Alunos de Etecs mostram solidariedade na emergência do Rio Grande do Sul

Catástrofe climática revelou, mais uma vez, capacidade de mobilização de estudantes de Etecs e Fatecs na hora de ajudar o próximo; conheça as histórias de alguns desses jovens

  • Data: 23/05/2024 14:05
  • Alterado: 23/05/2024 14:05
  • Autor: Redação
  • Fonte: CPS
Alunos de Etecs mostram solidariedade na emergência do Rio Grande do Sul

Rayssa, Kauã, Ana Roberta e Marcela: grupo sempre pronto a ajudar na Etec Darcy Pereira de Moraes, de Itapetininga

Crédito:Divulgação

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Eles trabalham como a Liga da Justiça. Porém, o mal a ser combatido é de outra natureza: o frio, as enchentes e a necessidade material advinda de situações que colocam a população em risco. E agem rapidamente. Assim que boa parte das cidades gaúchas começou a ser tomada pela água e pela lama, no início de maio, alunos de Escolas Técnicas (Etecs) e Faculdades de Tecnologia (Fatecs) estaduais do Centro Paula Souza (CPS) imediatamente se mobilizaram para arrecadar mantimentos, roupas e água para enviar ao Rio Grande do Sul.

Não se trata de uma ação isolada. Pelo caráter dos projetos desenvolvidos no dia a dia acadêmico, em feiras de ciências ou nos trabalhos de conclusão de curso (TCCs), pode-se notar que o perfil solidário é comum entre esses jovens. Conheça algumas histórias e a análise de um especialista sobre como a Educação Profissional e Tecnológica influencia esse perfil:

Ação entre amigos

Na Etec Darcy Pereira de Moraes, de Itapetininga, um grupo de quatro estudantes da terceira série do Ensino Médio Integrado ao Técnico em Administração se aproximou por seus objetivos em comum: criar estratégias para organizar a comunidade acadêmica em torno de ações humanitárias. Quando a tragédia das chuvas se abateu sobre o Rio Grande do Sul, o alarme soou para os alunos com a notícia de que os Correios estavam enviando doações, rompendo a distância e oferecendo o que faltava a eles: uma maneira de encaminhar os itens mais urgentes aos desabrigados.

Ana Roberta Barros do Nascimento, Marcela Fogaça Tavares Machado, Rayssa Maria Salem Braga e Kauã Cerqueira de Oliveira levaram a ideia à coordenação pedagógica e à diretoria. “Todos abraçaram o projeto”, conta Ana Roberta. A partir daí, os amigos puseram-se a produzir conteúdo para as redes sociais e passaram de sala em sala propondo uma gincana para engajar os colegas na campanha. Em quatro dias já haviam conseguido reunir cerca de 10 mil itens que foram despachados para o seu destino em um caminhão do Fundo Social da Prefeitura e de lá para os Correios.

Os colegas se dispuseram a colaborar na triagem do material que chegava e não se furtaram a fazer uma corrente humana para carregar o caminhão. “Foi muito gratificante ver tantas doações, nossos colegas foram muito participativos”, conta Rayssa. Com aulas das 7h30 às 15h30, e morando na zona rural, Ana Roberta tem consciência da dinâmica das cidades em situações como a do Sul. “Seríamos os últimos a receber ajuda, os últimos a ter o bairro restaurado depois que tudo tivesse passado”, reflete.

“Há sempre campanhas na escola, como a do agasalho e outras”, conta Marcela. A estudante lembra que mesmo os animais são incluídos: três cães já foram adotados pela unidade.

Na família desses estudantes, que moram a cerca de 40 quilômetros da escola, a solidariedade é aprendida desde cedo. O pai de Kauã, pequeno agricultor, já havia disponibilizado o caminhão da família para levar doações da Etec até a sede do Fundo Social, caso fosse preciso. “Nós temos que ajudar, ninguém sabe o dia de amanhã”, diz o estudante. “Não fazemos nada sozinhos”.

Era das emergências

Se ações solidárias ocorrem de forma ágil e rápida, a análise de danos também encontra ressonância entre os estudantes. Maria Vitória Rocha Nascimento, aluna da terceira série do Ensino Médio Integrado ao Técnico em Nutrição e Dietética da Etec Celso Giglio, de Osasco, faz parte de um dos três órgãos acadêmicos da unidade que atuam em eventos culturais, esportivos e solidários.

A estudante lembra que todos trabalham juntos e se preocupa com o fato de que a população esteja tão despreparada para eventos deste porte. “Em situações como a do Rio Grande do Sul agentes exógenos, causados pela mudança climática, são incontroláveis”, comenta. “As pessoas não têm preparo para enfrentar algo tão extremo”.

Depois de cursar o Ensino Fundamental no Piauí, Maria Vitória voltou para São Paulo. Familiares e conhecidos a aconselharam a prestar o Vestibulinho da Etec. Com receio de não ser aprovada, ela se inscreveu em cinco unidades. Entrou em todas, escolheu o curso que realmente queria e logo se envolveu com as ações solidárias. Esta ação é diferente. “Temos que pensar na continuidade da campanha, se precisaremos enviar doações a intervalos determinados de tempo, por exemplo”, pondera.

