texto limita o credenciamento de uma casa de bingo a cada 150 mil habitantes por cidade. Estabelecimentos que realizam aposta de turfe (corrida de cavalo) terão permissão para operar bingos e videobingos.