“A Etec não é apenas uma experiência acadêmica, é uma preparação para a vida. Nós tomamos gosto por essas ações e percebemos que somos capazes de fazê-las. A escola dá asas para que você possa voar”, elogia.

Agilidade

Arthur Antunes de Castro cresceu vendo os pais, donos de um comércio de carnes, se relacionando de forma solidária com a comunidade. Ao lado dos três filhos, o casal doa cestas básicas, remédios e mochilas para a volta às aulas, entre outros itens. Arthur, o caçula, segue os mesmos passos dentro da Etec Antonio Furlan, em Barueri, onde cursa a segunda série do Ensino Médio Integrado ao Técnico em Contabilidade. Integrante do grêmio, costuma tomar a frente em várias ações.

“A campanha do agasalho já estava no projeto, mas adaptei os planos em função do que houve no Sul”, conta. Assim como os outros estudantes citados aqui, Arthur pensou em uma competição entre salas, enquanto procurava locais de armazenamento e meios de transporte para as doações. “Não estamos preocupados com volume, mas com agilidade”, avisa. “A galera está precisando agora”.

O curso de Contabilidade foi sugestão do pai, e a Etec, indicação de amigos. Ao ingressar no curso, teve uma feliz surpresa. “Eu fiquei deslumbrado. Temos cinco laboratórios, quadra esportiva, sala maker, lousa de vidro”, enumera. “É uma estrutura excepcional, equivalente a uma escola com mensalidade de 2 ou 3 mil reais. E o melhor: é de graça!”

Arthur se encantou também com a diversidade que encontrou na Etec, com alunos de todas as regiões. “Aqui você conhece as pessoas, não fica confinado a uma bolha. E é gente com vontade de fazer a diferença”, diz. “O mundo é bom, mas ainda tem muito o que melhorar”.

Mais do que habilidade técnica

Ela veio da Etec Prefeito Alberto Feres, de Araras, onde concluiu o Ensino Médio Integrado ao Técnico em Química. Hoje, Beatriz Alves Suzarth cursa o quarto semestre de Gestão Empresarial na Fatec localizada no mesmo município, onde é representante de sala e tem um grupo de WhatsApp para agilizar e engajar os estudantes em casos de emergência. Assim que uma colega trouxe a ideia de fazer uma campanha pelos desabrigados do Rio Grande do Sul, Beatriz se pôs a mobilizar não apenas a sua sala, mas as demais classes da Fatec.

Não foi a primeira vez. No começo de 2024 ela já havia organizado o trote solidário, uma tradição das Fatecs, com arrecadação de itens enviados para a Santa Casa local. E não é por ter tempo de sobra. No primeiro mês estudando na Fatec, Beatriz foi convidada a trabalhar em uma multinacional. Mas o hábito da solidariedade, trazido de casa e do Ensino Médio, já está arraigado. “A Etec não te dá apenas habilidade técnica. Fazer o bem faz bem”, ressalta.

Escola educadora

E qual seria a liga que une esses estudantes a objetivos comuns, com responsabilidade social e noções claras de cidadania? Almério Melquíades de Araújo, coordenador da Unidade do Ensino Médio e Técnico (Cetec) do Centro Paula Souza (CPS), lança luz sobre a questão ao inventariar as mudanças que ocorreram no Ensino Técnico, desde o seu surgimento, culminando em uma escola que forma um cidadão completo, que sabe se comunicar e se envolver na sociedade. “A origem da Educação Profissional está muito associada ao treinamento para o desenvolvimento de habilidades”, diz. “De uma secretária, por exemplo, exigia-se apenas agilidade no teclado da máquina de escrever”.

Os ventos da mudança começaram a soprar entre os anos 1950 e 1960, quando o aluno desenvolvia habilidades técnicas enquanto recebia uma educação humanística. Mais tarde, nos anos 1980, é estabelecida a Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Porém, o corpo docente não era ainda totalmente integrado. O estudante recebia ambos conhecimentos, mas era como se viessem em embalagens diferentes, sem integração entre si.

Chegamos à década de 1990 com transformações mais efetivas e sedimentadas. “A formação profissional ganhou outra dimensão”, conta o professor. “Entra aí a definição de competência, que não significa acumular conhecimentos e habilidades, e sim saber usá-los adequadamente, com sensibilidade”.

Não há mais o trabalhador incapaz de fazer conexões e de se comunicar. “O trabalho é feito em equipe. Para isso, o profissional precisa desenvolver, além de habilidades especificas, a empatia e a capacidade de enxergar a situação de seu grupo, como chefe ou colega”.

A introdução de uma nova metodologia trouxe os projetos para o dia a dia dos estudantes, que se percebem inseridos em uma comunidade. “O resultado é um cidadão que tem autoestima e compromisso social, sabe trabalhar em equipe e coloca em seus projetos as questões sociais e ambientais. A Escola Técnica ganhou uma complexidade muito grande. Hoje há um conjunto de vivências. E momentos críticos como este pedem criatividade”, destaca.

“A escola já não é só a sala de aula, a transmissão passiva de conhecimentos”, explica. “É uma escola educadora. E toda formação técnica é de alguma forma o refinamento do conhecimento científico e cultural”, conclui o professor.

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  • Data: 23/05/2024 02:05
  • Alterado:23/05/2024 14:05
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